O risco estratégico nas mudanças climáticas
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Texto da apresentação proferida na Conferência Internacional “Sustentabilidade na Gestão Ambiental. Inovação e desafios para os Países de Língua Oficial Portuguesa”, realizada pela Universidade de Lisboa em 15 de dezembro de 2020.
Quero agradecer à organização do SGA 2020, e o faço na pessoa do professor Manuel Duarte Pinheiro, da Universidade de Lisboa, a quem fui apresentado pela nossa amiga comum, Professora Clauciana Schmidt Bueno de Morais, da UNESP, pela oportunidade do convite e da apresentação neste evento, do qual já extraí, dos ilustres conferencistas que me precederam, importantíssimas lições.
Devo abordar um aspecto humano que se integra com as questões até aqui abordadas, mas que também refoge em parte do foco técnico adotado nos painéis anteriores.
Tenho acompanhado a questão das mudanças climáticas há décadas, por razões profissionais e institucionais.
Presidi a 1ª. Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo, somando três mandatos na coordenação do setor. Presidi também a comissão de juristas formada pela OAB, encarregada de apresentar uma consolidação das leis ambientais brasileiras, no mesmo ano da Conferência da ONU sobre ambiente e desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em 1992. Atuei na direção de outros organismos e comitês, bem como na implementação de organismos de sociedade civil e de programas integrados, em apoio ao governo brasileiro e a organismos multilaterais.
Pude coordenar o grupo de estudos que elaborou o texto apresentado pelo brilhante Deputado Mendes Thame, digno relator do Projeto de Lei da Política Nacional de Mudanças Climáticas no Congresso Nacional, convertido no marco legal brasileiro, em vigor desde 2009.
Como membro do grupo de transição do governo federal, do Presidente Jair Bolsonaro, elaborei, a pedido do ministro de meio ambiente, as notas técnicas, com teor bastante crítico, sobre a estrutura de tutela federal da questão climática, em 2019.*
Infelizmente, nem tudo segue como esperado, de forma que reforço minha preocupação com a condução de todo esse processo de gestão, seja no meu país, seja no continente americano, seja na Europa. Há um componente geopolítico que não deve ser ignorado.
O que se seguirá, de todo modo, terá base no que ora tratamos.
Por isso vejo como importante tarefa observar que a gestão de risco deve abranger aspectos de ordem política e macro política, pois a resposta institucional advém desses aspectos e, no fim, destina-se a também resolver esses aspectos.
Feitas essas observações, vou entrar no tema proposto.
O Conflito Assimétrico
O mundo encontra-se assolado por assimetrias.
Vivemos um estágio de acomodação dos instrumentos públicos de governança e controle territorial às demandas de terceira geração do Estado Moderno.
Esta 3ª geração de demandas é marcada pela incidência hegemônica dos interesses e direitos difusos sobre os direitos individuais e coletivos que marcaram, respectivamente, a primeira e a segunda geração de direitos do Estado Moderno.
Dentre as mais variadas demandas, concentram as maiores assimetrias as demandas por autonomia (étnica, nacional, comunitária, territorial, identitária etc.), as demandas por participação (nos mais variados mecanismos de decisão), e as demandas por satisfação (reconhecimento de gênero, busca por qualidade de vida, afirmação religiosa, inclusão social, político-ideológica, etc.). 1
Todos estes interesses são por natureza assimétricos, têm sido demandados, reivindicados e reconhecidos como direitos, rejeitados ou implementados como políticas governamentais, não sem sacrifício de vidas humanas, transgressões, instabilidade, insurgências, revoluções e conflitos bélicos entre nações.
A conformação das estruturas do Estado Moderno à conflituosidade intrínseca dos interesses e direitos difusos, acirra ainda mais a assimetria neles contida, perenizando os conflitos.
Interesses difusos são aqueles legalmente tidos por indivisíveis, transindividuais e de titularidade indeterminada – não se podendo precisar quantos demandam o interesse, o local determinado dos interessados ou mesmo a natureza destes. São interesses, por natureza, assimétricos e conflituosos.
