Por Humberto Maia Junior
A Secretaria Municipal de Mudanças Climáticas foi criada pelo ex-prefeito Bruno Covas, que morreu em maio, antes de tirar a ideia da gaveta. Essa tarefa coube ao prefeito recém empossado, Ricardo Nunes. E o escolhido para ocupar a pasta foi o advogado Fernando Pinheiro Pedro.
Pinheiro Pedro tem 35 anos de experiência na área ambiental. Foi consultor e atuou em governos de partidos como PT e PSDB. Ele também participou da elaboração do plano ambiental do governo de Jair Bolsonaro.
Em entrevista ao Convergência pelo Brasil, Pinheiro Pedro falou a função da secretaria e sobre as principais ações da prefeitura para reduzir em 50% as emissões na cidade até 2030 e zerar até 2050.
Qual é o desafio do senhor à frente da secretaria de Mudança Climática?
Em junho, a prefeitura apresentou um plano de enfrentamento com 43 ações intersecretariais, o Plano de Ação Climática do Município de São Paulo (PlanClima SP). Meu desafio é duplo. Montar uma nova secretaria e implementar o plano que visa reduzir emissões de carbono em 50% até 2030 e zerar as emissões até 2050. É um plano bastante ousado e com ações muito bem definidas. Envolve ações como arborização urbana e alteração da matriz energética da frota de transporte. São Paulo tem a maior frota de ônibus do mundo, com 14 mil veículos. A segunda é de Bogotá, com 12 mil. Mas Bogotá tem quase mil ônibus elétricos. Santiago tem 1300 e nós ainda estamos com 17, sendo que pouco mais de 200 estão sendo adquiridos. Vamos ter que fazer um esforço. Temos que criar incentivos econômicos, no meio de uma crise, para incentivar a substituição da frota.
De que forma a secretaria vai atuar para ajudar a cidade a cumprir essas metas?
A secretaria executiva vai atuar na coordenação, articulação e monitoramento das políticas públicas. Vamos atuar junto às secretarias, como de Transporte, por exemplo.
Como uma cidade pode zerar as emissões, sendo não tem autonomia para criar todas as políticas para isso?
As barreiras são grandes. São Paulo é uma cidade com características próprias e distintas. A Zona Sul, por exemplo, tem Mata Atlântica fechada, com trechos altamente preservados e com três aldeias indígenas. Em outras áreas, a cidade tem características que a aproximam de Nova York e Bangladesh. Mas os planos são realistas e temos que trabalhar com o que nos cabe. Por exemplo, temos que eliminar as ilhas de calor em São Paulo. Elas estão mapeadas. Sabemos onde devemos trabalhar para arborizar essas regiões, abrir áreas para permitir que haja mais verde. Também vamos trabalhar com ilhas de chuva. Em vez de abrir calçadas com material impermeável, cruzamentos nessas áreas deverão ser abertos prevendo áreas de jardim, que permitirão que a chuva seja absorvida. São obras simples, que podem ser tocadas pelas subprefeituras. E o efeito em escala é impressionante. Também vamos atuar em hortas urbanas, um projeto importante sob vários aspectos. E a parte da mudança da matriz energética da frota urbana depende de nós. Em que pese as dificuldades, temos fornecedores internacionais, um trabalho da Secretaria de Transportes muito relevante na pesquisa de novos materiais. São Paulo analisa a célula de hidrogênio como combustível há décadas e atua para substituir as pilhas nos ônibus. E temos que fazer um trabalho para diversificar a matriz: biocombustível, veículos elétricos, etc. Tudo tem que ser feito num prazo curto. Daí a importância da secretaria: atuar com urgência, mas de maneira planejada e ordenada.
E de que forma o plano contempla a questão do lixo e seu uso como biocombustível?
São Paulo gera diariamente de 12 mil a 14 mil toneladas de lixo. É um estádio do Pacaembu lotado por dia – só de resíduos orgânicos. Isso coletado por duas grandes concessionárias que destinam o lixo para aterros sanitários legalizados. Fazemos destinação correta. Os aterros têm sistemas de coleta de gases. Alguns deles com sistema de liquefação de biogás para uso como combustível por empresas especializadas. Outros aterros fazem coleta do biometano para queima em termelétrica. E estamos trabalhando para gerar hidrogênio a partir dos resíduos, que será usado na frota de ônibus municipais. Isso seria possível com alteração na mecânica dos ônibus muito mais simples do que adquirir ônibus elétrico novo. Isso é economia circular. Mas é trabalho que vai levar um tempo para ser integrado.
Dá para pensar na mudança climática do ponto de vista econômico – e não apenas ambiental?
A ideia é conferir um caráter econômico a esse esforço, que não pode se misturar ao caráter ideológico do discurso preservacionista. Precisamos encontrar mecanismos econômicos. O ideal seria ter uma agência climática no país para regular e unificar os esforços. Defendo essa ideia há muito tempo. Eu fui coordenador da criação do marco legal da mudança climática, auxiliando o deputado Mendes Thame (PSDB). A lei foi para o Congresso para ser votada no governo Dilma. Ali era o momento de o país criar sua agência. A vantagem da regulação por agência na economia moderna é que elas atuam pensando no médio e no longo prazo e estabelecem normas para conduzir o mercado. Tivemos um governo de esquerda e, agora, um governo de direita. Esses dois polos não dão valor ao papel das agências reguladoras e de planejamento. Sem uma agência, não vamos conseguir resolver o problema dos resíduos sólidos, cuja economia circular envolve entidades gestoras de cada resíduo, cálculo para formação de preço desses produtos, mecanismos de reinserção com estímulos para que geradores possam reutilizar produtos, e mecanismo de geração de energia. Não temos regulação para os biocombustíveis. Há uma falta de coordenação do setor climático muito grande no processo decisório dos governos brasileiros. É o que pretendemos iniciar em São Paulo. Queremos inserir o vetor climático no processo decisório do poder público municipal.
São Paulo é o principal centro econômico do Brasil, polo acadêmico, e atrai talentos do país inteiro. Por que não criar um ecossistema de inovação verde, aproveitando essa vocação da cidade?
Faz todo sentido. São Paulo tem toda condição de reunir cérebros. Tem uma academia forte e o coração financeiro do país, que pode bancar esse tipo de iniciativa. E a prefeitura tem atuado para estimular a juventude a pensar em novos negócios. A minha ideia é criar um conselho técnico científico que reúne diversos atores, incluindo bancos, Fiesp e associações empresariais, para que a gente possa iniciar esse diálogo para transforar o esforço climático em economia do clima. A mudança climática não pode ser vista como inimiga da economia. Pelo contrário. É uma janela de oportunidade econômica, cujo bônus é melhorar as condições de vida das pessoas.
Fonte: Convergência pelo Brasil
Publicação Ambiente Legal, 22/06/2021
Edição: Ana A. Alencar
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