Hora de fazer o que é certo e eficaz.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Muito se tem falado neste período de seca e estiagem, no (des)governo e fora dele.
No entanto, os incêndios devoram nossas matas, campos e plantações, a água falta para o abastecimento, o plantio e a navegação enquanto a população assiste governantes baterem cabeça e a mídia medíocre acenar para o apocalipse climático.
Triste quadro de incompetência e desonestidade intelectual.
O simples descobrimento de inscrições rupestres, ruínas e outros vestígios, na baixa do nível dos rios no Brasil¹, na América do Norte, Europa e Ásia², desmonta completamente o discurso alarmista pretensamente “científico” do fenômeno advir da concentração de gases de efeito estufa produzidos pela ação humana a partir da era industrial.
Hoje se sabe que cidades maias, por exemplo, foram abandonadas por conta de períodos quase seculares de estiagem no continente americano, da mesma forma que alterações nas correntes marítimas nos últimos milênios alteraram biomas inteiros na América do Sul.
Não que não se deva trabalhar com medidas de redução de emissões, até porque a poluição advinda da queima de combustíveis fósseis demanda controle. Mas é necessário ter humildade com relação aos ciclos climáticos, compreender interrelações maiores que as nossas e, também, respeitar os processos geoeconômicos, a geopolítica e a geoeconomia.
No entanto, a insistência infantil em não perceber que a terra possui comportamentos ancestrais, cíclicos ou não, que transcendem… e muito, nossa própria existência³, retira governos inteiros do foco no planejamento da resiliência aos fenômenos climáticos da mesma forma que produz desculpas – as mais esfarrapadas, para governanças incompetentes, afogadas no proselitismo natureba.
A ciência é cética por definição, não comporta consensos ou unanimidades. Essas características fazem com que a inteligência avance na compreensão dos fenômenos que nos cercam. Não à toa a liberdade de pensamento e manifestação é prima-irmã do progresso científico, enquanto a censura e a inquisição buscam impor consensos, estigmatizando como “negacionistas” os que discordam.4
Posto o quadro, entendo ser hora de agir objetivamente, buscando de forma sistematizada sugerir parâmetros para um plano consistente de prevenção e gestão da estiagem – pois o fenômeno tende a se tornar mais agudo a cada ciclo.
Julgo mais acertado, assim, sugerir o seguinte:
Medidas Estruturais para Prevenção de Secas Prolongadas
a- Criação de Reservas Estruturais e de Emergência
I- Construção de barragens e represas é ação necessária de reservação do recurso hídrico, não apenas para a dessedentação como, também, para a geração de energia, produção pesqueira, saneamento e irrigação.
Tive oportunidade de compreender essa necessidade não apenas na região sudeste, no crítico período de seca ocorrido na década passada, como, também, ao analisar, com a equipe de avaliação de impacto ambiental de Belo Monte – para a qual prestei serviços no processo de licenciamento, o quanto a falta de barramento poderia significar a falência a médio prazo do próprio projeto – posto que a enorme vazão do Rio Xingu poderia, com certeza, permitir excelente reservação – necessária nos períodos de estiagem.
O fato é que o discurso pretensamente “preservacionista”, em vigor nas hostes biocentristas da gestão ambiental, guarda relação direta com a ausência de um suporte estrutural de reservação de água – que hoje põe em risco toda a economia das regiões afetadas pela seca – de norte a sul do Brasil.
Hora, portanto, de retomar o planejamento de barragens e represas, com uso misto e sistema que permita navegabilidade, mediante prévio inventário das bacias. Atendendo às demandas geoclimáticas.
II- Estabelecimento de reservas estratégicas de água são medidas estruturantes possíveis de serem executadas com o aproveitamento de obras de contenção e controle de enchentes – permitindo, por exemplo, a reservação parcial de água da chuva em piscinões, devidamente adaptados para manter o recurso em boas condições sanitárias, seja com a criação de uma política de microreservação de água, em condições reguladas, nas novas construções e empreendimentos imobiliários a serem implantados. O sistema poderá, inclusive, incluir as piscinas de lazer e esporte, as quais já são listadas pelos Corpos de Bombeiro como reservas estratégicas contra incêndio.
