Por Fábio Pugliesi
A relação jurídico-tributária implica que Fazenda Pública e o contribuinte devam atuar no sentido do Estado obter recursos para a concretização dos Direitos Fundamentais portanto, muito mais do que a obtenção de recursos para a satisfação de necessidades que o mercado não cumpre, segundo a decisão dos representantes no Poder Legislativo.
Segundo Rousseau, que expressa n´”O Contrato Social” otimismo em relação à soberania popular e recusa da democracia representativa, os cidadãos não se importam em pagar os impostos desde que haja uma contrapartida do Estado.
Em contrapartida Locke, ao conceber a democracia representativa antes de Rousseau, admite que o cidadão concorda no pagamento de tributos, mas pode também deixar de pagá-lo se considerar que os direitos fundamentais são deixados em segundo plano, argumento que se pretende desenvolver em outra oportunidade. Assim o Estado, muito mais do que impedir a guerra de todos contra todos, deve promover uma melhora da vida
Ocorre que a doutrina e a jurisprudência em Direito Tributário tem limitado a compatibilidade do tributo com a ordem jurídica à relação jurídica entre a Fazenda Pública e o Contribuinte, mas não considera a destinação de fato do recurso. Uma técnica útil, talvez, para garantir um ponto final no litígio sobre a exigência do tributo no caso concreto, mas pouco operacional na consideração do contexto político, econômico e social.
Em vista da crescente importância do tributo para os papeis exigidos cada vez mais do Estado, reconhecem-se atribuições à Fiscalização de Tributos muito mais amplas do que à própria Polícia, dado que podem ter acesso a documentos independentemente de ordem judicial ou flagrante delito.
Supremo Tribunal Federal confirmou o poder (isso mesmo) da Fazenda Pública quebrar o sigilo bancário.
Paradoxalmente, aumenta, em virtude disso, o dever da Administração Tributária se legitimar esclarecendo os critérios de sua atuação.
De nada vale, quebrar o sigilo bancário se continuar a ignorar os sinais exteriores de riqueza na tributação (a operação lava jato ilustra bem esta atitude), restringir o acesso a certidões por valores irrisórios e multar as empresas por eventual inconsistência na informação que poderiam ser obtidas por meio das prerrogativas que a Receita já tem.
Ademais, por se tratar de uma restrição de um direito fundamental à intimidade, a quebra do sigilo bancário deve ser precedida pela garantia do contraditório, consagrado como “cláusula pétrea” no novo código de processo civil que se aplica subsidiariamente ao procedimento administrativo.
Assim, devem ser revogadas, inicialmente, as disposições da Receita Federal que impõem ao gerente da agência bancária o fornecimento unilateral das informações sem o pleno conhecimento do fiscalizado, inserindo disposição relativa ao contraditório.
A Receita Federal já deu um grande passo ao promover as audiências públicas antes de emitir atos, cabe agora ampliar sua inserção social e esclarecimento dos critérios de sua atuação.
As Administrações Tributárias dos demais entes federativos devem caminhar no mesmo sentido.
FabioPugliesi, é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação.