Quando um sentimento exclui outro…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Nas promessas de renovação de votos ou de mudança de vida, sempre ocorrentes nas festas de natal, na passagem de ano, na Páscoa e nos júbilos e comemorações familiares, é que observo a preocupação de todos com a generosidade.
No entanto, a dúvida me assalta: Pode haver preocupação com a generosidade?
Uma coisa é certa: um sentimento parece excluir o outro. Preocupação com a generosidade forma, portanto, um paradoxo. Senão vejamos.
Generosidade
Generosidade é uma virtude. Qualidade de acrescentar algo de bom ao próximo, agregar valor sem esperar nada em troca.
Generosidade é doação em estado puro, que se expressa da ação efetiva, unilateral, incorra ou não o generoso em algum sacrifício pessoal (unilateralidade de valoração). Essa ação busca acrescentar algo a outrem.
Esse acrescentar, obviamente não se resume à ordem material das coisas. Pode se expressar pela afetividade, pelo apoio moral, pela sociabilidade, pelo aconselhamento, pelo exemplo.
Deus é o supremo exemplo, nos deu Jesus, e este nos deu sua própria vida em sacrifício. Quantas lições, exemplos e ações essa história nos deixou?
Não por outro motivo, o natal é o período em que todos buscamos transbordar generosidade, bem como renová-la nas passagens de ano e resgatá-la na páscoa.
Mas o problema é que generosidade não transborda, flui naturamente. Não se ostenta, simplesmente é percebida.
Generosidade não se exige, se tem. Generosidade não se mede em valor ou quantidade. Ela simplesmente ocorre.
Preocupação
Da falta de generosidade surge a enorme preocupação de alguns com a desigualdade que afeta o mundo, sem que percebam a desigualdade que afeta o próximo.
Não raro, no natal, nas festas de passagem de ano e na páscoa, o que percebemos é a ostentação dos que nunca foram e jamais serão generosos e dos que não conseguem sê-lo mesmo quando praticam a generosidade. Nessas festas de renovação e religiosidade também percebemos a preocupação dos que se culpam, dos que confundem necessidade de aceitação com “dever de generosidade” e dos que simplesmente praticam a hipocrisia.
Preocupação, de fato, é mesmo uma sensação inúti, pois ocupa o lugar da ação.
Encerrada em si mesma, a preocupação não tem outro condão que não o de perturbar o espírito e produzir sofrimento moral
O Dalai Lama disse uma vez que não adianta nos preocuparmos. A preocupação não resolve o problema que a gerou e ainda cria um novo problema que é ela própria…
A preocupação não é, portanto, uma expressão de generosidade. Pelo contrário, revela um momento de profundo ensimesmamento. Lógico que ela ocorre a todos, uma hora ou outra – todos temos nossas preocupações. Porém, não podemos fazer delas uma razão de viver – isso de forma alguma nos conduzirá à generosidade.
A preocupação decididamente, não permite que a generosidade aflore em nós.
Sair do paradoxo
Os sábios nos ensinam que a melhor resposta se encontra na questão bem formulada. Se assim é, vale a pena nos deixarmos calar pela dúvida expressa pelos sábios.
Está na Bíblia. Jesus fez calar a questão na alma de todos:
“Quem de vocês, por mais que se preocupe, pode acrescentar uma hora que seja à sua vida? Visto que vocês não podem sequer fazer uma coisa tão pequena, por que se preocupar com o restante?” (*1)
(Lucas 12:25-26)
O Sutra Maior de Amida (Daikyo) revelou a palavra de Buddha, cuja questão também nos cala profundamente:
“Por que vocês não praticam diligentemente atos benévolos, não refletem sobre a naturalidade do Caminho e não percebem que ele está acima de todas as discriminações e que possui o poder de penetrar ilimitadamente?” (*2)
Tratemos, portanto, de substituir preocupações pela luz da generosidade cristã (que está em Deus e também é expressada pelo budismo). Essa luz não está na soberba dos presentes caros, no fausto das ceias, nas promessas no pular das ondas e nem no fervor das orações na missa.
Essa luz, que já esteve em uma manjedoura, hoje ilumina cada gesto sincero de amizade, cada palavra dita com amor, o abraço da criança, o carinho com os mais velhos, a união de pais e filhos, o gesto solidário sem esperar qualquer resposta. Isso representa o natal, isso é o que fica nas promessas de renovação na passagem de ano, isso é o que deve vigorar na Páscoa e nos júbilos e comemorações familiares.
Não adianta o ano novo, ou a renovação de votos, se continuarmos desprovidos de generosidade e lotados de preocupações.
Vamos mudar nossa atitude ante esse paradoxo. Se nos preocupamos até agora, não precisamos nos preocupar doravante.
Devemos, portanto, desenvolver nossa vida, ou seja, sair da teia de preocupações que nos envolvem. A verdadeira luz está nesse desenvolvimento.
Que essa luz sempre ilumine nossa vida.
Notas:
(*1) – Tradução literal em Lucas: 12: “25 Ora, qual de vós, por mais ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado à sua estatura? 26 Porquanto, se não podeis fazer nem as coisas mínimas, por que estais ansiosos pelas outras?”
(*2) – .O Sutra Longo de Amitabha – Sukhavativyuha, foi transcrito para o chinês durante a dinastia Ts’ao-Wei pelo mestre indiano do Tripitaka Samghavarman, com os ensinamentos budistas.
Publicado originalmente em The Eagle View
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.