Esse mês de Março completamos incríveis 29 anos de litígio por uma truculência cometida a toda uma geração de Produtores Rurais no Brasil.
Por Marcela Caiado*
Em Dezembro de 2014 o Superior Tribunal de Justiça CONDENOU a União, o Banco Central e Banco do Brasil a devolver aos produtores rurais o “pagamento das diferenças apuradas entre o IPC de março de 1990 (84, 32%) e o BTN fixado em idêntico período (41,28%), corrigidos monetariamente os valores a contar do pagamento a maior pelos índices aplicáveis aos débitos judiciais, acrescidos de juros de mora de 0,5% ao mês até a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.01.2003), quando passarão para 1% ao mês, nos termos do artigo 406 do Código Civil de 2002.”
Rememoremos que o que aconteceu em 1990 foi uma verdadeira barbárie com a classe que, à época com tanto sacrifício, alimentava esse país. Justiça nunca foi feita. Elaboram planos e mais planos de isenção, perdão ou o que seja do Funrural e não promovem a mais digna justiça aos precursores da atividade que não contavam com o reconhecimento, a tecnologia, a pompa e toda a circunstância de hoje. Foi uma verdadeira truculência cometida através de normativos despóticos do BCB no manto da política econômica implementada em 1990, o fatídico “Plano Collor I”.
Em 1990 quem produzia eram homens simples, trabalhadores, comprometidos, grande maioria chefes de família, homens forjados em valores, que na calada da noite se viram perdendo se não todo, grande parte do patrimônio construído com botinas gastas e às custas de muitas rugas do sol a campo aberto.
Quem aqui estava se lembrará de homens assim descritos que foram à falência, suicidaram, infartaram, sucumbiram convalescentes, perderam a dignidade, os meios de oferecer estudo digno aos filhos (o objetivo da grande maioria), perderam enfim a razão.
São 29 anos, e sequer notamos o mínimo respeito do Poder judiciário e daqueles que os deveriam representar.
Em 2014 veio mais um lampejo de esperança, mas a esses senhores e suas famílias, otimismo já é sentimento raro.
Da justa decisão do Plano Collor vivenciamos mais procrastinações, as quais estamos sujeitos a respeitar com base no princípio máximo do devido processo legal. Mas eis que fica a pergunta, até onde devemos esse respeito?
A decisão do STJ foi suspensa por recurso da União, amparado na pendência de definição do RE 870.947/SE, que tratava o TEMA 810, tratando questões atinentes à aplicação da TR, ou seja, apenas para os casos excepcionais em que a União seria responsável pela obrigação principal, que seriam as hipóteses em que sucedeu a Instituição Financeira em operação específica cedida pela Medida Provisória n. 2.196-3/2001.
Pasmem que não apenas a questão que justificava o sobrestamento já foi decidida e inclusive reconhecida pelo Ministro Francisco Falcão, àquele tempo relator da ACP, mas que a ação foi inúmeras vezes pautada e retirada de pauta sem justificativa alguma em 2018. E se não fosse o bastante, esse mesmo magistrado em dezembro de 2018, às vésperas do recesso da corte, se declarou suspeito à relatar o caso, por razões de foro íntimo. Dois anos após tê-lo recebido.
Enfim, situação que dispensa comentários.
Hoje o processo se encontra sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi, conhecida por sua postura justa e estritamente reta, inclusive em sua conclusão na presente data. Esperamos, com muito otimismo o pronunciamento quanto ao fim do sobrestamento da decisão, que devolve aos beneficiários o direito de buscar o mínimo de reparação e dignidade.
Com todo respeito, peço vênia para não medir palavras, mas muitos desses produtores estão morrendo, e merecem ao menos ter a dignidade de entregar aos seus filhos uma centelha do fruto dessa luta que por eles travaram e fizeram por merecer e receber o orgulho de sua família pela vitória de uma luta que não foi em vão. E todos nós merecemos acreditar no nosso país e nas suas instituições. Se podemos chamar de justiça a reparação por um sacrilégio que já perdura por três décadas, é o que esperamos.
*Marcela G. Caiado Castro – Advogada no ramo do Agronegócio, Produtora Rural, MBA em Agronegócio e Agroindústria e membro da Comissão de Direito do Direito do Agronegócio da OAB-GO.