A ciência do direito busca tratá-los de forma igualmente assimétrica – há a velha lição, repetida em sala de aula pelo velho mestre da Academia do Largo de São Francisco, Gofredo da Silva Telles, que “onde há fracos e fortes, a liberdade escraviza, o direito liberta”. Não por outro motivo, já intuindo o conflito, o Estado age normativamente tratando desigualmente os por ele considerados desiguais. Enquadram-se neste campo assimétrico a tutela das demandas identitárias, humanitárias, relativas à segurança pública, integridade étnica, saúde, equilíbrio ecossistêmico, saneamento ambiental e de enfrentamento às mudanças do clima.
Essas assimetrias – ainda que tuteladas pelo Estado assimetricamente, não perdem sua conflituosidade. De fato, o conflito revela sua natureza híbrida e perene.
Seus efeitos ganham complexidade e transcendem muitas vezes a esfera de competência outorgada ao tutor estatal da ocasião. É o que ocorre, por exemplo, na intervenção das forças de segurança de Estado nas favelas do Rio de Janeiro ou no “enxugar de gelo” observado no enfrentamento dos organismos ambientais contra a ocupação irregular em áreas de mananciais que abastecem a região metropolitana de São Paulo. Também ocorre no combate incessante à grilagem de terras e ocupação de garimpos na Região Amazônica.
Conflitos urbanos de vizinhança também desbordam para sinergias complexas, como a mudança na forma de uso do solo no entorno de um “bunker” imobiliário implantado em bairro tradicional consolidado em uma cidade – seja um shopping center ou um condomínio fechado.
Tais assimetrias estão presentes no mundo, na implantação de uma usina hidrelétrica na região amazônica, no estabelecimento de normas teocráticas no sistema laico da política da Turquia, no conflito palestino-israelense na faixa de gaza e Cisjordânia, na afirmação nacional do Curdistão face ao Iraque, na legalização do casamento entre homossexuais ou nos conflitos entre polícia e afrodescendentes nos EUA ou, também, no combate à disparidades de ganhos entre cidadãos comuns e funcionários públicos qualificados, denunciados no parlamento grego.
Várias dessas demandas encontram-se banhadas por muito sangue. Outras são atendidas de forma pacífica. Todas, no entanto, permanecerão intrinsecamente conflituosas, latentes, ainda que momentaneamente “pacificadas”.2
O Estado moderno, em que pese possuir instrumentos legais que conceituam e reconhecem interesses difusos, desconhece oficialmente a aplicação da tutela estatal à realidade material dessas assimetrias. E elas se agravam com os impactos decorrentes das emergências climáticas.
Por conta desse paradoxo, tornou-se o Estado vulnerável a riscos para além dos normalmente tratados pelas ferramentas de gestão territorial ambiental.
Conflitos humanitários e mudanças do clima
As assimetrias decorrentes dos conflitos humanitários são profundamente ampliadas pelas crises ambientais e climáticas.
Refugiados de conflitos bélicos e guerras civis se somam aos refugiados ambientais, estes provindos de regiões afetadas pela escassez de água, alterações radicais do clima, desastres naturais e degradações conexas.
Um estudo intitulado “Riscos de Conflito Armado Incrementados por Desastres Climáticos em Países Etnicamente Fracionados” (Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries), foi publicado em 2016, pelo Proceedings of the National Academy of Sciences – PNAS. Ele revela uma importante linha de pesquisa para definir fatores de risco na interação dos eventos climáticos com os conflitos humanos.3
Os pesquisadores do Instituto Potsdam para Pesquisa de Impacto do Clima – os autores do estudo, encontraram uma taxa de correlação de 9% entre conflitos humanos e desastres naturais – como ondas de calor ou seca.
A pesquisa do Instituto também revela que cerca de 23% dos conflitos armados, entre 1980 e 2000, em países com muitas diferenças étnicas, coincidem com calamidades climáticas.
O estudo evidencia que divisões étnicas desempenham um papel importante em muitos conflitos armados em todo o mundo e podem servir como linha para determinar conflitos e tensões sociais decorrentes de eventos perturbadores – como desastres naturais.
