Marta Zaraska – BBC Future
Os jornais começaram a escrever sobre Betty Lowe quando ela tinha 96 anos. Apesar de já ter passado da idade de se aposentar, ela ainda era voluntária em um café no Salford Royal Hospital, no Reino Unido, servindo café, lavando pratos e conversando com pacientes.
Lowe fez então 100 anos. “Ainda é voluntária no hospital”, diziam as manchetes. Quando completou 102 anos, a notícia se repetiu: “Continua trabalhando como voluntária”. O mesmo aconteceu quando ela completou 104 anos. Inclusive aos 106, Lowe trabalhava no café uma vez por semana, apesar da visão fraca.
Lowe disse aos repórteres que a entrevistaram que o motivo pelo qual ela continuou trabalhando no café por tanto tempo, quando a maioria das pessoas teria decidido ficar de pernas para o ar, foi porque ela acreditava que o voluntariado a mantinha saudável. E ela provavelmente estava certa.
A ciência revela que comportamentos altruístas — de voluntariado formal a doações monetárias e atos aleatórios de gentileza diária — promovem o bem-estar e a longevidade.
Estudos mostram, por exemplo, que o voluntariado está correlacionado a um risco 24% menor de morte prematura — quase o mesmo que comer seis ou mais porções de frutas, legumes e verduras por dia, de acordo com algumas pesquisas.
Além disso, quem faz trabalho voluntário apresenta um risco menor de alto índice de glicose no sangue e um risco menor de níveis de inflamação relacionados a doenças cardíacas. Também passa 38% menos noites em hospitais do que as pessoas que evitam se engajar em atos de caridade.
E esses impactos positivos do voluntariado na saúde parecem ser encontrados em todos os cantos do mundo — da Espanha e Egito à Uganda e Jamaica, de acordo com um estudo baseado em dados do instituto Gallup World Poll.
É claro que pode ser que as pessoas que estejam com a saúde melhor sejam mais propensas a começar a se voluntariar. Se você está sofrendo de artrite severa, por exemplo, é provável que não se ofereça para trabalhar distribuindo sopa a moradores de rua.
“Há pesquisas que sugerem que as pessoas com saúde melhor são mais propensas a se voluntariar, mas como os cientistas estão bem cientes disso, controlamos isso estatisticamente em nossos estudos”, explica Sara Konrath, psicóloga e pesquisadora de filantropia da Universidade de Indiana, nos EUA.
Mesmo quando os cientistas removem os efeitos da saúde pré-existente, os impactos do voluntariado no bem-estar ainda permanecem fortes. Além disso, vários experimentos de laboratório randomizados revelam os mecanismos biológicos pelos quais ajudar os outros pode beneficiar nossa saúde.
Em um desses experimentos, alunos do ensino médio no Canadá foram designados a dar aulas a crianças do ensino fundamental por dois meses ou colocados em uma lista de espera. Quatro meses depois, após o término das aulas, as diferenças entre os dois grupos de adolescentes eram claramente visíveis em seu sangue.
Em comparação com aqueles que estavam na lista de espera, os alunos que ofereceram monitoria ativamente às crianças mais novas apresentaram níveis mais baixos de colesterol, assim como marcadores inflamatórios mais baixos, como a interleucina 6 no sangue — que, além de ser um poderoso preditor de saúde cardiovascular, também desempenha um papel importante nas infecções virais.
É claro que, em tempos de pandemia, o voluntariado pode ser um desafio maior. No entanto, Konrath acredita que fazer isso online também pode trazer benefícios para a saúde, se a nossa motivação for realmente ajudar outras pessoas.
Ela também recomenda se voluntariar virtualmente com amigos, já que pesquisas mostram que o componente social do voluntariado é importante para o bem-estar.
Mas não são apenas os efeitos do voluntariado formal que aparecem no sangue — atos aleatórios de bondade também.
Em um estudo na Califórnia, participantes que foram designados a realizar atos simples de gentileza, como comprar café para um estranho, apresentaram menor atividade dos genes leucocitários relacionados à inflamação. Isso é bom, uma vez que a inflamação crônica tem sido associada a condições como artrite reumatoide, câncer, doenças cardíacas e diabetes.
E se você submeter as pessoas a um exame de ressonância magnética funcional, e dizer a elas para agir de forma altruísta, poderá ver mudanças em como seus cérebros reagem à dor. Em um experimento recente, voluntários tiveram que tomar várias decisões, incluindo se doavam dinheiro ou não, enquanto suas mãos eram submetidas a choques elétricos leves.
Os resultados foram claros: os cérebros daqueles que fizeram a doação se iluminaram menos em resposta à dor. E quanto mais eles consideravam suas ações como úteis, mais resistentes à dor eles se tornavam.
Da mesma forma, doar sangue parece doer menos do que a coleta de sangue para exame, embora no primeiro cenário a agulha possa ter o dobro da espessura.
Há inúmeros outros exemplos dos efeitos positivos para a saúde de gentilezas e doações monetárias. Por exemplo, avós que tomam conta regularmente dos netos apresentam um risco de morte até 37% menor do que aqueles que não prestam esses cuidados.
Isso tem um efeito maior do que pode ser alcançado com exercícios físicos regulares, de acordo com estudos de meta-análise. Isso pressupõe que os avós não estão assumindo o lugar dos pais completamente (embora, reconhecidamente, cuidar dos netos muitas vezes envolva muita atividade física, especialmente no caso de bebês).
Por outro lado, gastar dinheiro com os outros, e não apenas em benefício próprio, pode levar a uma melhor audição, a um sono de mais qualidade e à redução da pressão arterial, com efeitos tão significativos quanto iniciar uma nova medicação para hipertensão.
