BREVE ANÁLISE DO SEU STATUS NO BRASIL
Caso complexo de descontaminação de área por metais pesados – atenção ao seguro por
poluição gradual
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
A preocupação com relação a prejuízos causados ao meio ambiente e os custos para remediação dos danos vêm crescendo desde a 2 ª Guerra Mundial.
Por sua vez, o mercado de seguros ambientais desenvolveu-se aceleradamente durante os anos 90, principalmente nos Estados Unidos da América do Norte, mas também em outros países como a França e a Suíça, apesar de já existir desde a década de 70 apólices de responsabilidade civil que contemplavam ressarcimento por danos causados por poluição súbita e acidental.
Não havia segredo, pois a poluição súbita é sinistro abrangido pelos mesmos mecanismos do seguro de responsabilidade civil por acidentes.
Poluição gradual e dano ecológico puro
O “X” da questão, que leva a resistências compreensíveis no mercado segurador, reside na cobertura por poluição gradual, ou seja, contaminação causada pela dispersão permanente e gradual de poluentes, resultando na contaminação do solo, água e danos a pessoas, fauna e flora, no espaço de anos.
A dificuldade de mensuração desse tipo de ocorrência, sua definição temporal e alcance do evento que demande a indenização, gera conflitos em todo o mundo.
Nos Estados Unidos, a cobertura é comercializada individualmente pelas seguradoras, com respaldo dos resseguradores.
O regime jurídico da “common law” permite o estabelecimento de critérios diferenciados de responsabilização por dano ambiental e redação de clausulas bastante amplas nos contratos de cobertura de seguros. Um bom exemplo são os “danos ecológicos puros” – que garantem textualmente indenização pela “perda de uso” de determinado local atingido pelo desastre ecológico.
Contaminação gradual é o X da questão
Na Europa, houve a inclusão do seguro contra poluição gradual na modalidade de seguro ambiental.
França, Holanda e Itália são alguns dos países que adotaram esse tipo de seguro, que é coberto por um pool de seguradoras.
Em todos os casos há limitação, ou seja, um teto para a cobertura oferecida.
Segundo a Diretiva Europeia 2004/35/CE, há responsabilização civil ambiental diferenciada de acordo com a classificação das atividades econômicas e profissionais em causa, fator que permite a adoção voluntária de um contrato de seguro pelos operadores de atividades potencialmente poluentes, pois há mensuração criteriosa de responsabilização e modelos pré-definidos de indenização, estabelecidos pela Diretiva, a qual, diga-se, deverá ser objeto de revisão em 2014.
O Seguro Ambiental no Brasil
No Brasil, a história da consolidação do mecanismo do seguro ambiental data de quase cinquenta anos.
Em 1967 foi criada a Divisão de Responsabilidade Civil Geral no âmbito do IRB (Instituto de Resseguros do Brasil), sendo que desde aquela época são previstas condições especiais de cobertura para o risco de poluição, contaminação e vazamento, desde que originados de um acontecimento súbito e acidental, ocorrido na vigência do contrato de seguro.
Projetos de lei tramitaram e tramitam em várias unidades da federação. Tentando vincular o licenciamento ambiental ao sistema de controle, avaliação de risco, licenciamento e responsabilização por danos ambientais.
No estado do Rio de Janeiro já se procurou estabelecer um seguro ambiental nominal, pouco efetivo e de validade legal duvidosa, que poderia vir a ser exigido pela autoridade no bojo de uma auditoria ambiental compulsória junto a atividades potencialmente poluidoras.
No estado de São Paulo, o Conselho Estadual do Meio Ambiente debruçou-se sobre uma minuta de decreto que visa regulamentar a Lei Estadual n° 13.577/2009 (que dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção da qualidade do solo e gerenciamento de áreas contaminadas).
O colegiado concluiu, no entanto, pela não obrigatoriedade na contratação do Seguro, embora a legislação estadual estabeleça o instrumento dentre as garantias para remediação das áreas contaminadas e o mesmo conste no Decreto nº 59.263, de 5 de junho de 2013, resultante da análise.
A CETESB – a agência ambiental paulista, pretende voltar à carga no que tange ao seguro ambiental para as áreas contaminadas – inserindo-o por meio de Deliberação de Diretoria sobre a gestão dessas áreas e garantia do processo de descontaminação.
No âmbito federal já foi arquivado o Projeto de Lei nº 937, da Câmara. No entanto, ainda vegeta nos escaninhos do parlamento nacional o Projeto de Lei nº 2.313, de 2003, que condiciona a concessão de licenças ambientais à contratação de seguros de responsabilidade civil por danos ambientais, auditoria ambiental e contratação de técnicos especializados para acompanhar o empreendimento.
O Projeto de Lei 3.876/2008, por sua vez, pretende alterar a Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, prevendo a contratação opcional de seguro de responsabilidade civil por risco e dano ambiental, no momento da emissão da licença ambiental prévia, como forma de permitir o início imediato da obra.
O fato é que, a despeito desses projetos de lei, o mercado segurador brasileiro já contempla coberturas de riscos de poluição, como se verá adiante.
Legislação em vigor
No campo dos marcos legais efetivos, há a Lei de Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei Federal 12.305/2010 onde o “Seguro Ambiental” é tratado no artigo 40 que reza:
“Art. 40. No licenciamento ambiental de empreendimentos ou atividades que operem com resíduos perigosos, o órgão licenciador do Sisnama pode exigir a contratação de seguro de responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente ou à saúde pública, observadas as regras sobre cobertura e os limites máximos de contratação fixados em regulamento.
Parágrafo único. O disposto no caput considerará o porte da empresa, conforme regulamento.”