A observação dessa interação étnico-climática tem implicações importantes para políticas de segurança nas regiões mais propensas a conflito, como norte da África, África Central e Ásia Central – áreas vulneráveis tanto à ação humana sobre o clima quanto marcadas por profundas divisões étnicas.
A Universidade Autônoma de Barcelona, juntamente com 23 universidades e organizações de justiça ambiental de 18 países, organizou anos atrás um mapa dos conflitos ambientais pelo mundo.
O projeto foi desenvolvido sob responsabilidade do EJOLT – Environmental Justice Organizations, Liabilities and Trade, um grupo europeu de organizações de justiça ambiental. 4
A própria Organização das Nações Unidas apontou o problema em meados de 2014, quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, expressou sua preocupação.
Deixar as pessoas sem água potável é violação de um direito humano fundamental.
Pôr a população civil como alvo e negar-lhe fornecimentos essenciais é uma clara violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional”, afirmara Ban Ki-moon.
O Secretário Geral da ONU se referia ao uso da água como arma de guerra e de segregação social.
Vários conflitos bélicos ou derivados de embates sociais assimétricos evidenciam o abastecimento de água usado como arma ou “força de argumento”. 12
O fator importante que reforça essa segregação advém obviamente das mudanças climáticas.
As secas ocorridas na Síria e na Somália, por exemplo, contribuíram de forma determinante para o conflito armado e guerra civil nestes países. Seca prolongada também constituiu fator decisivo no Iraque e Afeganistão. Todas essas regiões sofrem com problemas relativos à segregação étnico-religiosa.
Nossa história, antiga, clássica e contemporânea, guarda momentos de interação explosiva entre os mesmos fatores, ocorridos no continente europeu e americano. 5
O risco para o Estado de Direito
Esse ambiente de risco expõe o Estado de Direito à infiltração de segmentos, organizações e facções, com interesses de natureza proselitista, religiosa, política, ideológica e criminosa, seja no seu território, seja na sua estrutura.
Há hoje uma fragilização generalizada ante a ação organizada de movimentos sociais, identitários, racialistas, organizações internacionais, quadrilhas e até movimentos paramilitares, sem que se divise com a devida inteligência os interesses difusos em causa e, também, discrimine dentre eles os interesses efetivamente demandados, instrumentalizados ou pretextados.
Assim é preciso entronizar o conceito de assimetria e compreender o alcance das demandas assimétricas e dos conflitos de natureza híbrida para muito além dos bancos acadêmicos, doutrinas jurídicas e decisões judiciais de caráter estritamente ambiental.
Deve-se organizar e capacitar os agentes de gestão para implementar mecanismos de combate e resolução de conflitos assimétricos complexos, caso contrário dificilmente se conseguirá firmar autoridade, controlar o território e afirmar soberania – em especial quanto aos eventos climáticos extremos e às medidas de prevenção e controle de emissões, cuja consciência social do fato e suas consequências é inversamente proporcional aos interesses econômicos em causa, afetados pelas medidas de controle. 6
O conflito assimétrico de quarta geração
No campo da política e da geografia humana, conflitos de interesses difusos, além da inata assimetria, possuem natureza híbrida – transcendem questões territoriais, ganham espectros midiáticos, ativam componentes emocionais, envolvem atores não governamentais, carregam conotação político-ideológica – ligada ou não a questões de ordem étnico-racial ou religiosa.
O acirramento do conflito pode desembocar em uma Guerra de Quarta Geração, que se desenrola sem que venha algum dia ser declarada ou mesmo travada por forças diretamente interessadas.
“Guerra de quarta geração” é um conceito militar advindo da doutrina israelense. Designa um conflito multidimensional, abrangendo ações para além das manobras convencionais ou ações de forças regulares ou atores legalmente tipificados.
No campo geográfico, transcende dimensões físicas – terra, mar e ar.
Envolve o espectro eletromagnético e o ciberespaço, a corrupção e desmantelamento do sistema judiciário e de segurança – faz uso da lawfare visando causar desorganização da governança.
