Por Talden Farias*
De acordo com o artigo 72 da Lei 9.605/98 (que ficou conhecida como “Lei dos Crimes Ambientais”[1]) as infrações administrativas ambientais são punidas com as seguintes sanções: a) advertência; b) multa simples; c) multa diária; d) apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração; e) destruição ou inutilização do produto; f) suspensão de venda e fabricação do produto; g) embargo de obra ou atividade; h) demolição de obra; i) suspensão parcial ou total de atividades; j) restritiva de direitos. O propósito do presente texto é fazer uma ligeira análise das sanções administrativas ambientais em espécie, fazendo uma continuação do artigo publicado nesta coluna. Em momento posterior será feito uma análise de cada uma dessas penalidades administrativas em um artigo específico.
O objetivo da advertência ou notificação é formalizar a comunicação ao infrator sobre determinada irregularidade, estabelecendo forma e prazo para sua adequação. Trata-se da mais leve das sanções administrativas ambientais, já que de sua imposição não decorre nenhum efeito prático imediato, a não ser o início da contagem do prazo de adequação ao final do qual a atividade poderá ser multada e embargada. Obviamente esse prazo tem que ser factível, pois a Administração Pública tem o dever de agir com lealdade e razoabilidade.
De acordo com o artigo 5º do Decreto 6.514/08, essa é uma sanção aplicada às infrações de menor potencial ofensivo que seriam aquelas em que a multa máxima cominada não ultrapasse o valor de R$ 1.000,00, ou que no caso de multa por unidade de medida a multa aplicável não exceda o valor referido. Existe a crítica de que nesse caso o decreto teria extrapolado a sua função, já que a Lei 9.605/98 não estipulou valor ao exigir que a multa simples seja aplicada após a advertência[2]. A advertência serve para ressaltar a função didática e preventiva dos órgãos ambientais, que muitas vezes são acusados de enfatizar mais a arrecadação do que a defesa do meio ambiente.
A multa é a sanção administrativa ambiental de caráter pecuniário aplicada cujo valor pode variar de R$ 50,00 a R$ 50.000.000,00. O parágrafo 3º do artigo 72 da lei em testilha estabelece que a multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo, não sanar as irregularidades no prazo consignado na advertência ou opuser embaraço à fiscalização. Isso implica dizer que a lei foi clara ao estabelecer a modalidade subjetiva de responsabilidade ambiental administrativa, tema que já foi objeto do artigo.
O artigo 74 da Lei 9.605/1998 dispõe que a multa terá por base a unidade, o hectare, o metro cúbico, o quilograma ou outra medida pertinente de acordo com o objeto jurídico lesado, cabendo ao órgão ambiental especificar e justificar a escolha da unidade de medida aplicável. A multa poderá ser simples, que é aquela aplicada em função de uma infração administrativa ambiental comum, ou diária, que é aquela aplicada em razão de uma infração continuada, nos termos do que estabelece o parágrafo 3º do dispositivo citado.
Normalmente a multa diária é aplicada quando a irregularidade permanece mesmo após a aplicação da multa simples, embora nada impeça que aquela modalidade de multa seja aplicada diretamente. O artigo 73 determina que os valores arrecadados com as multas serão revertidos para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, para o Fundo Naval ou para os fundos estaduais, distrital e municipais de meio ambiente, de acordo com o órgão responsável pela lavratura do auto de infração. É claro que as leis estaduais e municipais deverão dispor de maneira diferente sobre a matéria, tendo em vista a autonomia dos entes federativos.
Por falar em autonomia, é importante destacar que não há problema em o estado ou o município se servir do decreto federal desde que haja expressa previsão legal nesse sentido. Contudo, se dispuser de lei própria sobre o assunto essa mesma entidade não poderá usar norma alheia, pois isso implicaria em desrespeito ao princípio da legalidade, ao princípio da separação de poderes e à própria autonomia política e administrativa, conforme já estudado no artigo.
