Ou como o preguiçoso “copia-e-cola” destrói a qualidade dos estudos de impacto ambiental
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Ao passar os olhos nas recentes publicações nacionais, sejam técnicas, jurídicas, acadêmicas ou não, digitalizadas ou impressas, observo a sua baixa qualidade.
Há uma proliferação de conteúdos repetitivos e desnecessariamente prolixos.
Como sinal desse tempo medíocre que vivemos, nas publicações atuais o texto é tão carregado de citações e referências bibliográficas, que chega a desfocar seu objeto, quando não torná-lo inconcluso, confuso ou até mesmo rocambolesco.
O show de mediocridades eruditas deve-se, em grande parte, ao que chamo “vampirização digital”.
O vampiro digital é aquele indivíduo que “pega emprestado” texto alheio e trata de inseri-lo em outro, sem o cuidado de citar a fonte ou mesmo contextualizar. É do instinto vampiresco “chupar” citações, ainda que de nada sirvam para a conclusão da obra.
Vampiros digitais se dedicam não raro a “reconstruir” ideias, “maquiando-as” com citações emprestadas para não citar o verdadeiro autor ou permitir que se identifique em que condições referidas “inspirações” se deram.
No ramo das mediocridades editoriais – doutrinárias, acadêmicas, universitárias ou de pesquisa científica, as vampirizações costumam ocorrer bem formatadas, submetidas a regras acadêmicas, obedientes às normas da ABNT, regulares, normatizadas e atestadas. Há mesmo um certo conforto intelectual entre os vampiros de que, na verdade, estariam punindo exemplarmente àqueles que escrevem de forma criativa e inédita – justamente por não terem seguido às regras de exposição, à promoção de citações visando “recíprocidade”, referências bibliográficas emulativas e desdobramentos analíticos dispensáveis ou redundantes. Dessa forma, a vampirização seria algo como um “resgate” da mediocridade, com a derrota da “inadmissível” originalidade para a mesquinhês das metodologias reducionistas e meta-citações.
Com efeito, se isso vem ocorrendo num campo relativamente minado para os vampiros digitais, como é o meio acadêmico, o que se dirá dos estudos técnicos e relatórios gerados no bojo de um Estudo de Impacto Ambiental, de uma análise de risco, um parecer jurídico, decisão judicial ou administrativa ou parecer auferido no bojo do licenciamento ambiental, ou em meio a um processo de resolução de conflito relacionado à tutela do meio ambiente?
Nesse campo – no dia-a-dia da profissão, tenho me deparado com uma crescente gama de “corta-e-cola”, executados em larga escala.
A falta de cuidado no citar a fonte é acrescida com o potencial de o vampiro digital causar mais danos ambientais que, efetivamente equacioná-los.
Ao apertar as teclas “control C” e “control V” do computador, o que normalmente faz o vampiro digital é dar vida a “frankensteins”.
De fato, esses monstros do “puzzle digital” substituem a capacitação técnica que deveria constituir a alma do estudo.
Vou me limitar a analisar o caso dos Estudos de Impacto Ambiental – EIA, como parâmetro para qualquer outro estudo ou análise ambiental – o que não significa que outros “pescoços de criatividade” não estejam neste momento sendo atingidos pelos caninos afiados dos vampiros digitais.
Ora, nada mais natural que ocorra, hoje, perda sensível da qualidade do conteúdo e da própria análise dos Estudos de Impacto Ambiental e respectivos relatórios, no âmbito do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente, na proporção direta da sua crescente industrialização.
A ausência de cumprimento, por parte do próprio Poder Público, da sua obrigação de mapear o território que tutela, planejar de forma integrada o desenvolvimento local e regional e, sobretudo, a falta de ordenamento territorial digno desse nome, permitem ao empreendedor, ao analisar os impactos ambientais de seu empreendimento, sugerir o mapa, o plano e o ordenamento, transformando uma análise técnica que deveria ser objetiva em um calhamaço justificador de filigranas.
Isso é um paraíso para os vampiros digitais, os quais, a título de acrescentar conteúdo ao trabalho de colagem, colam ainda mais…
Por conta disso, já presenciei Estudos que deveriam conter no máximo duzentas laudas, se estenderem por cinco mil, carreando no seu bojo tratados de piscicultura, teses de mestrado sobre aracnídeos, monografias de geologia, tudo devidamente vampirizado do ciberespaço…
O resultado disso, no entanto, pode ser funesto.
Reza o artigo 69 –A da Lei Federal 9.605/98 – Lei de Crimes Ambientais:
Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1o Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.
§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.
Portanto, a vampirização digital pode, efetivamente, obrigar o vampiro levar para a cadeia, consigo, o seu caixão virtual
O pior é que o contratante do estudo transformado em “puzzle”, pode pôr a perder todo o seu investimento, por conta do impacto ambiental negativo ocasionado pelo preguiçoso, anônimo e abominável “copia-e-cola” dos vampiros digitais.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.