Nesse novo contexto estratégico, o “inimigo” pode não ser um Estado organizado, mas um grupo terrorista ou organização criminosa, o sistema financeiro, complexos industriais ou mesmo organizações não governamentais aparentemente bem intencionadas, que a princípio usam métodos híbridos para fazer o conflito progredir.
Há nesses tipos de conflitos, emprego intensivo de táticas, técnicas e procedimentos de guerra irregular, contrainformação, desinformação, subversão, guerrilha e terrorismo.
Admite-se o uso recorrente de proselitismo, ações midiáticas e arregimentação de quadros por redes de relacionamento, vínculos ambientais ou redes sociais. A figura do “inimigo interno” não pode ser de forma alguma descartada.
Interesses difusos, por sua conflituosidade intrínseca, constituem, portanto, plataforma ideal para a guerra assimétrica. 7
Qual a resposta institucional do Estado a isso?
No campo da ciência do direito, os Estados Nacionais têm procurado preventivamente desenvolver instrumentos legais de mediação, arbitragem, ajustamento de conduta e tutela coletiva, visando justamente se antecipar aos conflitos e impedir que se tornem nocivos à governança.
Também têm procurado aperfeiçoar mecanismos de decisão, resolução de crises e controle social, tornando mais permeáveis e participativos os fluxos de tomada de decisão.
Porém, quanto mais avança o Estado Democrático de Direito, no sentido da inclusão de interesses difusos no rol de matérias institucionalmente tuteladas – mais é necessário definir novos instrumentos de inteligência e de repressão às facções radicais e organizações criminosas – que se alimentam da conflituosidade intrínseca dos interesses em causa.
Não raro, minorias transformam-se em “escudos humanos” para campanhas de desconstrução da ordem legal. Refugiados ambientais, povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais isoladas, ribeirinhas ou insulares, podem desequilibrar projetos nacionais, planos de investimentos logísticos, hoteleiros, energéticos e silvo-agro-pastoris.
Alterações climáticas provocadas por ações antrópicas descontroladas, por sua vez, podem mesmo relativizar a soberania de países desatentos à questão e provocar ações de nações direta e indiretamente afetadas pelo desequilíbrio ambiental em curso.
Entramos no campo da relativização da soberania nacional – algo que pode ser observado como uma disrupção já em andamento no campo do direito internacional.
Nesse campo, direitos humanos podem ser propositadamente diluídos em uma explosiva mistura liberticida, visando consolidar interesses facciosos.
O conflito assimétrico, portanto, para muito além dos instrumentos de previsão, prevenção, comando e controle – deve demandar inteligência integrada para seu gerenciamento.
Isso deve ocorrer pois os conflitos assimétricos abrigam variadas formas e instrumentos de constrição e coação, aplicados por organizações e interesses difusos de diferentes matizes – da criminalidade comum à barbárie religiosa.
Na lawfare, repito, proselitismos tornam-se doutrina e costumam ser utilizados nos cenários de conflituosidade intrínseca (interesses difusos), conferindo risco jurídico e insegurança institucional. 8
Nesse sentido, o foco institucional para equacionar o conflito é agir com método, caracterizando, delimitando e identificando a natureza do conflito e seus atores.
Assim, é importante, ao lidarmos com conflitos de natureza “híbrida”, compreendermos as formas de pressão assimétrica organizadas, sistematizando-as, pois que caracterizam a progressão proposital do conflito em direção à crise, visando, quem sabe, até mesmo eclodir uma guerra de quarta geração.
Sistemas internacionais de securitização e gerenciamento de crises, atentos á conexão desses conflitos com a geopolítica já estão se mobilizando.
É o caso do International Military Council on Climate and Security – IMCCS – uma organização de líderes militares da reserva e ex dirigentes do setor de defesa dedicados a analisar e antecipar cenários estratégicos sobre o impacto do clima e a sustentabilidade na área da defesa e segurança.
Recentemente a entidade apresentou relatório analisando os riscos para o Brasil, dos fenômenos climáticos.