III- Multiplicação de sistemas de irrigação é outra medida importante, atendendo inclusive à transposição de bacias. Aliás, a Política Nacional de Recursos Hídricos já aparelhou o Estado Brasileiro para gerir um sistema que comporte o uso múltiplo, inclusive para reforçar a produção de alimentos.
Transformar áreas extensas do território nacional em pomares, vinículas e campos de plantio de grãos, é possível nas regiões mais secas do Brasil, bastanto engenhosidade, planejamento e vontade política. Açudes, reservatórios subterrâneos e sistemas de irrigação devem ser planejados e organizados de forma integrada.
Os sistemas de derivação devem abranger, inclusive, as áreas urbanas, que no futuro imediato serão as grandes sedes da hortifruticultura por hidroponia. Aliás, a agricultura urbana é um dos maiores vetores de resiliência e adaptação climática – que deveriam constar como prioridade nos regimes fiscais e de ordenamento urbano nas cidades empenhadas em construir um planejamento climático adequado.
Pessoalmente, levei adiante, quando de minha pioneira gestão climática, à frente da Secretaria de Mudanças Climáticas da maior cidade ao sul do equador: São Paulo, um programa de organização da agricultura urbana – com apoio inclusive do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA; não seguindo adiante no projeto por conta da ação “lacradora” dos que preferem destruir a produzir…
b. Gestão Eficiente de Recursos Hídricos
I- Implementação de sistemas de reuso e reciclagem de água, podem e devem ser acoplados em todos os sistemas estacionários de tratamento de esgoto – em especial no sistema público de saneamento.
De fato, não é mais possível admitir que uma cidade despeje esgoto – ainda que com algum tratamento, poluindo cursos d’água, lagos e mares – desperdiçando água que poderia ser absolutamente reciclada e redistribuída para uso doméstico ou mesmo industrial.
Há de ser fechar o circuito do saneamento com a circularidade econômica integral do recurso hídrico.
Já há tecnologia disponível e unidades em operação no Brasil, com destaque para o sistema de reúso (que só não recicla por desnecessidade em face da finalidade econômica em causa), instalado na Estação de Tratamento da Sabesp na Zona Sudeste da Capital paulista, que já fornece 1m³/s para o Polo Petroquímico de Mauá.
A instalação – inclusive por meio de um regime de concessão suplementar, poderia já estar em curso em todas as capitais do Brasil – e por si só representaria enorme economia na administração de água e prevenção nos período de seca – poupando a superexploração dos reservatórios da água.
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II- Monitoramento e controle da disponibilidade de água é tarefa hoje atribuída a um sistema inteligente de aferição do nível de reservatórios e da vazão dos cursos d’água nas bacias hidrográficas. Um sistema integrado ainda é inexistente no Brasil, e isso não demandaria mais que implementação de pontos de telemetria integrados com sensores de vazão e nível – articulados com Centros de Gerenciamento Climáticos como o Centro de Rastreio e Controle de Satélites do INPE, o CENSIPAM – Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do INPE, o CEMADEN – Centro de Monitoramento de Alertas de Desastres Naturais e o CGE – Centro de Gerenciamento de Emergências da USP. Todos esses sistemas devem integrar dados de interesse hídrico com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico – ANA.
Por óbvio que estados da magnitude de São Paulo – incluso a cidade de São Paulo (respectivamente segundo e terceiros orçamentos do Brasil), podem e devem manter sistemas próprios. em moldes similares, integrados ao sistema nacional.
Mas não adiante manter os sistemas, sem que a eles se acople uma estrutura de análise, planejamento e gerenciamento estratégico do sistema hídrico, integrado ao Sistema Nacional de Gestão dos Recursos Hídricos.
III- Sensoriamento remoto para monitoramento de umidade, integra obviamente todo o sistema de georeferenciamento territorial, indicando onde se deve priorizar políticas de prevenção e resiliência climática face á estiagem.
IV- Desenvolvimento de aplicativos e sistemas de informação para agricultores é consequência da vontade política em implementar todo o sistema de gestão eficiente dos recursos hídricos, pois a tecnologia se retroalimenta continuamente com a inovação.
c.Proteção e Recuperação de Recursos Naturais
I- Reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, deveria ser um programa integrado com os planos de recuperação e preservação das bacias hidrográficas – utilizando inclusive os fundos de reparação de danos ambientais – hoje muito mal utilizados e blindados pela conveniência circunstâncial dos ministérios públicos Federal e estaduais.
