Superior Tribunal de Justiça resgata a razoabilidade sobre responsabilidade administrativa e devolve o direito ambiental aos trilhos da Lei.
“A lei é a razão livre da paixão”
(Aristóteles)
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
De há muito tenho denunciado o esforço mental, protagonizado por juristas adeptos do biocentrismo (doutrina que desloca o ser humano para fora do centro das preocupações da lei ambiental).
Esse esforço biocêntrico, é fato, vem deturpando o devido e correto entendimento da legislação de proteção do meio ambiente.
Um dos focos do ataque biocentrista ao correto entendimento da lei é a insistência em conferir “objetividade” à subjetiva responsabilidade administrativa por infração ambiental.
É sabido, desde os tempos de banco escolar, que infrator é aquele que transgride uma norma, ignora, despreza, desrespeita. Vale dizer, o infrator demanda existência de norma expressa para que possa, então, transgredir, por ação ou omissão.
Degradador é o poluidor – conceito estabelecido no art. 3º. Da Lei 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente), responsável direta ou indiretamente pela degradação ambiental – ainda que não aconteça de vir a transgredir qualquer regra. Daí estatuir a lei a responsabilidade civil sem culpa do poluidor.
O infrator poderá sofrer sanção penal e/ou administrativa, independentemente de ter que reparar os danos causados na esfera civil. Significa dizer: ainda que não venha a ser considerado culpado administrativamente ou criminalmente, poderá mesmo assim ser responsabilizado em termos civis pelos danos causados, pois basta haver liame de causalidade (pela regra do parágrafo 1º do art. 14 da Lei Federal 6.938/81).
Já na esfera administrativa e criminal, o caso é diferente – o liame de causalidade, por si só, não basta para estabelecer responsabilidade do agente.
O próprio parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal, ao estatuir a tríplice responsabilização para o infrator, diferencia a “obrigação de reparar os danos causados” das “sanções penais e administrativas”.
O artigo 6º da Lei Federal 9.605/98, que trata dos crimes e infrações administrativas ambientais, deixa claro, sem distinguir essas duas esferas, que:
“Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I – a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas consequências para a saúde pública e para o meio ambiente;
II – os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III – a situação econômica do infrator, no caso de multa.”
A responsabilidade administrativa ambiental, portanto, é subjetiva, sua aferição depende da apreciação da conduta do agente.
O art. 70 da mesma Lei, a propósito, dispõe que:
“considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.”
Vale dizer, há de ocorrer ação voluntária do agente transgressor.
O art. 72 do mesmo diploma introduz o rol de sanções enunciando:
“As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º”…
A norma portanto, é expressa ao conferir responsabilidade subjetiva à infração administrativa ambiental.
Porém, em nome de uma “natureza essencialmente pública” do bem jurídico ambiental, os apaixonados operadores do direito biocentrista vinham autorizando moralmente a Administração Pública a autuar – multar, apreender bens, embargar atividades, administrativamente, contra toda sorte de pessoas – ainda que não tivessem mantido os autuados vínculo direto com a conduta apenada.
Magistrados e Tribunais, infelizmente, vinham dando guarida a esse entendimento.
Porém a maré está refluindo, permitindo ressurgir a razão.
Talvez por estar cada vez mais claro o dano causado pelo biocentrismo nas atividades econômicas e sociais de nosso território, o judiciário iniciou uma reação.
A 1ª turma do STJ julgou na data de 18 de junho de 2015, recurso versando se a responsabilidade ambiental administrativa tem natureza objetiva ou subjetiva.
A questão posta a julgamento questionava se o proprietário da carga de combustível, ao contratar terceiro para transporte de seu produto, deixaria ou não de ostentar condição de agente principal, responsável objetivamente por infração que o transportador vier a causar ao meio ambiente, em razão da natureza nociva do produto.
A autora do recurso, uma distribuidora de combustíveis, alegou que, ao contrário da responsabilidade civil, na responsabilidade administrativa não é possível responsabilizar quem não cometeu o ilícito.
Entendia que somente o transportador pode ser responsabilizado pelos danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel, e não o proprietário da carga.
O ministro Sérgio Kukina, relator do agravo, proferiu decisão monocrática negando provimento ao agravo. Ele citou precedente no qual, ao analisar o mesmo evento danoso, a 1ª turma do STJ (REsp 1.318.051) decidiu que o proprietário da carga, ao contratar terceiro para o transporte de seu produto, não deixa de ostentar a condição de agente principal e responsável, objetivamente, por infração que o transportador venha a causar ao meio ambiente, em razão da natureza nociva do produto transportado.
Levado o caso ao colegiado do Tribunal, Kukina manteve o voto negando provimento.
No entanto, a Ministra Regina Helena Costa abriu a divergência, dando provimento ao agravo. Então, pediu vista o desembargador convocado, Olindo Menezes.
Retomado o julgamento com o voto-vista na data de ontem (18/06/2015), Olindo acompanhou a divergência da ministra Regina Helena, dando provimento ao agravo, sob entendimento de que acordão do TJ/RJ contrariou lei Federal, que não prevê responsabilidade civil objetiva em razão da multa aplicada por infração ambiental administrativa.
No placar final, os magistrados formaram a maioria com Napoleão Nunes, restando vencidos relator e Benedito Gonçalves.
Será redatora do acórdão, agora, a ministra Regina Helena Costa. (AgRg no AREsp 62.584).
A decisão é histórica e, sem dúvida, devolve lucidez á jurisprudência dos tribunais brasileiros.
Espero, sinceramente, que esta decisão seja uma de várias outras que representem uma barreira de racionalidade e democracia contra a onda biocentrista que vinha ameaçando tornar-se perigosamente majoritária nos meios jurídicos ambientais…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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Prezados,
Uso da oportunidade para salientar que a racionalidade necessária e a esperada objetividade estão passando longe na atuação de agentes ambientais. Não apenas na atribuição de responsabilidade. Via de regra existem abusos no enquadramento legal de infrações, por falta de observação do espírito da Lei, ao dar salvaguarda ao desenvolvimento sustentável. (Lei 6.938. Art. 2°). Vale uma série de matérias como esta com este sentido.