O relatório é extenso, mas dentre os pronunciamentos da entidade sobre o trabalho, vale a pena destacar o da subsecretária de Defesa dos EUA no governo Obama e Secretária Geral do ICCMS, Sherri Goodman, nos termos seguintes:
“A mudança climática é um risco existencial para todas as sociedades e uma questão de segurança humana e nacional.
O Brasil enfrenta uma série de desafios de desenvolvimento agravados recentemente pela pandemia Covid-19 – um fenômeno que continua a impactar desproporcionalmente as comunidades mais vulneráveis do país.
A degradação ambiental (mais especificamente o desmatamento recorde), junto com a nova dinâmica da mudança climática regional, agravará as consequências da pandemia e retardará os esforços de recuperação do Brasil.
Como constata este importante relatório do IMCCS Brasil, secas prolongadas que afetam gravemente os estados agrários e as megacidades podem se tornar uma nova normalidade, pois os padrões de chuva não tradicionais interrompem o fornecimento de água e hidroeletricidade.
Usando a previsão sem precedentes disponível por meio de análises estratégicas e ciência de dados, o Brasil deve avaliar seus riscos de mudanças climáticas (incluindo riscos para os interesses estratégicos, regionais e internacionais do Brasil) e desenvolver planos nacionais para enfrentar a gama de ameaças que as mudanças climáticas representam para sua segurança humana e nacional.
É do interesse do Brasil tornar a nação à prova do clima. ” 9
Esse pronunciamento já nos dá uma ideia da dimensão dos conflitos geopolíticos que deveremos, em breve, enfrentar. no Brasil, em relação ao posicionamento de blocos europeus, dos Estados Unidos e dos países asiáticos – em especial Japão e China – tradicionais parceiros econômicos de nosso país.
Tenho para mim que é mais do que nunca necessário aplicarmos o conceito que denomino soberania afirmativa, pois o movimento de relativização da soberania exige que o Estado Nacional exerça efetivo controle territorial e demonstre autoridade na gestão ambiental, como forma de afirmar sua vontade soberana. 10
Essa questão nos remete também aos continentes mais afetados pelas mudanças climáticas – África e Oceania, aos países insulares e aos biomas que devem ser especialmente preservados, como é o caso da Amazônia.
A Lawfare climática No campo da lawfare, já podemos observar, no Brasil, as primeiras ações civis públicas cobrando ações de entes públicos e privados, conforme princípios e preceitos estatuídos pelo Tratado e protocolos internacionais sobre mudanças climáticas, e nossa legislação pátria.
O judiciário brasileiro é um importante esteio da democracia brasileira, e se trata de instituição sensível a ações ativistas e mesmo inovadoras.
Há, no entanto, uma tendência no judiciário brasileiro de aplicar o pan-principialismo na resolução de conflitos complexos – muitas vezes redesenhando a norma legal – algo muito criticado por vários juristas, pois gera insegurança, ou disrupções imprevistas.
Chamamos esse fenômeno de “ativismo judicial”. Assim, o componente judiciário, também é fator a ser considerado no gerenciamento de risco ambiental, envolvendo o clima.
Hoje, nesta data de 15 de dezembro, nos chega às mãos um exemplo:
Um caso climático a ser decidido no Superior Tribunal de Justiça, a corte federal de uniformização de jurisprudência infraconstitucional brasileira, imediatamente abaixo do Supremo Tribunal Federal.
Em decisão monocrática publicada hoje (15/12), o Min. Benedito Gonçalves conheceu em parte do Recurso Especial (REsp1856031-SP) interposto pelo MPSP no âmbito de ação movida contra a companhia aérea KLM, e negou-lhe provimento. 11
Em essência, o MPSP busca nesta ação a imposição de medidas de mitigação e compensação de danos alegadamente provocados pela emissão de gases de efeito estufa durante pousos, decolagens e manobras no aeroporto internacional de Guarulhos – o maior da América Latina.
Outras ações semelhantes foram ajuizadas contra outras empresas aéreas, com desdobramentos próprios.
Pontos de destaque considerados na recente decisão (sem entrar, aqui, no mérito quanto à pertinência destes entendimentos): (i) trata-se de atividade lícita; (ii) caberia à Agência Nacional de Aviação Civil regular a matéria (havendo, inclusive, iniciativas da Agência neste sentido); e (iii) a intervenção do Judiciário, assim, violaria os princípios da separação dos Poderes e da segurança jurídica.
Impressionante que tribunais tenham que repetir obviedades para dar fim a conflitos gerados por demandas ideologicamente direcionadas, fruto de assimetrias provenientes da natureza difusa do objeto.
Até quando teremos ministros mais conservadores em nossos tribunais superiores mantendo segurança jurídica… dependerá de extirparmos o populismo e o ativismo – que ressurgem em vários países, em vários continentes, e contaminam nosso ambiente político.
É necessário, portanto, nos debruçarmos sobre a questão – construirmos uma estrutura institucional e um sistema integrado de segurança e clima, para muito além dos debates científicos (igualmente necessários), sobre impactos no ambiente natural ou nas economias formais dos países democraticamente governados.
Ademais, o gerenciamento climático é de abrangência muito maior que o proselitismo das “pegadas de carbono” provenientes de atividades isoladamente vistas. Ele exige um olhar macro-estratégico, integrado e focado nas circularidades do processo econômico e suas externalidades. Deve estar focado, sobretudo, na resiliência humana face aos eventos extremos, que já ocorrem e deverão se acirrar em nosso planeta.
Obrigado.
Notas:
* – PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Reposicionamento da Gestão do Clima no Governo Bolsonaro – Uma Proposta”, in Blog “The Eagle View”, 18Junho2019, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2019/06/reposicionamento-da-gestao-do-clima-no.html
1- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Neoparamilitarismo, Conflitos Assimétricos, Interesses Difusos e Guerra de 4ª Geração”, in Blog “The Eagle View”, 22Outubro2015, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2015/09/paramilitarismo-direito-e-conflitos-de.html
2- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “A Grande Revolução Digital- Parte II” , in Blog “The Eagle View”, 16Junho2014, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2014/06/quick-notes-do-aguia-junho-de-2014-o.html3- SCHLEUSSNER, Carl-Friederich & outros – « Armed-conflict risks enhanced by climate-related disasters in ethnically fractionalized countries », in PNAS – Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 16Agosto2016, visto em 15Dez2020, in https://www.pnas.org/content/113/33/92164- AMBIENTE LEGAL – Redação – “Lançado Mapa dos Conflitos Ambientais no Mundo”, in Portal Ambiente Legal, visto em 22/08/2016, in http://www.ambientelegal.com.br/lancado-mapa-dos-conflitos-ambientais-no-mundo/5- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Clima + Conflito Étnico = Guerra”, in Blog “The Eagle View”, 22Agosto2016, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2016/08/clima-conflito-etnico-guerra.html
6- idem nota 17- idem nota 18- idem nota 1
9 – Expert Group of the IMCCS – « Climate and Security in Brazil », Internacional Military Council on Climate and Security – Washington-DC, USA, 30Nov2020, visto em 15Dez2020, in https://imccs.org/climate-and-security-in-brazil/
10- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro – “Soberania Afirmativa”, in blog “The Eagle View”, 23Set2013, visto em 15Dez2020, in https://www.theeagleview.com.br/2013/09/soberania-afirmativa-sobre-nosso.html
11- STJ – Recurso Especial n. 1856031-SP (2020/0001750-7), Rel. Min. Benedito Gonçalves – DOJ Edição nº 0 – Brasília, Documento eletrônico VDA27480368 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 / Signatário(a): BENEDITO GONÇALVES Assinado em: 14/12/2020 14:58:43/ Publicação no DJe/STJ nº 3047 de 15/12/2020. Código de Controle do Documento: df4d1538-788b-459e-97d0-d104af8530ca
12- PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, “Quando a Água Mata”, in Blog “The Eagle View”, Ago2014, in https://www.theeagleview.com.br/2014/08/quando-agua-mata.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. É diretor da AICA – Agência de Inteligência Corporativa e Ambiental. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 04/07/2021 atualizado 2024
Edição: Ana Alves Alencar
As publicações não expressam necessariamente a opinião dessa revista, mas servem para informação e reflexão.