A multa simples pode ser convertida em prestação de serviços ambientais, contribuindo de forma mais efetiva para a preservação, melhoria e recuperação do meio ambiental, uma vez que o autuado abre mão da discussão administrativa e judicial e o órgão ambiental receberá logo o dinheiro, o qual será aplicado diretamente em finalidades ambientais distintas da que deu causa à multa. Trata-se de uma medida deveras interessante, tendo em vista que o retorno dos benefícios com a aplicação desse dinheiro diretamente pela Administração Pública é sempre mais demorado e oneroso. Essa matéria foi regulamentada pelo Decreto Federal 9.179, que modificou os artigos 139 e seguintes do Decreto 6.514/2008, regulamentando, finalmente, o parágrafo 4° do artigo 72 da lei em comento (assunto que também foi objeto de artigo).
Se o mesmo fato que originou o auto de infração lavrado pelo Ibama foi objeto de multa administrativa aplicada pelo órgão estadual ou pelo órgão municipal de meio ambiente, caberá ao infrator fazer o pagamento junto à entidade que escolher. A Lei 9.605/98 foi clara ao vedar a possibilidade do bis in idem no caso de multas administrativas em matéria ambiental[3].
Não é admissível que uma pessoa sofra duas sanções administrativas semelhantes ao mesmo tempo pelo mesmo fato e sob as mesmas justificativas na mesma esfera de responsabilização jurídica, que no caso é a responsabilidade administrativa. É claro que somente o efetivo pagamento da multa pode justificar o arquivamento do processo administrativo em tramitação nos outros órgãos ambientais.
O embargo é a paralisação da atividade ou da obra em decorrência do descumprimento das condicionantes da licença ambiental ou da inobservância da legislação vigente. Em virtude do princípio da proporcionalidade, a aplicação dessa sanção administrativa se limita à parte irregular do empreendimento[4].
Seria o caso de embargar somente a área do condomínio residencial horizontal que invadiu a área de preservação permanente, não sofrendo o restante nenhum tipo de óbice. Com a comprovação de regularidade ou com a regularização posterior da atividade, o embargo deverá cessar imediatamente.
Não ocorrendo ou não podendo ocorrer a regularização posterior, o embargo se tornará definitivo, devendo ser aplicada a penalidade de demolição no caso de edificações incompatíveis com a legislação ambiental, de maneira que se trata de uma medida preventiva e precaucional. Por conta da autonomia dos entes federativos, somente o órgão ambiental responsável pela imposição da penalidade poderá revê-la, a não ser que ocorra ordem judicial nesse sentido.
Os órgãos integrantes do Sisnama podem reter um bem obtido ou transportado de forma irregular, em função da flagrante irregularidade ou de risco de dano considerável ao meio ambiente. Podem ser apreendidos animais, produtos e subprodutos da fauna e da flora, instrumentos, petrechos, equipamentos e veículos de qualquer natureza utilizados na prática da infração.
Os animais da fauna silvestre serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações, entidades de caráter cientifico, centros de triagem, criadouros regulares ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados, podendo ainda, respeitados os regulamentos vigentes, serem entregues em guarda doméstica provisória. Já os animais domésticos ou exóticos mencionados no deverão ser vendidos, ou doados quando não houver viabilidade econômica na venda.
Os produtos perecíveis e as madeiras sob risco iminente de perecimento serão avaliados e doados a instituições de caráter altruístico, científico ou de saúde. É importante lembrar que o órgão ou entidade ambiental deverá estabelecer mecanismos que assegurem a indenização ao proprietário dos animais vendidos ou doados, pelo valor de avaliação consignado no termo de apreensão, caso esta não seja confirmada na decisão do processo administrativo.
A Administração Pública ambiental poderá destruir ou inutilizar produtos, subprodutos e instrumentos utilizados na prática da infração quando a medida for necessária para evitar o seu uso e aproveitamento indevidos nas situações em que o transporte e a guarda forem inviáveis em face das circunstâncias, ou quando possam expor o meio ambiente a riscos significativos ou comprometer a segurança da população e dos agentes públicos envolvidos na fiscalização. É uma medida preventiva e precaucional adotada para impedir a ocorrência de danos consideráveis ao meio ambiente, mormente no caso de substâncias ou produtos tóxicos, perigosos ou nocivos à saúde humana ou ao meio ambiente.
