O tema abordado neste artigo ainda é pouco discutido no país e seu autor afirma que tudo o que existe hoje carece de profunda reformulação. O Judiciário tem papel preponderante no incremento desse segmento, na medida em que as empresas forem cada vez mais responsabilizadas pelos acidentes ocorridos, mais e mais será necessária a contratação de seguros pertinentes.
Por Walter Polido2
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Art. 225 da Constituição Federal do Brasil)
Impossível esgotar o tema em apenas uma breve apresentação. Relacionar as questões do meio ambiente ao direito de modo geral, e também ao mundo securitário dos contratos de seguros, é quase uma arte. No Brasil, a matéria é basicamente inédita, pois o mercado segurador pouco avançou nesse segmento, devendo empreender muitos esforços para promovê-lo, até mesmo em função do anseio da sociedade e do público consumidor desse tipo de seguro.
Nas duas últimas décadas, a complexa relação entre as atividades humanas e o meio ambiente tem se tornado uma das maiores preocupações, de âmbito global, com importantes repercussões políticas, legais e econômicas, envolvendo a sociedade como um todo. O “desenvolvimento sustentável”, fortificado através da Conferência Mundial Rio-92, ocorrida no Brasil, constitui caminho sem volta e não só as futuras gerações, mas também a presente dependem da sua assimilação e da sua aplicação maximizadas.
Desenvolvimento sustentável -> O que é isso?
Quando da prévia elaboração da Rio-92, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, no ano de 1987, diagnosticou, entre outros pontos – a questão do “desenvolvimento sustentável”, podendo ser resumido o conceito dentro dos seguintes termos: “O desenvolvimento sustentável procura atender às necessidades e aspirações do presente sem comprometer a capacidade de também atender às do futuro. Longe de reivindicar a cessação do crescimento econômico, reconhece que os problemas de pobreza e subdesenvolvimento não podem ser resolvidos se não ingressarmos numa nova era de crescimento, na qual os países em desenvolvimento desempenhem papel importante e colham benefícios expressivos” (WCED – World Commission on Environment and Development 1987)
Ecoeficiência -> desenvolvimento econômico + indicadores ambientais + promoção social
Com base no princípio emanado pela ideia de “desenvolvimento sustentável” – algumas das grandes corporações financeiro-industriais buscam índices de “ecoeficiência”. Começam então a ocorrer mudanças radicais no comportamento das empresas – de produtoras de coisas ou bens elas passam para prestadoras de serviços. Através deste sistema, elas simplificam suas operações e também minimizam os riscos de danos ambientais. A indústria que deixa de processar produtos tóxicos e contaminantes em pequenos recipientes, passando a aplicá-los diretamente – em grande monta – nos locais ocupados por seus principais clientes e consumidores, evita, no mínimo, a produção de resíduos indesejáveis em larga escala. Este é o caminho da mudança. A isto se atribui o termo “ecoeficiência”. Ao mesmo tempo, o processo atrela a “inclusão social” do entorno da fábrica e de toda a comunidade com a qual ela se relaciona – cujo item, associado aos indicadores ambientais – certamente promovem o bom desempenho econômico, beneficiando a cadeia toda – que é a sociedade. O desenvolvimento sustentável, portanto, está apoiado no tripé: preservação ambiental + inclusão social + desenvolvimento econômico. Não há outra saída para o planeta. A fórmula parece ter sido encontrada. Basta, contudo, que seja aplicada de maneira global.
Para o aprofundamento desta estimulante matéria é recomendada a leitura analítica da obra “Cumprindo o Prometido” – Casos de sucesso de desenvolvimento sustentável, incluindo seis exemplos brasileiros, de Charles O . Holliday Jr. (Chairman & CEO, DuPont), Stephan Schmidheiny (Chairman, Anova Holding AG) e Philip Watts (Chairman of the Royal Dutch/Shell Group), Editora Campus, 2ª edição, 2002.
É possível cobrir o risco ambiental através de um contrato de seguro? Como?
Diante desta reflexão, os mercados de seguros, em diversos países do mundo, têm buscado aprimorar os mecanismos relacionados com a proteção securitária dos riscos ambientais, criando soluções que tornem cada vez mais compatíveis as expectativas da sociedade com as reais possibilidades do mercado segurador. Várias são as questões relacionadas e o segmento se torna, a cada dia, uma disciplina complexa e necessariamente apartada dos demais segmentos de seguros, dada a sua especificidade. Diante das questões que envolvem também a segurabilidade dos riscos dessa natureza os quais, por definição, apresentam um conjunto de variáveis de alta complexidade, permeando também a esfera dos chamados “danos ecológicos puros”, nem sempre há uma perfeita sintonia entre o risco e a cobertura do seguro – no mundo todo. Desta maneira, a matéria é tratada com extrema cautela pelos diversos países e respectivos mercados de seguros, sendo que os avanços vêm sendo alcançados de forma paulatina. Não há, em princípio, fórmulas totalmente prontas e já sobejamente conhecidas e testadas neste segmento.