Os projetos poderiam ser facilmente alocados, incluindo os elegíveis para o mercado de carbono, a partir de um ecozoneamento integrado, rural e urbano, visando em especial a recuperação de áreas de recarga e infiltração dos aquíferos e nascentes. Considerando o movimento hidrológico, sempre será possível destinar reservatórios à montante dos sistemas de uso múltiplo dos cursos d’água, para propiciar também a recuperação ou reposição da fauna e flora aquática.
II- Conservação do solo (ex: terraceamento, culturas de cobertura), é outro ponto importante de atenção, extremamente importante não apenas para garantir a segurança de populações como também assegurar a produção agrícola e prevenir erosão e assoreamento.
A agricultura regenerativa deveria estar integrada ao uso em grande escala de biofertilizantes, de forma a propiciar recuperação de áreas degradadas e prevenir erosões.
Voçorocas são claro indício de erosão provocada pela perda da cobertura vegetal e carreamento mecânico de terra e sedimentos – algo que pode ser evitado ou corrigido com projetos de recuperação integral do terreno mediante recomposição com rochas, material inerte e aterramento.
O uso de culturas de cobertura e o terraceamento – algo herdado da milenar cultura Inca, há muito poderiam estar presentes em várias paisagens acidentadas no Brasil. Representam formas de bom aproveitamento da geografia para boa utilização das vazões de água, tal qual os hoje chamados “jardins de Chuva” – que muito bem poderiam ser construídos com finalidade agrícola também, nas áreas urbanas.
III- Integração de Políticas Públicas e Gestão, é primordial na elaboração de planos de contingência e emergência, inclusive para melhor aplicação de verebas e esforços nos projetos de prevenção estrutural, intervenção em áreas de risco e logística de abastecimento.
d. Diversificação de Culturas e Tecnologia Agrícola
I – Desenvolvimento de culturas resilientes à seca, constitui um dos pilares da adaptabilidade climática em função da maior resistência humana às intempéries.
Isso exige integração de agências de fomento e pesquisa, como a nossa EMBRAPA, universidades e centros empresariais de pesquisa e aplicação.
Na medida em que dados acumulados com o ecozoneamento e mapeamentos regionais, são confrontados com as áreas expostas a períodos agudos de estiagem, crescem oportunidades de definir melhores escolhas de cultivo e aproveitamento econômico, bem como definições arquitetônicas para os assentamentos humanos nas regiões.
II – Treinamento e capacitação de agricultores, devem se desenvolver de forma integrada, por meio de escolas rurais, escolas técnicas e adaptações curriculáres no ensino público, conforme a localidade da unidade de ensino.
Independente disso, o fomento á agricultura deveria integrar a capacitação de mão de obra – incluso dos proprietários rurais, coligada à finalidade da verba disponibilizada – reduzindo riscos e ampliando a produtividade com qualidade.
III- Campanhas de conscientização e educação sobre uso da água, devem ser programadas e implementadas em conformidade com as previsões e períodos de estiagem, em especial com relação à desidratação, ao desperdício de água, combate á poluição e prevenção de incêndios.
Se as ações acima visam garantir a segurança hídrica, a resiliência e adaptabilidade dos assentamentos humanos e a sustentabilidade da agricultura em áreas vulneráveis à estiagem, é importante que a elas se some todo um programa dedicado a prever padrões de incêndios com base em dados históricos e condições climáticas atuais. Senão vejamos:
Relação entre Sistemas de Prevenção de Secas e Sistemas de Prevenção e Combate a Incêndios
1. Avaliação de Risco e Planejamento:
– Ambos os sistemas demandam avaliação detalhada das condições locais (recursos hídricos no caso de secas e risco de incêndios no caso de queimadas), utilizando tecnologia de georreferenciamento para mapear áreas críticas. Sem isso, não há como encetar planos de contingência e medidas de emergência eficientes e eficazes.
2. Monitoramento e Detecção:
– A implementação de tecnologias de monitoramento das condições do solo e da vegetação é essencial em ambos os casos. Sensores de umidade podem ser utilizados para prevenir secas, enquanto sensores de fumaça, satélites, protosatélites e drones de vigilância ajudam na detecção precoce de incêndios.
3. Gestão Eficiente de Recursos Hídricos e Prevenção:
– O uso responsável da água – o reuso e a conservação do solo, são cruciais para manter a vegetação saudável, o que ajuda a prevenir incêndios.
