Limitações ligadas ao coronavírus – só retiradas pelo reino unido pouco antes do início da cúpula – impedem delegações de participarem ativamente. Para ambientalistas, “uma das conferências climáticas mais brancas”.
Uma série de equívocos tem dificultado a vida de membros de delegações de países pobres durante a COP26, a conferência sobre o clima da Organização das Nações Unidas, que transcorre até 12 de novembro em Glasgow, Escócia.
Por um lado, o governo britânico, organizador oficial do evento, argumentou que a 26ª edição da COP seria “a mais inclusiva da história”. Por isso, ofereceu vacinas a todas as delegações, jornalistas e público em geral. Os participantes, no entanto, dizem que conseguir vacinas e vistos tem sido muito complicado.
O número de inscritos para a COP26 duplicou em relação à conferência de 2019, chegando a quase 40 mil, conforme documentos publicados pelos organizadores na terça-feira (02/11). Porém delegados e espectadores dos países mais pobres afirmam que seus colegas têm enfrentado muitas dificuldades para participar ativamente da cúpula.
Restrições de viagem para conter a propagação do coronavírus, mudanças de última hora nas regras de quarentena e os altos custos de voos e hotéis forçaram muitos delegados a participar da conferência via videochamada. Devido às restrições de espaço nas salas em Glasgow, ambientalistas que representam populações vulneráveis de todo o mundo dizem ter sido excluídos de reuniões.
A cúpula – saudada como a “grande última chance” para limitar o aquecimento global a 1,5º C acima das temperaturas da era pré-industrial – é uma oportunidade para os líderes mundiais chegarem a um acordo que evite condições climáticas cada vez mais extremas. Segundo Tasneem Essop, diretora internacional da Climate Action Network, uma rede global que atua em mais de 130 países, o que importa é dar voz a quem realmente precisa de ações urgentes em relação ao clima, mas “infelizmente, isso está ocorrendo cada vez menos”.
De última hora, hospedagem só em cidade vizinha
Para integrantes dessas delegações, que têm sido excluídas de alguns eventos, particularmente frustrante é que a maioria dos países de média e baixa renda só foram retirados da “lista vermelha” do Reino Unido – cujos viajantes recém-chegados devem fazer quarentena de dez dias – apenas duas semanas antes da conferência.
Em prazo tão curto, alguns delegados não tiveram outra escolha senão ficar em casa. Outros, que reservaram viagens de última hora, só conseguiram encontrar hospedagem na cidade vizinha de Edimburgo, a cerca de 70 quilômetros de distância.
Colin Young, diretor do grupo Caricom, que representa 15 países caribenhos, alguns dos quais incluídos na anterior lista vermelha britânica, afirma que “se você não é representado, suas visões não são consideradas”.
“Para começar, nossas delegações são sempre pequenas, devido a questões de financiamento. Se você tem que cortar isso ainda mais, então representação é realmente um problema que nos preocupa.”
Dificuldade de cobrar promessas dos países ricos
No cerne da disputa está a questão da igualdade. Países pobres, minimamente responsáveis pela mudança climática, mas que suportam os danos causados por ela, lutam por dois acordos-chave na cúpula: o primeiro é o cumprimento de uma promessa quebrada pelos países ricos, que, em 2009, estipularam doar 100 bilhões de dólares por ano até 2020 para tornar suas economias mais verdes e, assim, adaptarem-se às mudanças climáticas.
O segundo é eles reconhecerem seu papel nas perdas e danos causados por eventos climáticos cada vez mais extremos, como ciclones tropicais e incêndios florestais.
“Esse é um problema que as nações desenvolvidas não querem discutir de forma alguma”, afirma Essop, para quem as vozes das nações mais pobres seriam “cruciais” para assegurar que os países ricos arquem com esses custos.
A cientista ambiental Halima Bawa-Bwari, que atua no Departamento de Mudanças Climáticas da Nigéria, diz que “se os países desenvolvidos são mesmo sérios, precisam mostrar comprometimento de liderança”. E confirma que diversas delegações nigerianas estão faltando a encontros na COP26 por precisarem vir de outras cidades.
Incerteza sobre número de participantes
Atendendo a pedidos da DW, a UNFCCC, fração da ONU encarregada de organizar as negociações climáticas, publicou uma lista de participantes registrados na COP26. Os dados mostram que, comparado com o ano anterior, em torno de 150 países aumentaram suas delegações, seis as mantiveram iguais, 33 as reduziram.
Mas não está claro quantos desses 22 mil delegados, 14 mil espectadores e 4 mil jornalistas vão, de fato, comparecer até o fim da cúpula, em 12 de novembro. A UNFCCC não especificou quais participantes estão assistindo à COP26 apenas virtualmente e tampouco atendeu ao pedido de comentários.
“Se a cúpula é realizada apenas virtualmente, a África não consegue participar”, critica Mamoudou Ouedraogo, da Associação pela Educação e Meio Ambiente de Burkina Faso. Ao contrário de muitos de seus colegas, ele está em Glasgow. Os que participam virtualmente, têm que se debater com más conexões, e “se pode-se ficar dois, três dias sem internet”.
Bianca Coutinho, consultora de advocacia da ONG internacional Governos Locais pela Sustentabilidade (ICLEI), que representa prefeitos de todo o mundo e promove o desenvolvimento sustentável, relata ter tido que pedir a alguns representantes para falarem em nome de outros que não puderam comparecer. Eles também fizeram sessões conjuntas de forma híbrida, ou seja, com participação in loco e virtual, de maneira simultânea. “Felizmente, os eventos híbridos estão funcionando”, comenta Coutinho.
Dificuldade para entrar em reuniões
Em alguns salões de conferência, os participantes têm dificuldade de se fazer presentes nas sessões descritas como abertas. A fim de manter o distanciamento social, a participação em muitas sessões é mediante apresentação de ingresso. O problema é que, segundo os ativistas, apenas alguns grupos de ambientalistas receberam entradas para cobrir dezenas de eventos.
“Não há espaço suficiente nas salas para acomodar todo mundo que está credenciado”, constata Nathan Thanki, da Global Campaign to Demand Climate Justice.
O resultado final, conforme críticas dos próprios participantes, é uma cúpula sobre o clima na qual os países e povos mais afetados pelas mudanças climáticas são impossibilitados de fazer escutar suas demandas.
“Sociedade civil, movimentos sociais e governos têm achado incrivelmente desafiador passar por tantos obstáculos para chegarem ao Reino Unido. Comparada aos anos anteriores, esta COP é uma das mais ‘brancas’”, afirma, referindo-se à presença majoritária dos países ricos.
Fonte: Deustche Velle via Ambiente Brasil
Publicação Ambiente Legal, 04/11/2021
Edição: Ana Alves Alencar
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