Por Marcos André Bruxel Saes*
Essa é uma pergunta costumeiramente feita por quase todos os que atuam na área ambiental ou que em algum momento de sua trajetória já enfrentaram um processo de licenciamento ambiental. Se já possuímos um arcabouço normativo com mais de 50 mil normas tratando da matéria se faz realmente necessária a vinda de mais uma lei? Os problemas ambientais e as dificuldade para licenciar obras ou atividades serão resolvidos simplesmente com a vinda de uma lei geral de licenciamento ambiental?
Cumpre destacar três questões: (i) o que é o licenciamento ambiental; (ii) quais os problemas que hoje são enfrentados por quem quer licenciar uma obra ou atividade; e (iii) qual é o alcance de uma “lei geral”.
Licenciamento ambiental é, na definição da legislação federal (Lei Complementar 140/11), “o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”. Falando em uma linguagem mais simples, o licenciamento ambiental é o momento em que quem for realizar alguma atividade que possa causar impactos ao meio ambiente estuda esses impactos e verifica como evitar, minimizar ou compensar os mesmos. Ou seja, o licenciamento é um importante momento em que se avalia qual a melhor forma de se interagir e utilizar os recursos naturais de maneira sustentável, que traga, portanto, ganhos ambientais, sociais e econômicos.
Nos últimos anos tem se tornado uma verdadeira via crucis a realização de muitos licenciamentos ambientais em nosso país. Isso porque além de muitos órgãos não possuírem estruturas adequadas e servidores qualificados em número necessário[1] existe um excesso de normas regulando a matéria. Isso ocasiona que as equipes técnicas que realizam estudos ambientais, os servidores dos órgãos executivos de meio ambiente e até mesmo os analistas técnicos que assessoram o Ministério Público em muitas oportunidades não sabem exatamente quais normas devem seguir. Isso gera uma insegurança jurídica para absolutamente todos os envolvidos. Assim podemos afirmar que o excesso de normas e a falta de uniformização gera uma desconformidade nas exigências, uma insegurança para os técnicos e uma morosidade e uma consequente judicialização que não gera ganhos ao meio ambiente sustentável.
Chegamos ao terceiro ponto da provocação feita acima: qual seria o alcance de uma lei geral! Aqui é importante entender como foi instituída a competência legislativa em nosso país. O artigo 24 de nossa Constituição Federal dispõe que cumpre à União, Estados, Distrito Federal e Municípios[2] legislar sobre meio ambiente (incisos VI e VII). Então é correto dizer que compete a todos os entes federativos legislar sobre questões ambientais, mas que essa competência não é comum e sim concorrente. Significa, portanto, que cabe à União editar normas gerais e aos demais entes federativos apenas suplementar essa norma federal. Apenas quando não haja norma geral federal é que os Estados podem exercer a competência legislativa plena. Por isso que a falta da norma geral federal oportuniza a existência de pelo menos 27 diferentes sistemas de licenciamento ambiental em nosso país. Se levarmos em consideração que alguns municípios também regulamentaram o assunto, é correto afirmar que o mesmo tipo de projeto pode ser – e provavelmente será – licenciado de inúmeras formas diferentes em nosso país. Aceitar isso é admitir que as questões ambientais deveriam enxergar as fronteiras que dividem Estados e Municípios. Um verdadeiro absurdo.
Por todo o exposto acima, a resposta feita ao questionamento contido no título do presente artigo só pode ser no sentido de que sim, precisamos de uma lei geral de licenciamento ambiental. A vinda da lei não resolverá os problemas de gestão e de falta de estrutura dos órgãos ambientais, mas será um bom começo. Precisamos dessa lei para uniformizar, simplificar, modernizar e garantir a existência de um processo de licenciamento que alcance o seu objetivo primordial: garantir o desenvolvimento sustentável. Nossas casas legislativas podem e devem dar o recado aos brasileiros e também ao mundo de que o Brasil trata as questões ambientais da forma correta, com regras claras e que garantam a correta utilização dos recursos naturais.
[1] Muitos governantes criticam a morosidade e a dificuldade para se licenciar obras ou atividades mas não tomam medidas para qualificar seus órgãos de execução da política ambiental. É importante destacar que órgão ambiental forte e qualificado é o primeiro passo para que se tenha um licenciamento mais ágil e adequado.
[2] Aqui é importante fazer a leitura do art. 24 em conjunto com o disposto no art. 30, I e II, em que está estabelecida a competência dos municípios para legislar sobre assuntos de interesse local, dentre eles o meio ambiente.
*Marcos André Bruxel Saes – Advogado. Presidente da Comissão de Direito Ambiental do Ibradim. Presidente da Comissão de Desenvolvimento e Infraestrutura da OAB/SC. Conselheiro do Conselho Superior de Meio Ambiente da FIESP e do Consema/SC. Diretor de Meio Ambiente da AELO.
Fonte: CBCI
Publicação Ambiente Legal, 14/09/2020
Edição: Ana A. Alencar