Jornal O Globo entrevista Antonio Fernando Pinheiro Pedro sobre a orientação do governo Bolsonaro para o Meio Ambiente
Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado especialista em Direito Ambiental Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo
Grupo de transição do Ministério do Meio Ambiente queria ‘desmontar’ políticas da pasta. Antonio Fernando Pinheiro Pedro, integrante de equipe que idealizou gestão do setor no governo Bolsonaro, revela orientação para mudar Conama, Ibama e gestão sobre mudanças climáticas.
Por Renato Grandelle – O Globo 06/04/2019 – 04:30 ¹
RIO — No final do ano passado, após a eleição de Jair Bolsonaro, não faltaram críticas de sua equipe à condução da política ambiental dos últimos governos. Entre os principais alvos estavam o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a suposta “indústria de multas” do Ibama e o programa sobre mudanças climáticas.
Além do atual ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a equipe contou com outros pesquisadores insatisfeitos com a administração da área ambiental nos governos de Lula e Dilma Rousseff. Um dos integrantes da equipe é Antonio Fernando Pinheiro Pedro, consultor do Banco Mundial, fundador e primeiro presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
O advogado paulista é autor do documento “Notas sobre o Sisnama e sobre a estrutura do Ibama”², referindo-se ao Sistema Nacional de Meio Ambiente, estudado pela equipe de transição.
Em entrevista ao GLOBO, Pedro destaca a importância de “desmontar” antigos projetos do ministério e como as primeiras medidas concebidas para a pasta na gestão Bolsonaro já estão saindo do papel.
A equipe de transição montada pelo governo Bolsonaro para o Ministério do Meio Ambiente previu a instituição de um Conselho de Governo na pasta, que seria composto por cinco conselheiros do ministro e pelo ministro. Qual seria sua função?
A criação do conselho está prevista pelo Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) desde 1981, porque a gestão ambiental deve ser decidida por uma cúpula, que auxiliaria diretamente o presidente da República. O chefe do Executivo não pode ser um especialista em generalidades, ele precisa de um colegiado que o oriente em tomadas de decisões estratégicas. Hoje, o principal órgão do Ministério do Meio Ambiente é o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), mas seu papel deveria ser auxiliar, fazendo e analisando regulações.
Como o senhor avalia a atuação do Conama?
O Conama está superlotado, funciona em uma clima de assembleia estudantil, é extremamente politizado e deixa o governo acéfalo. Alimentou a vaidade de praticamente todos os ministros que antecederam o Ricardo Salles, com exceção da Izabella Teixeira (ministra na gestão de Dilma Rousseff), que foi uma técnica espetacular.
É difícil mudar a composição do Conselho?
Sim. Poucos anos atrás, participei de uma equipe que foi chamada para analisar como fazer a reforma do Conama. Na época, o conselho tinha 118 membros. Apertando muito, reduzimos para 98, mas para isso enfrentam-se muitos desgastes políticos. O Conselho parece uma confederação sindical, com membros de todos os governos estaduais, três ou quatro associações indígenas, entidades ambientalistas, Ministério Público, a Advocacia Geral da União. A Câmara Jurídica tem menos de dez anos. Antes, seus assuntos eram decididos por ambientalistas. Precisamos de um grupo que tenha estofo técnico, e não apenas acadêmico. Este colegiado não é um órgão parlamentar, não compete com o Legislativo. Acho que tem ONG demais e trabalho de menos.
No mês passado, a primeira reunião do Conama no governo Bolsonaro terminou em confusão e agressão física, quando membros titulares e suplentes do órgão foram alojados em salas diferentes, e a reformulação do colegiado, tema previsto na pauta, não foi discutido. O que aconteceu?
Houve um problema de falha de comunicação, algo comum em quase todo o governo, na tentativa de fazer uma reunião mais restrita. Os ânimos não estão bons, o Ricardo Salles assumiu o ministério com a composição do Conama do governo passado. O fato é que o colegiado não funciona e as resoluções ocorrem em ritmo emocional.
Como o senhor avalia a atuação do ministro Ricardo Salles?
Temos um excelente relacionamento, conversamos frequentemente. Ele está no meio de uma batalha e sofre um certo isolamento em função disso. O ministro tem o nosso apoio. Em sua posição, não vai ganhar um concurso de simpatia. O governo como um todo tem sido muito atacado.
O plano apresentado no ano passado também sugeria “reposicionar estruturalmente toda a Política Nacional sobre as Mudanças Climáticas”, que, em sua atual composição, não estaria tendo qualquer efeito prático. O que isso quer dizer?
Fui o coordenador do grupo de apoio à relatoria do projeto de lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas³. Esta área tornou-se um grande cabide de emprego. Em toda secretaria tem uma pessoa que cuida disso e, por isso, você não enxerga uma política para o setor. A ideia é criar um núcleo específico. As mudanças climáticas existem, mas este tema é tratado com distorção ideológica. Alguns países estão usando-o para distorcer o comércio internacional, e o Brasil é vítima disso. Também sou cético em relação ao discurso do protagonismo humano, como se fôssemos deuses capazes de alterar o clima para o bem e para o mal. Entendo que o foco principal de nossa política deva ser a defesa civil e a garantia de produção de alimentos.
O ministro divulgou, no início do governo, a possibilidade de fusão do Ibama e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). O que houve com esta ideia?
Quando você faz um plano, sabe que pode ter problemas em implementá-lo, ou que ele pode até não sair do papel. Havia um comprometimento do governo em realizar uma série de alterações. Hoje, estamos na primeira fase, que é o desmonte: fazer mudanças no Conama, na política de mudanças climáticas, na fiscalização ambiental. É um gesto necessário. E, quando é feito, gera atrito. O governo Bolsonaro desembarcou na praia inimiga e está recebendo rajadas de metralhadoras de quem está encastelado lá atrás.
Um em cada quatro cargos de gerência do Ministério do Meio Ambiente estão vagos. Por que isso ocorre?
Existe uma dificuldade de preencher cargos porque é necessário ter pessoas comprometidas gerencialmente. Hoje há muita gente desmotivada. A área ambiental é estancada há 20 anos. Temos muitos profissionais à beira da aposentadoria. A gestão deve ser descontaminada da abordagem ideológica. Mais técnica, mais segurança jurídica, e menos conflito e judicialização.
Notas do Blog:
1- Matéria publicada no Jornal O Globo, seção Sociedade, em 6 de abril de 2019 – TEXTO ORIGINAL in https://oglobo.globo.com/sociedade/grupo-de-transicao-do-ministerio-do-meio-ambiente-queria-desmontar-politicas-da-pasta-23568174?fbclid=IwAR2M9lDitfaoFHQGaUrGSL9M-MgjCIRqCPjc2GFYo0OtnTL6KcrES2FPH_s
2- Trabalho publicado, entre outros órgãos, pelo Blog The Eagle View in https://www.theeagleview.com.br/2019/01/notas-sobre-o-sisnama-e-sobre-estrutura.html
3- Pinheiro Pedro coordenou equipe formada por técnicos, cientistas e advogados, que revisaram o Projeto de Lei nº 3.535/2008, sob relatoria do Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame, aprovado e sancionado como Lei 12.187 , de 29 de dezembro de 2009, que institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC.
Fonte: The Eagle View