Estudo feito na Amazônia brasileira mostra que não há ligação entre teor de carbono de uma floresta e sua biodiversidade e sugere mudança na maneira como projetos de REDD+ são elaborados
O REDD errou.
Um grupo de pesquisadores do Brasil e de outros países acaba de sugerir que os projetos que visam captar dinheiro para reduzir emissões por desmatamento, conhecidos pela sigla REDD+, podem estar falhando em proteger bem a coisa mais importante numa floresta tropical – sua biodiversidade.
Analisando 234 áreas de floresta na Amazônia, eles concluíram que não existe uma correlação entre a biodiversidade de uma mata intacta e seu teor de carbono. Por outro lado, num aparente paradoxo, essa correlação é forte em áreas que foram cortadas e queimadas.
Ocorre que os projetos de REDD+ focam em maximizar a proteção de estoques de carbono, priorizando por isso áreas intactas e com um grande número de árvores grandes. Há uma boa razão para isso, já que o objetivo do mecanismo, regulamentado pela Convenção do Clima das Nações Unidas e com US$ 10 bilhões em caixa, é justamente mitigar as emissões de gases que causam o aquecimento global.
Achava-se que as duas variáveis, carbono e biodiversidade, caminhassem juntas. Mas num estudo publicado nesta segunda-feira (16) no periódico Nature Climate Change, o grupo liderado por Joice Ferreira, da Embrapa Amazônia Oriental, e Gareth Lennox, da Universidade de Lancaster (Reino Unido), diz que não é bem assim.
“É improvável que haja projetos de REDD no Brasil onde a proteção da biodiversidade tenha sido maximizada”, disse Ferreira ao OC.
A cientista e seus colegas analisaram 1.537 espécies de planta, 469 de ave e 156 de escaravelho para tentar entender se os locais com maior teor de carbono serão sempre os mais biodiversos. Descobriram que isso só é verdade até um certo limiar: por volta de 100 toneladas de carbono por hectare. A partir daí, outros fatores que não o carbono passam a explicar o número de espécies numa porção de floresta.
“Por exemplo, descobrimos que, em florestas intactas, a riqueza de espécies estava fortemente correlacionada com a intensidade do uso da terra da paisagem ao redor, ao invés do carbono”, afirmou Ferreira. A associação mais forte existia em florestas perturbadas – que dificilmente seriam objeto de projetos de REDD+.
A explicação para o aparente contrassenso é simples, afirma a pesquisadora da Embrapa: florestas acumulam carbono ao se recuperar de uma queimada ou do corte de madeira. A regeneração fornece os habitats necessários para que as espécies recolonizem o local.
Em florestas maduras, com mais de 100 toneladas de carbono por hectare, essa correlação se rompe e outras características do ambiente passam a ter mais peso na biodiversidade. Se há uma pastagem em volta de uma mata intacta, aumenta a chance de que espécies desalojadas pelo desmatamento tenham buscado refúgio nela, daí a maior diversidade.
O estudo sugere que projetos de REDD+ passem a ser construídos tendo os dois objetivos em mente em vez de dar de barato que estarão fazendo o melhor papel de conservação simplesmente cercando as matas com mais carbono.
“As florestas não perturbadas têm uma biodiversidade única e, portanto, devem permanecer como uma prioridade central dos esforços de conservação”, disse Ferreira. “Dentro do conjunto de florestas mais conservadas, no entanto, em vez de priorizar apenas a proteção dos locais com maior teor de carbono, pode ser necessário proteger alguns locais que têm carbono apenas marginalmente mais baixo para garantir altos níveis de proteção da biodiversidade.”
O estudo mostra que essa priorização “alternativa” pode aumentar em 15% o número de espécies conservadas escolhendo uma área com teor de carbono apenas 1% menor.
“Metas quantitativas para a biodiversidade devem ser uma característica comum dos projetos de REDD + e o progresso em direção a essas metas deve ser monitorado de forma abrangente”, afirmou a pesquisadora.
Fonte: Observatório do Clima