– O manejo da vegetação, com a criação de faixas de proteção (aceiros) também é relevante, em especial nas monoculturas.
4. Criação de Reservas e Planejamento de Emergência:
– Ambos os sistemas devem obrigatoriamente surgir integrados. Eles enfatizam a importância de reservas estratégicas, seja para armazenar água em períodos de seca ou para garantir a disponibilidade de recursos, equipamentos e pessoal durante a ocorrência de incêndios.
5. Educação e Capacitação:
– O treinamento da comunidade em práticas de manejo sustentável e prevenção de incêndios é componente chave de integração ativa da população na própria proteção, de seus bens e dos recursos naturais.
6. Integração de Políticas Públicas:
– Planos de contingência e medidas de emergência devem ser divulgados nas campanhas de conscientização. Esses planos e medidas são fundamentais, tanto para lidar com os efeitos das secas como para a prevenção e combate de incêndios – é importante que sejam elaborados levando em conta as características, culturas e condições geoeconômicas de cada localidade.
7. Tecnologia e Inovação:
– O uso de tecnologia de sensoriamento remoto e sistemas de análise de dados (incluindo inteligência artificial) é central em ambas as estratégias, permitindo uma resposta mais rápida e eficaz a ambos os problemas.
Conclusão
A interconexão de todas essas medidas demanda um sistema integrado de prevenção de secas e combate a incêndios, nas zonas rurais e nas zonas urbanas.
Um sistema de governança devidamente aparelhado, com um propósito técnico e objetivos definidos, deve ser acompanhado de Ações Estruturais de Prevenção a Secas. Isso irá garantir uma gestão sustentável dos recursos naturais, da agricultura e do meio urbano.
Promover a segurança hídrica e minimizar o risco de incêndios, no período de estiagem, é obrigação valiosa – que dispensa o debate inútil sobre o dilema “ovo ou galinha” em face á questão climática.
Repito – nada disso impede que se desenvolvam políticas de redução de emissões ou estabelecimento de critérios de resiliência e adaptação que envolvam a geração, distribuição e uso de recursos energétivos mais limpos e renováveis.
O que não se pode mais tolerar é a inação, a incompetência, o proselitismo barato, e o apanágio midiático, populista e pleno de factóides, que hoje contamina a gestão ambiental em todo o Brasil, para tragédia do sofrido povo brasileiro.
Como sempre fiz, sempre que necessário se fez, busco aqui dar um contribuição proativa à questão, sem descurar o juízo de valor – essencial para por os pingos em todos os is…
Notas:
1. “Olhar Digital” – Ruínas de forte e gravuras rupestres encontradas após seca do Rio Solimões, in https://olhardigital.com.br/2023/11/03/ciencia-e-espaco/ruinas-de-forte-e-gravuras-rupestres-encontradas-apos-seca-do-rio-solimoes/
2. “BBC News Brazil” – 7 descobertas reveladas pela seca extrema no mundo, in https://www.bbc.com/portuguese/media-62887891
3. PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, “TUDO ESTÁ CONECTADO – APAGÕES NA TERRA, CALOR E FRIO, CICLONES NO MAR, VULCÕES E O SOL”, in https://www.theeagleview.com.br/2023/08/apagoes-na-terra-eletromagnetismo-e-o.html
4. PEDRO, Antonio Fernando Pinheiro, in https://www.theeagleview.com.br/2014/04/mudancas-climaticas-de-biquini.html
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Exerceu o cargo pioneiro de Secretário Executivo de Mudanças Climáticas do Município de São Paulo, de junho de 2021 a julho de 2023. Sócio fundador do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. Foi o 1o. presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, presidente da Câmara Técnica de Legislação do CEBDS, presidente do Comitê de Meio Ambiente da AMCHAM, coordenador da equipe encarregada de elaborar o substitutivo do PL, no mandato do Relator – Dep. Mendes Thame, que resultou na Lei de Política Nacional de Mudanças Climáticas, consultor do governo brasileiro, do Banco Mundial, da ONU e vários outros organismos encarregados de aperfeiçoar o arcabouço legal e institucional do Estado no Brasil. Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle View
Publicação Ambiente Legal, 10/09/2024
Edição: Ana Alves Alencar
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