Nos USA, a cobertura é comercializada individualmente pelas seguradoras, com o respaldo dos seus resseguradores. Os norte-Americanos, até mesmo pelo regime jurídico da “common law” – sempre foram mais arrojados em matéria de responsabilização por danos ambientais e, por isso mesmo, existem naquele país clausulados de coberturas de seguros bastante amplos, abrangendo inclusive os chamados “danos ecológicos puros” – pois que garantem textualmente a “perda de uso” de determinado local atingido pelo desastre ecológico. Tal mercado, sendo o mais desenvolvido nesta área especial de seguros, uma vez iniciadas as operações neste segmento nos anos oitenta, certamente deverá ser copiado pelo resto do mundo.
Na Europa os seguros para riscos ambientais não são sobejamente desenvolvidos, nos dias atuais, como se pode equivocadamente imaginar que são. Somente a partir da recente promulgação da Diretiva 2004/35/CE, de 21.04.2004, a qual busca a responsabilização individualizada do causador do dano ambiental – reconhecidamente direito difuso e não mais da área restrita da responsabilidade civil que trata da propriedade privada – os seguros ambientais poderão se desenvolver naquele continente. Até o momento, os modelos de apólices européias se mostraram extremamente modestos ou quase inconsistentes – haja vista a cobertura restrita, na maioria deles, àqueles danos causados às propriedade “tangíveis”; na contramão, portanto, do metaindividual, do macrobem, do supraindividual.
Não há mais dúvida no mundo esclarecido sobre o risco ambiental, de que o “instituto da responsabilidade civil” não é mais suficiente para abraçar esse segmento, que o supera completamente. O Brasil, vanguardista na legislação ambiental, incluindo a Constituição Federal de 1988, inova sempre e a jurisprudência pátria já adota conceitos amplos, tal como na questão do “dano moral ambiental”. O “Direito Ambiental” se destaca a cada dia, constituindo disciplina autônoma, como bem sinaliza. O princípio “poluidor-pagador” é inquestionável e tem sido aplicado sistematicamente na legislação nacional e mundial. A questão ambiental não tem fronteiras. Ela é global, por excelência.
No Brasil, os seguros referentes aos riscos ambientais existem de forma bastante singela, sendo que determinadas parcelas de riscos vêm sendo acobertadas através de vários ramos e cada qual de acordo com os riscos e as “atividades” desenvolvidas pelos segurados. Novos modelos deverão surgir no futuro próximo, com novos conceitos e tratamentos diferenciados. Tudo o que existe hoje carece de profunda reformulação. Modelos de apólices mais modernas são raros, ainda.
Cobertura básica – Mercados de Seguros Internacionais e Nacional
Os mercados, ao longo dos últimos vinte anos, vêm acobertando o risco de natureza “súbita” e “acidental” – para os danos ambientais – cujos eventos trazem consigo o caráter repentino, inesperado – ocorridos durante a vigência da apólice. A poluição “gradual” – de natureza paulatina, de longa latência – onde entre o fato gerador ou a causa primeira e a real manifestação do dano ambiental – muito tempo pode transcorrer, não encontra cobertura facilitada nos mercados internacionais e também no Brasil.
Trata-se de seguro complexo, de alta tecnologia, o qual enseja “underwriting” (análise para a aceitação/recusa de riscos) minucioso e especializado, além de requerer inspeções técnicas prévias nos locais dos riscos – as quais devem ser realizadas por profissionais também especializados e de conhecimentos multidisciplinares (geólogos, sanitaristas, biólogos, engenheiros etc.).
De ordem técnica – vários são os problemas ou pontos conflitantes encontrados nesse segmento, para os quais ensejaria discussões mais demoradas – sobre cada um deles:
-> Multas e demais sanções. Esta parcela de risco não se encontra coberta por nenhum tipo de apólice de risco ambiental, face ao caráter punitivo, intransferível para o segurador.
-> Ambigüidade dos termos legais, os quais dificultam a aplicação da lei e a redação dos clausulados de coberturas.
-> Risco de Desenvolvimento – “State of the Art”. Estágio atual do conhecimento; por exemplo, em relação às emissões toleradas. Ao mesmo tempo, existe a possibilidade da ciência desconhecer a capacidade nociva de determinados produtos ou processos, tal como aconteceu em relação ao amianto e o ascarel. Na maioria das vezes, esta parcela de risco encontra-se excluída da cobertura oferecida pelos contratos de seguros ambientais.
-> Chuva ácida. “Causa-Efeito” dificultada na apuração, face à freqüente participação de várias fontes poluidoras.
-> Tantos outros pontos poderiam ser citados e comentados nesta oportunidade.
As apólices disponíveis para riscos ambientais, na maioria das vezes, acobertam as seguintes e principais seções de riscos e despesas:
(i) Poluição súbita
(ii) Poluição gradual
(iii) Despesas de contenção de sinistros (medidas emergenciais tomadas diante de um incidente ocorrido e de modo a evitar o sinistro de poluição ambiental propriamente dito)
(iv) Honorários advocatícios e custas Judiciais para a defesa do segurado.
