Por Cinthya Boschini Covo Leão*
Todas as semanas, ao acessar as notícias oriundas das redes de comunicação, me deparo com casos de suicídios nas corporações policiais e surtos psicológicos seguidos por mortes. Infelizmente, hoje não foi diferente…
O que está acontecendo com a saúde mental dos nossos policias? Por que estão se matando? É muito comum ouvir que nossos policiais estão adoecidos… E em boa parte, isso é sim uma triste realidade.
O suicídio é uma ocorrência muito complexa, influenciada por fatores psicológicos, biológicos, sociais e culturais. Segundo Botega (2007), o suicídio representa um problema de saúde pública.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, mais de 700 mil pessoas morrem por ano no mundo devido ao suicídio, o que representa uma pessoa a cada 100 mortes registradas. Em uma comparação, mais pessoas morrem por suicídio do que HIV, malária, homicídio e câncer de mama.
Com relação aos policiais no Brasil, o suicídio cresceu 55% entre 2020 e 2021. O número de policiais que tira a própria vida é maior que o dos que morrem em serviço. Só em 2019, 65 policiais militares e 26 civis cometeram suicídio. Naquele mesmo ano, o número de PMs mortos em serviço foi de 56 e o de policiais civis, 16. O número de policiais mortos fora de serviço foram 101. Essas informações estão disponíveis no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. Os dados compilados pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) tratam das polícias Civil e Militar.
Em uma análise geral, quais são os fatores que interferem diretamente no aumento desse fenômeno institucional?
Em matéria escrita para o Jornal O Estado de São Paulo (Desvalorização dos Policiais Paulistas: Indicador de Má Gestão Pública, São Paulo 09/11/2021), o Coronel PM Humberto Cesar Leão cita alguns fatores, como a Deterioração da qualidade de vida afetada pela baixa remuneração, já que ter uma remuneração suficiente pelo trabalho é fundamental não somente para a satisfação das necessidades humanas básicas, como as fisiológicas e de segurança, mas como também para se atender as necessidades sociais, de autoestima e de autorrealização; Desmotivação, causada pela comparação de seu salário com o praticado no mercado; Adoecimento, o estresse persistente causado pela insegurança financeira, endividamento e ocorrências de alto risco envolvendo mortes e violência, podem levar os policiais à Síndrome de Burnout, como ensina a médica Prof. Dra. Ana Maria Benevides (2002) ao indicar que esta aguda exaustão física e emocional incide principalmente em profissionais que prestam assistência às pessoas; Venda da folga para complementar a renda, que tira do policial o necessário tempo de lazer com a sua família, amigos e prática de hobbies. Destaco ainda, falta de reconhecimento e impossibilidade de exercer de forma plena sua função.
Em minha pesquisa realizada em pós-graduação pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (2006), concluí que parte dos Bombeiros da Polícia Militar Paulista, atuantes no serviço de resgate (caracterizado pela grande carga horária de trabalho e contato constante com o sofrimento humano), apresentavam sintomas da Síndrome de Burnout, gerando problemas em sua vida sexual e conjugal.
Observem seus pares de profissão. Importante todos ficarem atentos aos seguintes sinais:
Mudanças de rotina, insônia, alteração do apetite, falta de higiene e alteração da apresentação pessoal/autocuidado (não tomar banho, deixar de fazer barba, por exemplo), tristeza inexplicável e constante, falta de energia crônica, inabilidade de se concentrar, baixa autoestima, apatia, desinteresse por atividades que gostava, sentimento de culpa, mentalidade pessimista, inquietação, uso abusivo de medicações, álcool ou drogas, alteração do humor, pensamento, alucinação e fobias, isolamento social, faltas no trabalho, luto não elaborado, constantes brigas familiares e pensamentos suicidas.
Frente a tudo isso, o que fazer?
Em sua tese de Doutorado no Curso Superior de Polícia (São Paulo – 2023), o Major PM Diógenes Martins Munhoz (precursor da AHPPTS – Abordagem Humanizada a Pessoas com Propósito Suicida), propõe de forma detalhada a criação de uma rede de proteção à saúde mental para o efetivo da Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde afirma, através de dados coletados e analisados, decorrentes de sua pesquisa durante quase 09 meses que, a detecção precoce, seguida de um tratamento precoce, gerando uma recuperação eficiente do profissional com manifestações de inconformidade de comportamento, culmina em uma eficaz prevenção ao suicídio.
Acrescento ainda que seria de extrema necessidade, que todo o efetivo das polícias passasse periodicamente (no mínimo a cada 2 anos) por uma Avaliação Psicológica realizada por Psicólogos capacitados e experientes a fim de avaliar suas condições de saúde mental e aptidão para manuseio de arma de fogo.
Para que isso ocorra, deve-se derrubar a princípio alguns paradigmas com a sensibilização do Comando para implantação de tais projetos, pois é cultural o preconceito e a falta de informação para com o tema saúde mental. Além disso, é muito comum a seguinte falsa premissa: “encaminhar policias para o serviço de assistência psicológica (CAPS/NAPS) poderá reduzir de forma acentuada a força operacional da corporação”, que “Psicólogo/Psiquiatra é coisa para louco”. Ao contrário, a manutenção da saúde mental reduz as baixas e o absenteísmo na corporação. Quando a “cabeça” não está bem, nada funciona de forma adequada!
O autocuidado, mudanças de hábitos, ter rotina, realização de atividades físicas e laser com a família, adequação do sono e da alimentação são fundamentais para se ter uma boa saúde mental. Além disso, procurar ajuda médica e psicológica é de extrema necessidade para reconhecer sentimentos e manejar de forma adequada as emoções.
Claro que este aperfeiçoamento no sistema de saúde mental necessita de investimentos financeiros, mas pergunto: quanto vale uma vida?
*Cinthya Boschini Covo Leão – Psicóloga credenciada pela Polícia Federal. MBA Gestão de Pessoas. Pós graduada em Sexualidade Humana pela USP. Especialista em Psicologia do Trânsito. Diretora Técnica do Instituto Brasileiro de Abordagem Humanizada. Instagram: @psicocinthyacovoleao; E-mail: cinthyabcovo@gmail.com
Fonte: A autora
Publicação Ambiente Legal, 29/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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