Por Eliana Rezende
Sampa agoniza…
Sinto-a como uma velha senhora que está morrendo. E morre, não em seu momento de glória e vigor.
Deixa a cena de forma triste… é um corpo obeso que se movimenta com dificuldade: excedeu em muito suas capacidades de acomodar seus volumes imensos.
Suas artérias estão obstruídos e doentes. Não lhe faltam pontos de congestionamentos, deterioração, cicatrizes…
Seu pulmão falha, e quase não respira. Falta-lhe oxigenação. O cinza toma conta do ar que a alimenta.
Seu coração é o mesmo (um centro doente e volumoso) que já não acomoda e nem irriga suficientemente suas extremidades. Muitas partes sofrem a gangrena da pobreza extremada, da violência e de todo o conjunto que a miséria humana consegue patrocinar. O coração que antes batia forte hoje arfa com dificuldades de dar pulsação e ritmo ao que está distante.
Seus intestinos param dia a dia de funcionar. Os dejetos paralisam funções e não fluem como deveriam: seus córregos, rios e esgotos são apenas um caldo de abandono e descaso. Em vez de vida pulsando e se movimentando o que há são vestígios dos restos: que se avolumam como indesejáveis e inservíveis.
A visão turva, opaca e sem brilho lhe impede de enxergar a lucidez que antes via em fachadas, arquiteturas… as cataratas do tempo lhe tiraram a beleza límpida de cores, vistas e formas. É como se apenas silhuetas borrassem seus sentidos. A paisagem que avista é apenas uma sombra triste de um tempo áureo que se foi. A vanguarda arquitetônica é susbstituída por ruínas ou bota-a-baixo todo o tempo… clareiras de cimento se abrem para serem transformadas em áreas de estacionamento ou prédios que massificam e acumulam pessoas em cubículos sem graça.
A velha senhora hoje vive de memórias retrógradas cozinhadas em banho-maria pelo abandono. O espelho mostra o quanto os anos lhe marcaram e trouxeram desgaste e imobilidade. Não se identifica com o reflexo no espelho. Nem mesmo nas suas velhas fotografias.
Suas vestimentas e ornatos estão puídos, largados, sujos… Não possui mais bens de valor e seus adornos quase não existem mais. Expropriadas por tudo e todos. Viu na passagem do tempo suas edificações e equipamentos urbanos ser diuturnamente roubados, quebrados, destruídos.
Já não ouve tão bem: os sons são muitos e lhe sobram apenas ruídos sem nexo. Muito barulho e quase nenhuma nitidez.
E apesar de toda a velhice e decadência, ainda chegam-lhe, ávidos, os que buscam as imagens de seu passado.
Triste confronto a todos, pois no espelho só há uma projeção disforme… de uma passado que se foi…nada além…
Eliana Rezende é diretora da ER Consultoria, Gestão de Informação e Memória Institucional, doutora em História Social – Cultura e Cidades – UNICAMP, mestre pela PUC/SP, especialista em Preservação e Conservação de Colecções de Fotografia – Lisboa, Portugal com participação em vários projetos de política de preservação digital, proteção da memória e gestão documental governamentais e corporativos. Articulista do Portal Ambiente Legal.
Publicado originalmente no Blog Pensados a Tinta
Twitter: @ElianaRezende10
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