Por Fábio Pugliesi
A alteração dos fatos que refletem riqueza tributável e a destinação do arrecadado sempre causa polêmica.
Isto é agravado em um país federativo como o Brasil, pois a Constituição outorga também competências para instituir tributos aos Estados federados e aos municípios que, para manterem a sua autonomia, devem ter meios para ter autonomia.
Ao ver o mapa da América do Sul, você já deve ter se perguntado o porquê da “América Espanhola” ter tantos países diferentes, ocorre que a unidade territorial do Brasil foi fortalecida desde a Independência. Embora, durante o período das Regências, termos tido seguidas revoltas, guerras até por autonomia e ameaça de separação de regiões.
A construção de uma federação em que o centro, a União, deva ser tão vigorosa financeiramente quanto os Estados tem se verificado na República desde os debates na elaboração da Constituição de 1891, como se verifica no discurso de Ruy Barbosa proferido na Constituinte.
Ao longo do século XX verifica-se uma contínua concentração e desconcentração do poder central, o que levou também a uma irregular e complexa divisão de competências para prestação de serviços públicos entre a União, os Estados e os municípios.
O sistema tributário, instituído em 1965, foi adaptado na Constituição de 1988 com a extinção de vários impostos de competência da União e inseridos na competência tributária do ICMS devido aos Estados federados, refletindo um fortalecimento dos Estados perante a União.
Além disso, com o objetivo de instaurar uma seguridade social, consistente na ampliação dos direitos previdenciários, saúde pública e assistência social passou-se a dar caráter tributário às contribuições sociais, tornando mais rígida a alteração e instauração, o que determinou o surgimento de emendas à Constituição para a União ter recursos para cumprir o seu papel na seguridade social.
A par da desequilibrada e superada distribuição da competência tributária para a União, Estados e Municípios, a tributação é baseada em tributos sobre o consumo e concentrada nos mais pobres, pois a carga tributária dos que ganham até dois salários mínimos é mais da metade de seu rendimento, enquanto os que ganham mais de 30 salários mínimos é 29%.
Assim, tem-se uma tributação ineficiente chegando a trilhões os tributos não pagos em razão de discussões sobre a sua pertinência perante a legislação tributária e a Constituição, bem como ações judiciais de cobrança que recuperam pouco ante os gastos necessários para propor e acompanhar, congestionando o Poder Judiciário. Ressalta-se, todavia, que levar a protesto ou “colocar no Serasa” o contribuinte inadimplente somente dificulta as relações econômicas com a “negativização” decorrente de uma dívida que surgiu de situação estranha à vontade do inadimplente.
Se não bastasse, o cumprimento das obrigações relativas ao pagamento de tributos e destinadas ao controle da arrecadação fica difícil e a chamada “economia informal” leva ao não pagamento de R$ 460 bilhões de reais.
A experiência do Supersimples, depois Simples Nacional, com o pagamento único facilitou a arrecadação dos tributos, mas adiou a discussão sobre a simplificação do sistema tributário.
A consequência disto foi o pequeno empresário ter se acostumado até a pagar imposto sobre a renda, incluído no supersimples com base no faturamento, quando tem prejuízo e, portanto, com decréscimo patrimonial. Assim fica dispensado das exigências para apuração e arrecadação do tributo que lhe consumiria 3.600 horas por ano, segundo o Banco Mundial.
Mudar aos poucos não significa mudar pouco. Vale a pena assistir a exposição do relatório prévio do deputado Luiz Carlos Hauly na Comissão Especial da Reforma Tributária que sintetiza o processo de criação do sistema tributário desde os debates que antecederam a Constituição de 1988. Destaque-se que teremos em breve um anteprojeto de reforma tributária para discussão com a sociedade.
Uma das possibilidades mais factíveis é extinguir os diferentes tributos sobre a receita, notadamente PIS, Cofins e IPI, devidos à União, e ser criado um imposto sobre valor agregado federal sobre produtos e serviços com maior impacto na arrecadação como cigarros, bebidas e combustíveis.
Outra mais radical, é reduzir continuamente até extinguir a tributação sobre as operações de ICMS interestaduais para prevenir uma guerra fiscal entre os Estados, bem como a simplificação da apuração do ICMS autorizando o crédito de tudo que é pago pela empresa (crédito financeiro) e a ampliação de sua base sobre os serviços decorrentes da sociedade de informação,
Ademais deve continuar o programa de modernização da Administração dos municípios para que estes possam exercer de forma mais eficaz sua competência, respeitando os direitos do contribuinte.
Neste sentido, devem ser incrementados os convênios dos municípios com os Estados e a União, esta representada pela Secretaria da Receita Federal, para prevenir até a superposição de atividades para controle da arrecadação e fiscalização.
Claro que tudo isto seria mais fácil com a melhora da representatividade política, em particular no Poder Legislativo, mas isto não pode deter a mudança do sistema tributário, pois a inoperância da atividade financeira do Estado tem comprometido nossa continuidade como povo.
Artigo publicado originalmente em http://direitofinanceirotributario.blogspot.com.br/2017/03/reforma-tributaria-e-seu-contexto.html
Fábio Pugliesi é Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá)