Ameaças de investidores internacionais e recordes por 14 meses consecutivos no desmatamento da Amazônia aqueceram o assento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e ao que tudo indica a sua saída passou de “se” para o “quando”, de acordo com um especialista ouvido pela Sputnik Brasil.
Integrante do grupo de transição reunido por Bolsonaro logo após a sua eleição, em outubro de 2018, o advogado Antônio Fernando Pinheiro Pedro, fundador e primeiro presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), disse que a pressão pela saída de Salles é apenas uma resposta esperada ao que vem sendo feito pelo ministério.
“Há uma pressão organizada, mas ela se deve à crescente desorganização que ocorre hoje na pasta do Meio Ambiente. Portanto, não é apenas uma ação organizada, é uma reação em relação à desorganização crescente que está acontecendo na gestão ambiental a nível federal no Brasil“, declarou ele, que também é consultor do Banco Mundial, à Sputnik Brasil.
Justamente para o Banco Mundial foi enviado Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação e o mais recente nome que, mesmo pressionado por entidades, foi mantido até o último momento pelo presidente Jair Bolsonaro. Assim como ele, Salles conta com muito prestígio junto ao núcleo bolsonarista e ideológico do governo, porém já há pressão interna contra ele.
Nesta semana, o vice-presidente Hamilton Mourão se reuniu com investidores internacionais que ameaçaram há algumas semanas retirar ou rever injeções financeiras no Brasil, caso o governo não se faça presente na crescente destruição da Amazônia. Outros nomes, como a ministra da Agricultura Tereza Cristina, também já tiveram de apagar incêndios não na floresta, mas sim em polêmicas de cunho ambiental.
À Sputnik Brasil, Antônio Fernando Pinheiro Pedro avaliou que tal cenário apenas expõe a perda de interlocução por parte de Salles, tanto junto aos interessados na gestão ambiental, quando na sociedade civil, nos grupos econômicos e nas comunidades locais impactadas. Considerando os conflitos hoje em andamento na área ambiental, isso precisa ser recuperado – o que talvez seja possível somente com uma mudança.
“Ele perdeu a interlocução e não é mais um agente capaz de resolver conflitos de gestão ambiental a nível federal. Mas o problema é pior: o ministro está perdendo a interlocução com o público interno, com os seus próprios administrados. Não há mais uma ligação e uma comunicação efetiva entre o que faz o gabinete do ministério e o que está acontecendo no restante da administração federal no que tange a tutela do meio ambiente”, afirmou.
“Com isso, o que acontece? Acontece que o governo fica demandado a substituir o seu gestor e não o fez até agora porque, ao que tudo indica, ele ainda não tem um nome, ele o presidente da República, um quadro que esteja no perfil de atender não só essas necessidades básicas de interlocução na gestão ambiental brasileira, mas que tenha afinidade com a própria linha adotada pelo discurso governamental a partir do gabinete da Presidência”, acrescentou.
‘Síndrome de Janus’ duela com a ‘mula se cabeça’
O analista ouvido pela Sputnik Brasil afirmou que a questão ambiental dentro do governo sempre foi uma área difícil, e a culpa por isso seria pelo que ele chama de “Síndrome de Janus”, explicando que trata-se de “um deus romano com uma cabeça com dois rostos, voltados para direções opostas, uma cabeça com duas faces: a que olha para o passado, a que vislumbra o futuro, a que observa os erros, a que enxerga os acertos, a que vislumbra o certo, a que mira o errado”.
Com tal deformidade, também identificada entre uma disputa interna entre os núcleos ideológico e militar, vem fazendo com que o meio ambiente e as controversas políticas de Salles na área respinguem em outros ministérios, sobrecarregando mais equipes e agravando uma gestão classificada por ele como “uma mula sem cabeça”.
“Há um discurso reiterado de base ideológica politizado a partir do gabinete que forma um segundo rosto na administração, e este influi diretamente na gestão ambiental brasileira, que se tornou cada vez menos técnica e cada vez mais politizada […]. A Infraestrutura começa a ter que responder por demandas ambientais que não eram dela, e a Agricultura principalmente que é hoje o principal ministério do governo, afinal mais de um terço do PIB está lá dentro”, pontuou.
Antônio Fernando Pinheiro Pedro enfatizou que, diante da necessidade de substituição do ministro do Meio Ambiente, é preciso que o governo Bolsonaro siga um roteiro estratégico, preocupando-se mais com o aspecto técnico da posição do que com elementos políticos ou ideológicos. E o substituto, prosseguiu ele, deve ser alguém técnico e capaz de retomar a interlocução que, na gestão Salles, praticamente inexiste.
“A gestão ambiental brasileira continua sendo uma mula sem cabeça […]. A primeira coisa é montar um conselho de ministros com o presidente da República, incluído o ministro do Meio Ambiente. Segundo, a reconstituição do sistema de gestão ambiental, seja no que tange ao Sisnama a partir do Conselho Nacional do Meio Ambiente, seja no que tange as outras ações importantes como a questão da mudança climática e da biodiversidade. Terceiro, monte-se uma sala de situação para lidar com situações emergenciais e com o acompanhamento da implementação das políticas públicas no setor. O perfil do ministro Salles não é compatível com o trabalho em equipe e é necessário que um gestor saiba trabalhar em equipe”, completou.
Ouça a entrevista clicando aqui ou na imagem abaixo:
Fonte: Sputnik Brasil
Publicação Ambiente Legal. 15/07/2020
Edição: Ana A. Alencar