Logística reversa atinge 51% da população? É o que afirma o setor de embalagens no relatório entregue ao ministro do Meio Ambiente…
Por Paulo Thomaz
Relatório com os primeiros resultados obtidos pelo Acordo Setorial de Embalagens foi entregue, em Brasília, ao ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, pelos integrantes do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre). De acordo com os dados, o Sistema de Logística Reversa de Embalagens registrou ações em 422 municípios de 25 Estados, alcançando 51,2% da população brasileira.
O relatório, contudo, revela que a iniciativa é falha.
Números pífios
De acordo com o relatório, 702 cooperativas foram apoiadas e 3.151 ações de estruturação para adequar e ampliar a capacidade produtiva das cooperativas foram realizadas entre 2012 e 2016. No período, também foram instalados 2.103 pontos de distribuição voluntária (PEV) e desenvolvidas 7.861 ações para estruturação, implementação, operação e manutenção dos pontos.
Assinado no final de 2015, o acordo promove a reciclagem de embalagens em geral desenvolvendo um plano de gestão de resíduos dentro do contexto da logística reversa, que tem a meta de reduzir em 22% a quantidade de embalagens pós-consumo destinadas a aterros até o fim de 2017. Segundo dados preliminares, o Sistema de Logística Reversa de Embalagens, implantado pela Coalizão, registrou ações em 422 municípios de 25 estados brasileiros, alcançando 51,2% da população brasileira.
O relatório diz respeito à primeira fase de implementação do sistema de logística reversa, com duração de 24 meses, que deveria garantir a destinação final ambientalmente adequada de, pelo menos, 3.815,081 toneladas de embalagens por dia. (1,383 milhões de toneladas/ano).
Isso em um país de dimensões continentais e com mais de 200 milhões de habitantes.
Comparação inevitável
Agora, vamos comparar a “festejada” iniciativa brasileira com… Portugal, um país com DEZ milhões de habitantes e… do tamanho equivalente a meio estado do Rio de Janeiro.
Em Portugal, no ano de 2014, a economia nacional gerou cerca de 14,6 milhões de toneladas de resíduos, dos quais 4,7 milhões corresponderam a resíduos urbanos e 9,9 milhões a resíduos setoriais. Deste total, foram valorizados 10,8 milhões de toneladas, sendo a maior parte destinada à reciclagem (66%) ou a valorização energética (9%), e 22% do total destinado a aterro sanitário. Dos resíduos não valorizados, 2,3 milhões de toneladas correspondem a resíduos urbanos e 1,4 milhões são resíduos setoriais.
O governo português e as entidades gestoras de resíduos, empenhadas nos planos setoriais de logística reversa, entenderam que houve “um enorme desperdício e oportunidades não aproveitadas”.
Em verdade, o valor perdido na economia global se aproxima de 1 trilhão de dólares por ano – 30% proveniente dos resíduos municipais e 70% para resíduos economicamente vinculados aos setores econômicos encarregados de reciclar.
Portugal, com dez milhões de habitantes, gerou 54 bilhões de euros com a gestão de resíduos e empregou 64 mil pessoas.
“Lorota reciclada”
É inacreditável que, passados sete anos da vigência da Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, o setor de embalagens tenha a desfaçatez de entregar um relatório “auto-elogioso” com números tão pífios e, ainda, receba os parabéns das autoridades federais…
De fato, o ministro Sarney Filho “elogiou a iniciativa dos empresários”, enfatizando que as metas do acordo foram cumpridas, mesmo diante da crise econômica enfrentada pelo país nos últimos anos. “Nós fizemos a nossa parte, primeiro lutando contra as pressões no Congresso Nacional até a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, e agora apoiando a execução da lei no Ministério do Meio Ambiente”, disse.
Sarney Filho conclamou os empresários para que o setor envolvido com a logística reserva “se mantenha engajado” na expansão das diretrizes fixadas. “De fato, agindo dessa forma, poderemos avançar nas emissões evitadas, contribuindo para a economia necessária de baixa emissão de carbono”, afirmou Sarney Filho.
“A Coalizão Embalagens é formada por 28 associações do setor empresarial do País que estão engajadas na implementação da PNRS. Apresentamos hoje, juntamente com associações signatárias, as realizações que estão sendo desencadeadas para alcançarmos a meta da primeira fase desse acordo”, explicou Vitor Bicca, presidente do CEMPRE, autor do relatório.
Segundo vários críticos do Acordo Setorial, incluso alguns que acompanharam sua elaboração no próprio Ministério do Meio Ambiente, os dados apresentados revelariam verdadeira “lorota reciclada”.
Na verdade, o documento é um verdadeiro “biquíni”: revela o sugestivo e esconde o essencial…
“Chega a revoltar ver autoridades se jactarem com números de tonelagem de resíduos de embalagens recolhidas, absolutamente pífios se comparados a países muito menores. Pior ainda é verificar, no relatório que não há dados setoriais que indiquem, por exemplo, QUANTO O SETOR PRODUZIU E QUANTO DESPEJOU de produtos e embalagens no mercado brasileiro no mesmo período”, declarou o engenheiro Walter Plácido – especialista renomado na área.
Enxugando gelo
Então vem a pergunta que não quer calar: como auditar o recolhimento e não auditar o balanço de massa da produção? O que se fez, e está expresso no relatório, foi “contabilizar um enxugamento sem se dar conta que o material enxugado é…gelo”, afirmou Antonio Fernando Pinheiro Pedro, advogado e consultor ambiental.
“Não cuidaram de reproduzir no relatório o balanço de massa, o cálculo do fluxo de materiais, do insumo na produção até o descarte, e não o fizeram porque teriam que contabilizar as imensas quantidades que deveriam receber dos serviços públicos de coleta de lixo doméstico. Como o acordo setorial expurgou as prefeituras, com o beneplácito do Ministério do Meio Ambiente, os resultados apresentados acabaram não demonstrando o quão pouco o setor reciclou”, afirmou Pinheiro Pedro.
De fato, não revela o relatório, o que foi destinado, processado e disposto pelo setor público, ás custas do contribuinte. Um volume extraordinariamente desproporcional ao que as empresas informam ter reciclado.
Caso para o CONAR
“O caso deveria ser analisado pelo CONAR – tamanha a distância entre a propaganda e a realidade. Aliás, o acordo setorial já deveria ter sido encartado em inquérito civil público, na Procuradoria da República”, afirmou Antonio Inagê Oliveira, pioneiro do direito ambiental no Brasil.
Os efeitos do acordo setorial “parcial”, efetuado em desacordo com as premissas constantes na Lei 12.305/2010, deveriam de há muito constar em relatório visando apontar conformidade, analisável pelos instrumentos de implementação da SOX – Lei Sarbannes-Oxley norte americana. em especial por conta das multinacionais afiliadas – visando comparar o cumprimento de diretrizes de gestão de resíduos no Brasil e, por exemplo, em Portugal…
Pelo menos no lixo, é preciso haver seriedade.
fonte:
MMA
http://www.ambientemagazine.com/residuos-geram-54-mil-milhoes-de-euros-e-empregam-64-mil-pessoas-em-portugal/#sthash.rTVvyhaa.dpuf
Sobre o assunto: Inquérito Civil Público, consultar Proc. nº 001515935.2016.4.03.6100 – 17ª VARA CÍVEL DA JUSTIÇA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.