Falta um centro no embate político entre esquerda e direita.
Por Pedro Estevam Serrano
Há um fenômeno pouco debatido mas sensível nos dias correntes: a derrocada das forças e ideias de centro.
Tanto o centro à direita quanto o centro à esquerda, ambos estão perdendo cada vez mais espaço para as franjas radicais da ação política.
Evidente que muito da responsabilidade por isso é dos lideres dessas mesmas forças, mas o fenômeno é mundial e tem marcado os acontecimentos políticos na Europa, nos EUA e por aqui.
Sem entrar na crítica devida aos erros e deficiências da democracia contemporânea, o fato é que posturas tradicionalmente democráticas, como formação de consenso , dialogo, maturidade e equilíbrio, têm cedido cada vez mais espaço a arroubos discursivos de grande impacto afetivo mas de frouxa racionalidade, levando para o ralo, em curtíssimo espaço de tempo, conquistas democráticas e humanas seculares.
É o que se vê reproduzido na votação das chamadas “10 medidas” contra a corrupção, um elenco de medidas em geral amesquinhadoras das garantias constitucionais dos acusados, investigados e suas defesas.
Aproveitando um momento de alta ebulição afetiva da população, por conta de justíssimas e profundas insatisfações com a corrupção atávica de nosso modo de agir, como estado e sociedade, vendeu-se equivocadamente a tese de que abrir mão de direitos fundamentais implicaria, ato continuo, mais eficácia no combate à corrupção.
Ledo engano. Os direitos fundamentais restringidos não eram respeitantes apenas a casos de corrupção mas a qualquer investigação criminal, que todos estão sujeitos a sofrer, em especial em tempos de hipernomia penal como o que vivemos.
Tais medidas acabariam com a corrupção? Creio que não. Mas certamente, de imediato, retirariam parte de nossos direitos ante o Estado, e fortaleceriam politicamente, a meu ver de forma indevida e autoritária, os órgãos e instituições estatais incumbidos da aplicação da força física como elemento coativo da vida social.
Ou seja, medidas de custo imediato aos indivíduos, mas de ganho social incerto, senão inexistentes (direito penal nunca é um substituto adequado de politicas públicas mais amplas).
Ao apreciar, contudo, tais medidas, nosso parlamento reage não com vistas à defesa dos direitos fundamentais atacados, mas sim, de uma forma atabalhoada, em defesa de interesses pessoais de parlamentares investigados, ou réus em medidas criminais e de improbidade. Isso acaba por produzir dispositivos que criminalizam condutas de abuso de poder por parte de juízes e membros do MP.
Evidente que o país precisa atualizar sua legislação sancionatória dos abusos de poder, praticados por qualquer autoridade publica, como exigem a Republica e o Estado de Direito.
Também é notório que se o país avançou, desde 1988, na punição de crimes cometidos contra o Estado, como a corrupção, e em nada progrediu na punição dos crimes cometidos contra o cidadão.
Mas também é evidente que as normas aprovadas pela Camara não são adequadas ao trato da matéria.
Dispositivos penais genéricos e indeterminados, expressos por conceitos vagos, que sancionam atos de convicção jurídica de juízes e membros do MP, como os pareceres de advogados, só devem ser punidos quando produzidos com dolo ou culpa gravíssima. Uma vez adotados sem qualquer debate organizado com a sociedade e com as carreiras atingidas, por evidente que traduzem mais o móvel de intimidar ou vingar do que qualquer pretensão racional.
Não se combate arroubos autoritários com mais autoritarismo.
E mais, pelo que conhecemos do funcionamento de nossas instituições e suas práticas, obviamente a corda estourará do lado mais fraco. Ou seja, não serão os magistrados e procuradores que agem de forma irresponsável e autoritária para obter visibilidade midiática – uma minoria – que serão atingidos pelas normas aprovadas mas, sim, a maioria discreta e atenta a seus deveres funcionais.
Os que observam com rigor as garantias constitucionais, então, serão os alvos prediletos dos desvios punitivos.
Em vez de punir abusos, medidas tão mal concebidas e formuladas servirão apenas para desestimular iniciativas das autoridades em favor da sociedade.
Assim o que se observa, de lado a lado, são arroubos afetivos tomando o lugar da razão e da maturidade. Com isso, a nação e a democracia vão para o ralo. Nossas instituições democráticas partem para o pugilato público, em vez de dialogarem à luz dos valores constitucionais.
Essa autofagia das instituições põe nossa democracia na UTI.
Para salvá-la, o diálogo, a temperança e a racionalidade produtora de consensos, devem assumir o governo – resgatá-la da crise, ou todos seremos tragados pelo fim das liberdades e o império da injustiça autoritária.
Pedro Estevam Serrano é advogado, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa
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