Por Marcia Hirota, Maria Paula Fernandes e Nina Almeida Braga*
O Brasil, com algumas das praias que figuram entre as mais bonitas e famosas do mundo, recebe ainda nessa época do ano milhares de turistas estrangeiros interessados nas belezas naturais e nas altas temperaturas do nosso litoral.
Esse êxodo rumo ao mar aquece também a economia das cidades praianas, movimentando setor hoteleiro, comércio e um mercado de atividades recreativas, sejam elas de lazer ou esporte. Para se ter uma ideia do potencial, apenas o mercado do surf gera cerca de R$ 2 bilhões ao ano, segundo o Instituto Brasileiro de Surf (IBRASURF).
Agora, o que a maioria dos banhistas esquece no momento que está curtindo uma praia são dos riscos à saúde devido às más condições da água e da falta de saneamento – um problema bastante sério e uma triste realidade no país.
Na cidade do Rio de Janeiro, os índices de saneamento têm melhorado nos últimos anos. Em 2009, apenas 68% das residências cariocas contavam com rede de esgoto, número que saltou para 81% em 2013. Os dados são do Ranking do Saneamento publicado em 2015 pelo Instituto Trata Brasil. Entretanto, o levantamento aponta também que, apesar do aumento da rede de coleta, o nível do tratamento continua comprometido, uma vez que a maior parte do que é captado é lançado sem tratamento no mar por emissários submarinos. Para completar, a universalização do serviço não é uma realidade para uma grande parcela da população, sobretudo aos moradores das favelas, que não contam com coleta, tratamento e destinação correta de esgotos.
Um exemplo emblemático é a praia de São Conrado, considerada uma das melhores para a prática do surf, mas que sofre com os dejetos que são lançados diretamente no oceano, inclusive das comunidades da Rocinha e do Vidigal. Algumas épocas do ano, é possível observar ali cenas do esgoto literalmente escorrendo pelo costão rochoso em direção ao mar, sem contar o despejo que acontece diretamente nas areias e que abre uma “língua negra” até a água.
Os perigos à saúde são tamanhos que, em maio deste ano, pudemos assistir ao constrangimento da etapa brasileira do campeonato mundial de surf – a única do calendário do tour da elite na América do Sul – ser transferida de São
Conrado para a Barra da Tijuca para não colocar os surfistas em risco de contrair doenças pelo contato com a água contaminada. Micoses, dermatites, conjuntivite, gastroenterites e até hepatite são algumas das patologias associadas à poluição dessas águas. Apesar desse cuidado, alguns surfistas acabaram ficando doentes, pois a praia para onde o campeonato foi transferido, na Barra da Tijuca, também apresenta índices alarmantes de poluição.
Por isto, São Conrado se tornou também o ponto de partida de uma campanha pela melhoria nas condições de saneamento e qualidade da água das praias cariocas, iniciativa que posteriormente será estendida para outras cidades litorâneas. Motivados por essa causa, diversos movimentos e instituições criaram o abaixo-assinado “Saneamento Já: Água Limpa é a Onda”, que já conta com o apoio de personalidades e esportistas da cena do surf no Brasil, como os atletas Gabriel Medina, Filipe Toledo, Fabio Gouveia e Carlos Burle, dentre outros. A proposta é pressionar as autoridades para que invistam na universalização do saneamento e na recuperação da qualidade da água dos nossos rios e praias.
A falta de saneamento não pode continuar a afetar a saúde das pessoas e causar prejuízos econômicos, sociais e ambientais. Soluções existem e é fundamental que o saneamento seja assumido como prioridade na agenda governamental, executado com transparência e participação da sociedade. Vamos aproveitar o verão, mas com consciência e segurança.
Artigo de Marcia Hirota, Maria Paula Fernandes e Nina Almeida Braga*, originalmente publicado no Globo
Fonte: SOS Mata Atlântica
*Marcia Hirota é diretora-executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, Maria Paula Fernandes é diretora-executiva e fundadora da ONG Uma Gota no Oceano e Nina Almeida Braga é diretora-executiva do Instituto-E.