A partir dessas seções, vários são os modelos disponibilizados, ora mais ora menos abrangentes, e podendo envolver uma série de atividades ou segmentos da atividade humana:
• Riscos Industriais
• Riscos do Petróleo
• Riscos Nucleares
• Seguros para Empresas de Transportes Rodoviários, Aquáticos e Ferroviários de produtos perigosos
• Seguros para Aterros Sanitários
• Seguros para Aeroportos e Portos
• Seguros para Obras em Construção ou Instalação e Montagem
• Seguros para Tanques Subterrâneos
• Seguros para Descontaminação de Solos
• Riscos de Garantia – para o TAC – Termo de Ajustamento de Conduta, por exemplo. Este segmento, novo no mercado brasileiro, pode oferecer uma garantia extraordinária ao instrumento, pois que novo agente entra na relação, com interesse de que a obrigação de fazer seja executada de fato – pela seguradora.
• Riscos Profissionais – para coberturas de erros e omissões no desempenho de atividades múltiplas, tal como a Certificação Ambiental, Agentes Certificadores de projetos voltados para as mudanças climáticas – Protocolo de Kyoto; empresas de engenharia ambiental etc..
• Riscos de Diretores e Administradores – D&O.
O Judiciário tem papel preponderante no incremento deste segmento de seguro no país. Na medida em que as empresas forem cada vez mais responsabilizadas pelos acidentes ocorridos, mais e mais será necessária a contratação de seguros pertinentes. Embora a legislação brasileira seja extremamente moderna e rígida contra os empresários em matéria de meio ambiente, não existe o aparelhamento adequado do poder judiciário – em nível nacional – para instrumentalizar as prerrogativas legais. Dos inúmeros acidentes que ocorrem no país, com reflexos de danos ao meio ambiente – transportes rodoviários e ferroviários – acidentes nas indústrias e nas empresas de serviços em geral – poucos chegam ao Judiciário.
A obrigatoriedade ou não do seguro ambiental
No plano da natureza do contrato de seguro ambiental, deve ser afastada qualquer medida impositiva, em particular aquela que torna a contratação do seguro obrigatória, por ser totalmente incompatível com a natureza do risco e o estágio de desenvolvimento ainda precário deste segmento de seguro no país. Algumas premissas podem ser enunciadas como justificadoras da não obrigatoriedade do seguro ambiental:
(i) o seguro obrigatório não espelha a realidade do mercado segurador e a obrigatoriedade impede o desenvolvimento de experiências próprias de cada seguradora.
(ii) o seguro obrigatório é instrumento ineficaz, na medida em que não consegue a adesão integral dos seguradores quanto a aceitação dos riscos inerentes. Deve ser preservado – sempre – o direito do segurador de avaliar, mensurar e tarifar cada risco, de acordo com seus métodos próprios.
(iii) não é função do mercado segurador controlar o cumprimento de normas ambientais – relativas à segurança e prevenção de acidentes. A tarefa é de competência original da Administração Pública. O seguro não pode ser transformado, de forma alguma, em “licença” para poluir.
(iv) a compulsoriedade do seguro poderá apresentar impacto negativo para pequenos e médios negócios, inviabilizando-os – caso a apólice de seguro venha a ser considerada como instrumento para a autorização de funcionamento das empresas.
(v) em última instância, o seguro deve ser apenas mais uma “garantia financeira” – entre outras – de livre opção para o cidadão-empreendedor, que o ordenamento jurídico pode exigir.
Também na Europa não há incentivos quanto a obrigatoriedade do seguro ambiental, enquanto que ele deve ser apenas mais um entre outros instrumentos de prevenção e de recuperação do meio ambiente – no caso de acidentes. A garantia financeira, representada pelo contrato de seguro, não pode ser colocada como condição única para o empreendedor. Seguro não é tributo e, também por isso, não deve ser exigido de maneira impositiva. Deve ser mantido às seguradoras, enquanto segmento econômico da iniciativa privada – nos termos constitucionais brasileiros, o direito de recusa para àqueles riscos indesejáveis. Nenhum tipo de seguro, mesmo de natureza obrigatória, poderá, portanto, alterar esse princípio básico inscrito na CF.
Muitos países da União Européia, de maneira a permitirem que o segmento pudesse melhor se desenvolver, formaram Pools (consórcios) de Co-Seguros ou de Resseguros, comercializando exclusivamente os seguros ambientais. Nem sempre os sistemas tradicionais de seguros e resseguros podem resolver a questão da cobertura para riscos tão complexos e de alta exposição a sinistros requerendo, portanto, soluções extraordinárias. Outros segmentos adotam o mesmo sistema: riscos atômicos e produtos farmacêuticos, por exemplo.
Trata-se, sem dúvida, de um novo, amplo e extremamente complexo segmento ainda não explorado na sua totalidade pelo mercado segurador brasileiro e quiçá mundial. Apenas os USA já desenvolveram esse segmento, desde os anos 80, com forte expressão. O Brasil certamente encontrará o seu caminho.
2Walter Polido é diretor técnico e jurídico da Münchener do Brasil Serviços Técnicos Ltda. (Munich Re Group)