Por se tratar de uma sanção mais drástica, que comumente implica em prejuízo patrimonial ao autuado, o termo de destruição ou de inutilização deve identificar a avaliação do bem e a justificativa da adoção da penalidade. Impende dizer que o infrator deve se encarregar das despesas, em virtude do princípio do poluidor-pagador.
A demolição é uma das mais rígidas sanções administrativas ambientais, em função do seu caráter drástico e irreversível. Por isso, a penalidade só deve ser aplicada ao final do processo administrativo, tendo em vista o direito à ampla defesa e ao contraditório, pois essa sanção não é dotada de autoexecutoriedade.
As despesas para a realização da demolição correrão às custas do infrator, que será notificado para realizá-la ou para reembolsar aos cofres públicos os gastos que tenham sido efetuados pela administração. Não será aplicada a penalidade de demolição quando, mediante laudo técnico, for comprovado que o desfazimento poderá trazer piores impactos ambientais que sua manutenção, caso em que a autoridade ambiental, mediante decisão fundamentada, deverá, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, impor as medidas necessárias à cessação e mitigação do dano ambiental, observada a legislação em vigor.
A suspensão de venda ou fabricação de produto constitui um mecanismo que visa a evitar a colocação no mercado de produtos e subprodutos oriundos de infração administrativa ao meio ambiente ou que tenha como objetivo interromper o uso contínuo de matéria-prima e subprodutos de origem ilegal. Como se trata de uma medida preventiva e precaucional, o intuito é impedir que produtos nocivos ao meio ambiente ou à saúde humana circulem no mercado.
A suspensão parcial ou total de atividades constitui medida que visa a impedir a continuidade de processos produtivos em desacordo com a legislação ambiental. Cuida-se de uma penalidade drástica, posto que implica na interdição da atividade, devendo ser utilizada apenas quando houver possibilidade de dano significativo ao meio ambiente e/ou à saúde humana.
As sanções administrativas ambientais chamadas de restritivas de direitos são aquelas que impõem uma limitação direta na relação entre o infrator e a Administração Pública. Segundo o artigo 20 do Decreto 6.514/08, são as seguintes as sanções restritivas de direito: i) suspensão de registro, licença ou autorização; ii) cancelamento de registro, licença ou autorização; iii) perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais; iv) perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; e v) proibição de contratar com a Administração Pública.
A validade da sanção restritiva de direitos deverá ser fixada pela autoridade competente, devendo ter o prazo máximo de um ano, exceto para a penalidade de proibição de contratar com a Administração Pública, cujo prazo máximo é de três anos. É claro que a regularização da conduta que deu origem ao auto de infração extingue a sanção aplicada, independentemente de prazo.
[1] A terminologia “Lei de Crimes Ambientais” não é a opção mais adequada tecnicamente, uma vez que a Lei 9.605/98 também dispõe sobre responsabilidade administrativa ambiental (artigos 70 a 76), responsabilidade civil ambiental (artigos 3º e 4º), termo de compromisso (artigo 79-A) e cooperação internacional ambiental (artigos 77 e 78).
[2] Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º: (…) § 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:I – advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; II – opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
[3] Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
[4] “A proporcionalidade entre a restrição imposta pela Administração e o benefício social que se tem em vista, sim, constituem requisito específico para a validade do poder de polícia, como também a correspondência entre a infração cometida e a sanção aplicada, quando se tratar de medida punitiva. Sacrificar um direito ou uma liberdade de um indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social d ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida” (MEIRELLES, Hely Lopes. Estudos e pareceres de direito público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, v. II, p. 14).
*Talden Farias é advogado e professor da UFPB, mestre em Ciências Jurídicas (UFPB), doutor em Recursos Naturais (UFCG) e em Direito da Cidade (Uerj). Autor de publicações nas áreas de Direito Ambiental e Minerário.
Fonte: Conjur