Para Tristen Inagaki, neurocientista da San Diego State University, nos EUA, não há nada de surpreendente no fato de que a gentileza e o altruísmo devem impactar nosso bem-estar físico.
“Os seres humanos são extremamente sociais, temos uma saúde melhor quando estamos interconectados, e parte de estarmos interconectados é doar”, diz ela.
Inagaki estuda nosso sistema do cuidado — uma rede de regiões do cérebro ligadas tanto a comportamentos de ajuda ao próximo quanto à saúde. Esse sistema provavelmente evoluiu para facilitar a criação de nossos bebês, incomumente indefesos para os padrões dos mamíferos, e mais tarde provavelmente foi cooptado para ajudar outras pessoas também.
Parte do sistema é composto por regiões de recompensa do cérebro, como a área septal e o corpo estriado ventral — os mesmos que se iluminam quando você ganha um prêmio na máquina de caça-níqueis.
Ao conectar a maternidade/paternidade ao sistema de recompensa, a natureza tentou garantir que não fugíssemos de nossos bebês carentes e aos berros. Estudos de neuroimagem feitos por Inagaki e seus colegas mostram que essas áreas do cérebro também se iluminam quando damos apoio a outros entes queridos.
Além de tornar o cuidado gratificante, a evolução também o associou à redução do estresse. Quando agimos com gentileza, ou simplesmente refletimos sobre gentilezas que fizemos no passado, a atividade do centro do medo do nosso cérebro, a amígdala, diminui. Novamente, isso pode estar relacionado à criação de filhos.
Pode parecer contraintuitivo que cuidar de crianças reduza o estresse — pergunte a qualquer pessoa que acabou de ser pai ou mãe, e eles provavelmente vão te dizer que cuidar de bebês não é exatamente uma ida ao spa.
Mas uma pesquisa revela que quando os animais ouvem o choro de filhotes da mesma espécie, a atividade de suas amígdalas se acalma, e a mesma coisa acontece com pais e mães quando mostram a eles a foto de seu próprio filho.
Inagaki explica que a atividade do centro do medo do cérebro precisa diminuir se quisermos ser realmente úteis aos outros.
“Se você estivesse completamente sobrecarregado pelo estresse deles, provavelmente não conseguiria nem sequer abordá-los para ajudar em primeiro lugar”, diz ela.
Tudo isso tem consequências diretas para a saúde. O sistema de cuidado — a amígdala e as áreas de recompensa — está ligado ao nosso sistema nervoso simpático, que atua na regulação da pressão arterial e na resposta inflamatória, explica Inagaki. É por isso que praticar o cuidado com o próximo pode melhorar sua saúde cardiovascular e ajudá-lo a viver mais.
Descobriu-se que adolescentes que doam seu tempo apresentam níveis mais baixos de dois marcadores de inflamação: interleucina 6 e proteína C reativa. Ambos estiveram envolvidos em desfechos graves de pacientes infectados com covid-19.
Isso levanta a perspectiva tentadora de que, durante a pandemia, ajudar os necessitados pode ser particularmente poderoso, não simplesmente como uma forma de melhorar nosso humor durante o lockdown.
Ainda não foi realizada uma pesquisa para avaliar até que ponto o voluntariado poderia ter um efeito protetor contra a covid-19, e qualquer coisa que aumente seu contato com outras pessoas que possam ser portadoras do vírus aumentaria potencialmente o risco de ser infectado.
E se, no entanto, a doação não for algo natural para você?
A empatia, uma qualidade fortemente ligada a comportamentos de voluntariado e doação, é altamente hereditária — cerca de um terço de nossa empatia depende de nossos genes. Porém, Konrath diz que isso não significa que as pessoas nascidas com baixo grau de empatia estejam condenadas.
“Também nascemos com potencial atlético diferente, é mais fácil para alguns de nós ganhar massa muscular do que para outros. Mas todos nós temos músculos, e todos nós, se fizermos alguns exercícios, vamos criar músculos”, afirma.
“Não importa por onde a gente comece, e as pesquisas mostram isso, todos nós podemos melhorar em empatia.”
Algumas intervenções não levam mais do que alguns segundos. Por exemplo, você pode tentar olhar o mundo sob a perspectiva de outra pessoa, se colocando realmente no lugar dela, por um ou dois momentos do dia. Ou pode praticar a meditação mindfulness (atenção plena) e da bondade amorosa. Cuidar de animais de estimação e ler livros carregados de emoção, um passatempo perfeito para o lockdown, também funcionam bem para aumentar a empatia.
Durante os primeiros seis meses de 2020, os britânicos doaram 800 milhões de libras a mais para instituições de caridade do que no mesmo período de 2019, e estatísticas semelhantes chegam de outros países. Quase metade dos americanos verificou recentemente como seus vizinhos idosos ou doentes estavam.
Na Alemanha, a crise do coronavírus aproximou as pessoas — enquanto, em fevereiro de 2020, 41% diziam que as pessoas não se importavam com as outras, esse percentual caiu para apenas 19% no início do verão.
E há ainda as histórias de gentileza em meio à pandemia — como americanos e australianos deixando ursinhos de pelúcia em suas janelas para animar as crianças. E a florista francesa, Murielle Marcenac, que colocou 400 buquês de flores nos carros de funcionários de um hospital na cidade de Perpignan.
Pesquisas sugerem que essas gentilezas não apenas aquecem nossos corações, mas também podem nos ajudar a permanecer saudáveis por mais tempo.
“Há realmente algo no ato de apenas focar nos outros às vezes, que faz muito bem para você”, diz Inagaki.
Com isso em mente, todos nós poderíamos certamente reservar um pouco de tempo para praticar momentos de gentileza nos próximos meses.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte: BBC News Brasil
Publicação Ambiente Legal, 04/01/2021
Edição: Ana A. Alencar