Por Paulo de Bessa Antunes*
A importância da madeira para o Brasil está no próprio nome do País. Uma das primeiras ideias dos portugueses quando pisaram na terra dos papagaios foi cortar uma árvore para fazer uma cruz e celebrar uma missa (DEAN: 1996, p. 59). Cento e cinco anos após o Regimento do Pau Brasil, baixado por Dom Filipe 3º, dispunha que “sendo informado das muitas desordens que lia no certão do páo brasil, e na conservação delle, de que se tem seguido haver hoje muita falta”[1], estabeleceu em seu parágrafo 1º a pena de morte e confisco de “toda sua fazenda” para quem cortasse o Pau Brasil sem a devida licença régia. O problema, como se sabe, está longe de solucionado.
O presidente Jair Bolsonaro, em recente pronunciamento em reunião do BRICS, prometeu dar nomes dos principais países compradores de madeira ilegal originada do Brasil, afirmando, preliminarmente, que são os países que mais críticas fazem ao Brasil.
Infelizmente, a maior parte da madeira brasileira de exportação tem origem ilegal, conforme vem sendo denunciado há longa data. O setor madeireiro brasileiro é responsável pela extração de cerca de 13 milhões de m3 de madeira da floresta amazônica. Estima-se que o setor gere mais de 3 bilhões de dólares americanos anualmente, empregando aproximadamente 200.000 pessoas. Entretanto, cerca de 70% dos produtos madeireiros da Amazônia têm origem ilegal, envolvendo furto e roubo de madeira de terras indígenas, de unidades de conservação e a utilização de trabalho em condições degradantes, conforme aponta o Instituto BV RIO[2].
Em 2012, a Interpol e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente publicaram o relatório Green Carbon, Black Trade – Illegal Logging, Tax Fraud and Laundering in the World`s Tropical Forest[3], com uma ampla informação sobre as conexões entre corte ilegal de madeira, exportação, evasão tributária e lavagem de dinheiro nas florestas tropicais.
O relatório aponta que o Brasil estava obtendo algum sucesso no combate ao corte ilegal de madeira (p. 15). O mesmo relatório indica que a expansão do gado é responsável por cerca de 70 % da perda florestal no Brasil e, inclusive, vincula o assassinato de Nísio Gomes, ocorrido em 2011, a pistoleiros ligados ao desflorestamento para a expansão da criação de gado (p. 36). O mesmo documento menciona a existência de esforços promovidos pelo Estado do Pará para controlar o transporte rodoviário da madeira e, inclusive, o ataque de hackers para fraudar documentos oficiais (p. 41). Também são relacionadas fraudes em certificação de madeira para exportação. Este é um quadro antigo e que vem sendo combatido pelos órgãos federais com bastante empenho, com destaque para a Polícia Federal e o IBAMA[4].
Em relação aos controles feitos pelo Brasil, o relatório afirma que o sistema adotado pelo Brasil “talvez seja o mais eficaz” (p. 62), muito embora possa ser aprimorado. Assim, parece claro que, apesar das dificuldades, os governos brasileiros têm feito esforços para enfrentar o problema e obtido algum êxito. Em 2018, a polícia federal apreendeu 444 containers[5] que se destinavam ao mercado externo e ao interno. A apreensão foi fruto da Operação Arquimedes, deflagrada pela Receita Federal que identificou falsificação de documentos. Estima-se que a madeira apreendida, se posta em linha, “seria suficiente para cobrir um percurso de 1.500 km, quase a distância entre Brasília e Salvador.”