O Decreto regulamentador da lei endereça o estabelecimento dos limites máximos de contratação ao Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP.
O CNSP já acata, há anos, modalidades de seguros tais como o de risco de vazamento durante o transporte rodoviário de mercadorias, risco de derrame de petróleo e/ou derivados e riscos decorrentes da prospecção e produção de petróleo (Petrobrás possui este tipo de seguro) e riscos decorrentes da produção de energia nuclear, como se verá adiante.
A regulação desenvolveu critérios e normas bastante amplos – visando principalmente atender à demanda decorrente da implantação da infraestrutura nacional, obras civis e logística.
Nesse sentido, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, vinculada ao Ministério da Fazenda e órgão regulador da matéria no Brasil, desde 2010 vem estabelecendo premissas e condições para os seguros decorrentes de:
a) Dano Ambiental por Poluição (processo SUSEP n.15.414.2327/2010-66);
b) Atividades de empreiteiras (2208/2010-59);
c) Transporte de produtos tóxicos e outros produtos poluentes (4009/2011); e
d) Projetos de infraestrutura (1410/2013-16).
O quadro legal, embora compreensível, ainda é conflitante, desestimulando parcela do mercado segurador, e isso decorre de problemas de ordem conceitual e de implementação.
Culpa, responsabilidade e limites
A razão conceitual decorre da aplicação a casos complexos da regra muito genérica, de responsabilidade civil objetiva, estatuída no parágrafo 1º. do art. 14 da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente – Lei Federal 6.938/1981.
A regra institui responsabilização do POLUIDOR independentemente de CULPA – contratual ou extracontratual.
A Lei conceitua poluidor como qualquer pessoa, física ou jurídica, responsável “direta ou indiretamente” por atividade que causa degradação ambiental.
Tragédias, como a lama da SAMARCO,exigem pronta atuação do Estado, já, nascontaminações graduais, quando o assuntovem à tona, o Estado tem dificuldades paratransferir a reparação aos responsáveis
A amplitude conceitual de quem seja o responsável, aliada ao estabelecimento de mecanismos de indenização ilimitados – e sem critérios normativos de como se dariam no caso de reparação do dano – torna o contrato de seguro uma espécie de chute no escuro.
De fato, há um volume de salvaguardas de parte a parte que praticamente condiciona o resgate da cobertura à obtenção de uma resolução do conflito no âmbito do judiciário…
A questão do limite da cobertura também é complicada.
A margem de segurança para a viabilidade do negócio necessita de mecanismo de regulação contratual firmemente posto entre as partes, e com critérios similares aos estabelecidos para a responsabilização na esfera europeia.
Esses limites tornariam o sistema indene de questionamentos judiciais por elementos externos à relação contratual – em especial o Ministério Público.
Mercado e enforcement
A pouca prática do seguro ambiental no país, não deriva, no entanto, apenas da indefinição legal (cuja lei de resíduos sólidos, como acima visto, procurou setorialmente corrigir).
A falta de estímulo ainda decorre, sem dúvida, da falta de punibilidade das empresas causadoras de danos ao meio ambiente.
A impunidade em causa, não se refere aos acidentes ambientais súbitos – como é o caso dos grandes desastres observados nos últimos anos mas, sim, face à apuração de danos decorrentes da poluição gradual.
Trata-se, como já dito no início, do grande “x da questão”, pois o processo todo é complexo, seja no que tange à apuração e extensão do dano, seja na definição dos responsáveis, seja no que tange à forma de sua remediação.
Por conta disso, a poluição gradual fica sujeita à intervenção administrativa da autoridade ambiental na condução da resolução dos conflitos dela decorrentes, geralmente por meio de planos de remediação longos e complexos.
Essa intervenção administrativa – com exceção talvez do estado de São Paulo, cuja agência (CETESB), possui uma ação mais clara e definida – revela-se, quase sempre, decepcionante.
O Estado brasileiro, por meio de suas agencias, nos casos de repercussão, dada a emergência midiática e à pressão política, não raro assume a remediação imediata dos danos causados ao meio ambiente, transferindo ao contribuinte os custos que deveriam ser arcados pelos particulares, responsáveis pelas emissões, acidentais ou não.
A responsabilização do poluidor efetivo, desse modo, é tranferida para um momento incerto, para um posterius, não raro judicializado.
Mudança cultural
Tais seguros demandam mudanças na cultura das partes contratantes, e governança corporativa.
No âmbito dos negócios sustentáveis, que envolvam o seguro, a empresa que pretende fazer uma apólice de seguro de responsabilidade civil por poluição ambiental, deverá contar com um Sistema de Gestão Ambiental – SGA eficiente, que contemple um bom programa de gerenciamento de risco e monitoramento ambiental.
A seguradora, para fazer uma análise preliminar do risco e, estabelecer o prêmio em função das práticas de gestão adotadas pelo segurado, deverá efetuar uma inspeção ou mesmo uma auditoria ambiental, o que implica dizer que a empresa deve estar suficientemente preparada, para abrir suas portas para a seguradora, que levará em conta diversos aspectos, dentre outros, a localização do risco segurável e sua provável extensão e, do grau de risco associado à atividade que exerce.
As condições objetivas, portanto, demonstram que é primeiro de tudo necessário que o seguro ambiental, em suas inúmeras modalidades, seja praticado no Brasil com maior frequência, oferecendo base mais sólida ao patrimônio empresarial brasileiro.
Nunca é demais, por fim, afirmar que a questão ambiental é um eterno porvir, demandando capacidade plena de previsão e prevenção nas atividades econômicas que compõe nossa economia, economia essa cada vez mais impactante.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
Fonte: The Eagle