Por Maynard Marques de Santa Rosa*
Surpreendido pelo coronavírus, o mundo inteiro só consegue mitigar-lhe os efeitos iniciais. É que não há informações suficientes sobre o inimigo invisível. A impotência ante a ameaça desconhecida torna patente a fragilidade da condição humana. O vírus mostra um viés absolutamente democrático, ignorando qualquer distinção de raça, credo, idade ou condição social.
A crise ensejará uma reorientação das prioridades do esforço civilizatório da espécie. No caso brasileiro, o impacto poderia ter sido atenuado pela ciência, se mantidas as políticas de combate às moléstias tropicais. Os centros de pesquisa estariam integrados em rede, haveria equipes científicas concentradas em metas estabelecidas e o conhecimento teria avançado, abrangendo as arboviroses.
O benefício do confinamento social consiste, tão somente, em retardar a marcha da contaminação que, de outra forma, seria devastadora. Se não há certeza da duração do ciclo, os prazos fixados pelas autoridades são meramente aleatórios.
O confinamento em massa subestimou os efeitos sobre a Economia. Não foi considerada a possibilidade de uma solução intermediária, capaz de prevenir a contaminação sem paralisar a atividade econômica. A cidade de Hong Kong não parou, mas manteve baixo o índice de contaminação, graças à cultura do uso de máscaras. A esta altura, porém, o estrago está consumado.
O longo período de confinamento, certamente, vai produzir mudança de hábitos e costumes. Parece que passou a era da massificação e dos grandes eventos. A tendência psicológica, a partir de agora, é de pulverização das grandes aglomerações. O modelo atual do carnaval de massa deverá mudar.
As atividades de “e-commerce” devem consolidar-se e avançar no Brasil, às custas do comércio varejista presencial e de muito desemprego.
A crise terá efeito estratégico no processo de globalização da economia, fazendo reverter a tendência globalizante em favor de uma onda protecionista. Os países ocidentais tenderão a proteger os setores vitais que dependem de importação. A economia da China sofrerá forte retração de demanda.
Haverá, também, efeitos políticos. O multilateralismo que inspirou a criação da União Europeia tende a ceder espaço para o “soberanismo” dos estados-nações, potencializando o nacionalismo renascente nos EUA, no Reino Unido, na Europa Oriental e na Rússia. Os países buscarão recuperar a sua soberania monetária.
Sob pressão da crise, cabe repensar, portanto, os rumos da nossa Economia. As políticas inspiradas no liberalismo econômico, agora, devem curvar-se à necessidade. O momento requer dos gestores públicos mais pragmatismo gerencial e menos ideologia. O Estado terá de intervir na Economia para gerar empregos em massa, absorvendo mão-de-obra ociosa. Com isso, merece ser revista a cultura existente, para evitar obras em vão, como foi o caso de muitas obras contra as secas no Nordeste. É mais razoável investir em obras com potencial de gerar receita, em vez das que só geram despesa.
A indústria nacional, já onerada pelo “Custo Brasil”, vem sendo sufocada pela concorrência em um mercado globalizado. O país está submetido a um processo gradual de desindustrialização. Não é justificável depender do mercado chinês para a oferta de máscaras profiláticas e respiradores mecânicos, por exemplo. O efeito “coronavírus” pode estimular o retorno do movimento industrialista. Precisamos modernizar e expandir o nosso parque industrial.
Por outro lado, a produção de alimentos não deve ser afetada no Brasil. Ao contrário do que aqui ocorre, a crise atual impacta o “agro business” dos países do Hemisfério Norte, justamente na primavera, quando se inicia o ciclo de produção. Uma janela de grandes oportunidades abre-se para o agronegócio brasileiro.
Nesta conjuntura, portanto, é vital a necessidade de informações estatísticas geradas pelo IBGE e pelo IPEA, para se chegar ao diagnóstico adequado da situação. A partir delas, elaborar o planejamento estratégico integrado de governo, para que seja definida a agenda das prioridades emergenciais.
*General de Exército Maynard Marques de Santa Rosa é oficial reformado do Exército Brasileiro, formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Resende/RJ), tendo servido em 24 Unidades Militares do Território Nacional durante 49 anos de atividade na carreira. Possui mestrado pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Rio de Janeiro e doutorado em ciências militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, também do RJ. No exterior, graduou-se em Política e Estratégia, em pós-doutorado no U.S. Army War College (Carlisle/PA, 1988/89). Foi Ministro-chefe da secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE), no Governo Bolsonaro (2019).
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal,01/05/2020
Edição: Ana A. Alencar