Contratar o transportador dos resíduos sem ter contratado diretamente o aterro destinatário, pode levar a construtora a ser enquadrada na lei de crimes ambientais.
Por Fernando Pinheiro Pedro*
Contrato de transporte é um negócio jurídico, bilateral, pelo qual uma das partes, o transportador, obriga-se a deslocar pessoas ou coisas no espaço mediante o recebimento de um preço, frete ou tarifa, estipulado. Trata-se de um contrato típico, sinalagmático e não solene.
Na gestão dos resíduos sólidos, o transporte vincula, por força da natureza objetiva da responsabilidade em relação ao dano ambiental, o gerador, o transportador e o destinatário.
No âmbito do transporte de resíduos da construção civil, as partes envolvidas parece não se darem conta dessa responsabilidade solidária. De fato, é costume o mercado da construção contratar O TRANSPORTADOR, de forma a competir a este dar destino correto aos resíduos transportados, apresentando recibo do destinatário para registro e controle do gerador.
Esse costume, no entanto, não encontra respaldo na legislação e, assim, expõe gerador e transportador a riscos.
Reza o art. 743 do Código Civil que “a coisa, entregue ao transportador, deve estar caracterizada pela sua natureza, valor, peso e quantidade, e o mais que for necessário para que não se confunda com outras, devendo o destinatário ser indicado ao menos pelo nome e endereço.” Portanto, evidente que deve haver um destinatário já contratado, para que a carga possa seguir pelo transporte.
Em se tratando de resíduos sólidos da construção civil, o chamado “entulho” há de seguir para um destinatário devidamente licenciado – um aterro de inertes ou central de beneficiamento que reúna condições técnicas para o recebimento do material.
“Entulho” é resultante da construção civil e reformas. Quase 100% desses resíduos podem ser reaproveitados, embora isso não ocorra na maioria das situações por falta de informação. Os entulhos são compostos por restos de demolição (madeiras, tijolos, cimento, rebocos, metais, etc.), de obras e solos de escavações diversas.
Nas regiões metropolitanas, face ocupação de antigas áreas industriais por empreendimentos imobiliários, há remoção de solo e material contaminado.
Estando as construtoras obrigadas, face à Lei Federal 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos, a apresentar Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (art. 20, III), devem, por isso, submeter o solo a ser retirado, de maneira sistemática, nos seus canteiros de obra, à prévia análise para classificação, de forma a determinar a correta destinação final dos resíduos de acordo com o grau de periculosidade apurada.
Com efeito, a Lei Federal 12.305/2010 define destinação final ambientalmente adequada como a “destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes (…), entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos” (art. 3º VII). A Lei também define a disposição final ambientalmente adequada de resíduos como a “distribuição ordenada de rejeitos em aterros, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos” (art. 3º VIII).
Com tamanhas obrigações e cuidados face aos resíduos gerados na construção civil, o contrato de transporte para a retirada do entulho e do solo, sem que ocorra prévia contratação do destinatário final, pelo gerador, constituí procedimento de risco com potencial danoso ao meio ambiente.
Como já dito, há obrigação legal de haver, no contrato de transporte, um destinatário certo para a carga (art. 743 do Código Civil). As construtoras, obrigadas a desenvolver um plano de gerenciamento de resíduos, não só necessitam classificar os resíduos gerados, como dar destinação ambientalmente adequada.
Em síntese, a destinação dos resíduos deve ser previamente contratada, sendo o contrato de transporte acessório à contratação do destinatário – seja aterro de inertes legalmente licenciado, seja unidade de beneficiamento do entulho.
A manutenção de contratos com transportadores, terralheiros e caçambeiros, sem prévia contratação do destinatário final, significa deixar a construtora, ao bel prazer do transportador, a destinação do resíduo cuja responsabilidade e tutela é inteiramente dela.
A conduta acima, observada como costumeira no setor, é passível de ver-se enquadrada no tipo penal do art. 68 da Lei Federal 9.605/1998 – Lei de Crimes Ambientais, que reza o seguinte:
“ Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.”
Embora editada anteriormente à PNRS, a Resolução CONAMA 307/2002 disciplina a ação dos geradores e transportadores dos resíduos de construção civil e vincula as normas técnicas da ABNT – NBR 15.112, de forma a não deixar margem a dúvidas quanto à responsabilização do gerador, solidariamente ao transportador e destinador final, pela disposição inadequada do entulho – enquadrável como crime de poluição cominado com o de atividade disconforme com o licenciamento.
Assim, o descarte irregular implica nos tipos penais previstos nos artigos 54 e 60 da Lei 6.905/1998 – Lei de Crimes Ambientais.
A gestão correta dos resíduos de construção civil é, ainda, orientada no âmbito da legislação dos grandes municípios, como é o caso do Município de São Paulo, cuja legislação, recepcionada pela Lei Federal superveniente, institui o Plano Integrado e o Programa Municipal de Gerenciamento e Projetos de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil no sistema de gestão da cidade – Lei Municipal 14.803 de 26 de Junho de 2008.
Não faltam normas. Destarte, o gerenciamento correto, a apresentação de um eficaz plano de gerenciamento da atividade e o cuidado para com o descarte devem, obrigatoriamente, constar na agenda da construção civil nas cidades brasileiras, a começar da Capital Paulista.
As construtoras, portanto, deverão firmar, desde sempre e doravante, não um contrato de transporte, mas, sim, um contrato que vincule o resíduo por elas gerado no canteiro de obra a um destinatário CERTO e DEVIDAMENTE LICENCIADO.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro – Secretário Executivo de Mudanças Climáticas da Cidade de São Paulo, advogado formado pela USP, consultor ambiental, Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 31/05/2023
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.