Ainda que seja importante reconhecer a relevância dó tráfico internacional de madeira ilegal, este não é o principal problema. O IMAZON[6], em seu documento Acertando o Alvo: Consumo de Madeira no Mercado Interno Brasileiro e Promoção da Certificação Florestal demonstra que nas regiões Sul e Sudeste do Brasil “concentra-se o maior e mais intenso consumo de madeira tropical do mundo: mais que o dobro do que é importado pelos 15 países da União Europeia. De cada cinco árvores cortadas na Amazônia, uma é destinada ao mercado do estado de São Paulo.” E acrescenta: “A falta de dados confiáveis sobre consumo de madeira – resultante de vários fatores, entre os quais destaca-se o altíssimo índice de ilegalidade na extração – tem contribuído para esconder essa realidade e desviar a atenção dos responsáveis pela elaboração de políticas assim como das entidades da sociedade civil, tanto brasileiras quanto estrangeiras. Em decorrência disto, o enfoque principal de políticas e campanhas tem se limitado à parcela da madeira para exportação, que chega apenas a 14% do volume extraído na Amazônia. “
É evidente que a exportação ilegal de madeira é um problema que deve ser combatido e, como demonstrado no artigo, isto vem sendo feito desde longa data pelos governos brasileiros. Os países para os quais a madeira é contrabandeada são conhecidos por todos e não há qualquer novidade ou revelação surpreendente, neste campo. Aliás, o Brasil é Parte da Convenção Internacional contra o Tráfico de Espécies da Flora e da Fauna Ameaçadas de Extinção – CITES que estabelece os mecanismos para o comércio internacional de tais espécies, bem como diversos países para os quais o contrabando é realizado. A Interpol e a Polícia Federal (com o auxílio da Receita federal) têm combatido tal comércio ilegal.
Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que a peculiar política ambiental ora em curso no Brasil é, em si mesma, uma indicação contraditória e que marca uma ruptura com os padrões passados que, mesmo não sendo ideiais, indicavam uma tendência clara no sentido do cumprimento da legislação existente e de reforço da proteção ambiental.
É importante que a fiscalização do mercado interno seja reforçada, pois é aqui que se encontra o maior problema. Além disso, não se perca de vista que o desmatamento é, atualmente, fruto da expansão ilegal de gado e não do corte de madeira para utilização comercial. Talvez em função das grandes queimadas e incêndios de 2020, o lançamento de cortinas de fumaça tenha virado moda.
REFERÊNCIAS
DEAN, Warren. A Ferro e Fogo – A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira (tradução de Cid Knipel Moreira). São Paulo: Companhia das Letras. 1996
[1] Disponível em < https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia-brasil/brasil-colonia-documentos-3-regimento-do-pau-brasil-1605.htm > acesso em 18/11/2020
[2] Using Big Data to Detect Illegality in the Tropical Timber Sector. Disponível em < https://www.bvrio.org/view?type=publicacao&key=publicacoes/ea91c37c-d544-419a-9133-88e09e6bfb92.pdf > acesso em 18/11/2020
[3] Disponível em < https://www.greengrowthknowledge.org/sites/default/files/downloads/resource/Green_Carbon_Black_Trade_UNEP.pdf > acesso em 18/11/2020
[4] Disponível em < http://www.pf.gov.br/@@busca?Subject:list=Extra%C3%A7%C3%A3o%20ilegal%20de%20madeira > acesso em 18/11/2020
[5] Disponível em < https://amazonia.org.br/2018/01/maior-parte-da-madeira-brasileira-exportada-e-de-origem-ilegal-alerta-especialista/ > acesso em 18/11/2020
[6] Disponível em < https://imazon.org.br/acertando-o-alvo-consumo-de-madeira-no-mercado-interno-brasileiro-e-promocao-da-certificacao-florestal/> acesso em 18/11/2020
*Paulo de Bessa Antunes é Mestre e doutor em Direito. Líder de Pesquisa Acadêmica cadastrada no CNPq. Professor. Sócio da prática de Direito Ambiental do Tauil & Chequer Advogados, advogado e parecerista em Direito Ambiental. Autor de diversos livros e artigos sobre Direito Ambiental
Fonte: GenJurídico
Publicação Ambiente Legal, 23/11/2020
Edição: Ana A. Alencar