Por Fábio Pugliesi*
A complementação de voto do Senador Roberto Rocha, relativo à PEC n. 110/19 perante a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, consolida alguns aspectos do sistema tributário renovado e já assegurado pelo texto aprovado da PEC n. 293/04 (proposta Hauly) na Comissão Especial Câmara dos Deputados em 2018.
Aliás a PEC n. 110/19 já conta com a aprovação de entidades representativas dos auditores fiscais de Tributos, o que representa apoio à coordenação e integração nacionais da Administração Tributária, bem como autonomia administrativa, orçamentária e financeira a esta no âmbito da União, Estados e Municípios, segundo a ser disposto em lei complementar nacional e autorizado ao entes federativos a complementação em lei, de acordo com suas especificidades.
Tudo isso indica, considerando a movimentação de entidades empresariais contra a fusão do PIS e do COFINS, que a renovação do Sistema Tributário passa a ter uma dinâmica própria, colocando em segundo plano a perspectiva do Governo Federal de uma mudança por partes ou, segundo o neologismo, “fatiada”.
Se a mudança se restringia a temas relativos ao IBS, agora inclui mudanças constitucionais desde o imposto de renda até o imposto predial e territorial urbano o que aumenta o risco que disposições específicas e divergentes até para o IBS de competência federal em relação ao estadual ou vice e versa, uma vez que precisam, a princípio, bases de cálculo rigorosamente superpostas.
Assim mais seguro que temas sejam deixados para a lei complementar, afastando a rigidez constitucional de sua disciplina.
Inicialmente deve ser destacado que, apesar das incertezas que se vislumbram, devemos nos deter em alguns fundamentos do sistema.
Dentro desta perspectiva, ainda que utilizadas como sinônimos as expressões “livre iniciativa” e “livre concorrência” têm significados diversos.
A livre iniciativa se relaciona com a ideia de liberdade em que o seu exercício encontra limite no outro ou em alguma coisa.
A livre concorrência, por sua vez, constitui uma construção jurídica que procura reproduzir no ambiente econômico as premissas da concorrência da economia, para tanto se destina o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE.
Desta forma não se espera que o agente econômico, ao exercer a livre iniciativa, defenda a livre concorrência.
Todavia isto não depende exclusivamente da existência do CADE, como já se verificou no passado recente em que se estimulou a concentração nas “campeãs nacionais”, assim são necessárias políticas públicas que reduzam as barreiras de entrada no mercado de uma maneira geral para o ingresso de novos agentes econômicos. Desta forma busca-se garantir os direitos do consumidor por meio de preços mais justos e opções de escolha.
As distorções do Sistema Tributário constituem, por si só, barreiras de entrada na medida em que agentes econômicos precisam dispor de regimes especiais para apurar e pagar os IPI, ICMS e o ISS.
Surgida como regime especial para garantir que concorrentes no varejo não tivessem vantagem referente à inadimplência tributária de tributos sobre consumo de produtos de setores oligopolizados, dada a dificuldade da fiscalização do pagamento de tributos na década de oitenta.
Verificou-se, porém, a disseminação desta prática para setores que, inclusive, produzem bens em que a demanda reduz desproporcionalmente ao aumento de preço em relação à demanda, consequentemente, gera distorções em que algumas empresas e setores são privilegiados e muitos prejudicados.
Evidente que o Sistema Tributário deva considerar a distribuição de receita entre setores sociais e regiões, dada a notória desigualdade da República Federativa do Brasil.
Muito contribuirá para isso que o IBS tenha regras simples e claras, já mais facilmente viabilizadas e reconhecidas pelo cálculo “por fora”, que confere transparência ao que se paga a título de imposto; bem como não cumulatividade baseada no crédito financeiro dos insumos, que reduzirá os custos de conformidade dos agentes econômicos com a legislação tributária.
Desta forma, a redação do sistema tributário em processo de renovação precisa gerar normas estáveis para integrar ações divergentes, propiciando a segurança jurídica.
Todavia isto não prescinde, pelo contrário, reafirma a importância que a redação da Emenda à Constituição considere os fundamentos da Ciência do Direito para inclusão dos chamados “conceitos abertos” ou, como prefiro referir “termos jurídicos abertos”, dado que a existe a ideia, o conceito e as palavras o exprimem.
Tais termos jurídicos abertos são inevitáveis para atualizar a aplicação da norma jurídica e, em consequência, da ordem jurídica com o objetivo de assegurar sua legitimidade.
Esta necessidade aumenta se considerarmos a interpretação constitucional, bem como a sua especificidade que, em virtude de sua abrangência e força normativa, reconhece autoridade aos diferentes setores sociais com o risco de tumultuar um debate que, dada o rigor do Direito Tributário que busca a afastar a retórica e realçar a lógica na argumentação, segundo a terminologia de Perelman.
Inserir minúcias tributárias no texto constitucional pode gerar discussões aporéticas nos debates sobre a aplicação do princípio que melhor expresse a prudência do Direito ao caso concreto.
A voz autorizada do Ministro Luís Roberto Barroso, já pensando na interpretação legítima do Supremo Tribunal Federal, assinala que o direito constitucional envolve um empreendimento complexo: o de levar o Direito às relações políticas, disciplinando a partilha e o exercício do poder, bem como impondo o respeito aos direitos da cidadania.
Conclui-se que há de haver uma compatibilização entre o rigor próprio do Direito Tributário com a exigência da democracia, dado que esta impõe ao processo de decisão a participação dos setores sociais como é notório, bem como estes devem agir por seus representantes no Congresso ou influenciar diretamente a decisão em, por exemplo, audiências públicas.
Assinale-se que um exemplo a ser evitado, todavia, é a Emenda à Constituição n. 75/13 que conferiu a imunidade de impostos, em linhas gerais (a redação já por si só muito confusa aliás), a especificamente a cds e dvd com autores e artistas nacionais para proteger a produção artística brasileira. Dada a superação do cd e dvd e a redação confusa esta imunidade ficou inócua.
No voto do relator referido verificam-se inúmeros riscos como este, indispensável afastá-los já!
*Fábio Pugliesi é advogado em São Paulo e Santa Catarina. Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação.
Publicado originalmente em: http://conversandocomoprofessor.com.br/2020/01/09/reforma-tributaria-necessidade-economica-reconhecida-e-chegada-a-hora-da-redacao-da-emenda-a-constituicao/.
Fonte: Blog Direito Financeiro e Tributário