Por Maria Fernanda Ziegler e José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
Existe uma anedota sempre repetida pelos pesquisadores da área de e-agriculture. Ela afirma que, há alguns anos, os agricultores diziam aos filhos que deveriam estudar se quisessem deixar o campo e ir para a cidade. Agora, prossegue a anedota, o conselho mudou: os filhos precisam estudar para poderem continuar no campo.
Mudanças estão em curso: não só na produção, mas também na gestão. Com a junção de big data e Internet das Coisas, plantas e animais serão os sinalizadores da tomada de decisão do produtor rural. Isso porque, indo além da “agricultura de precisão”, que utiliza tecnologia da informação para analisar variáveis como clima e solo, passam a contar também os sinais emitidos pelas plantas e animais na tomada de decisão do produtor.
“Não é exagero dizer que, nos próximos 10 anos, teremos a planta e o animal respondendo a cada estímulo no sistema produtivo. As decisões quanto à produção vegetal e ao bem-estar animal serão tomadas a partir de dados coletados por biossensores implantados em cada planta e em cada animal”, disse Iran Oliveira da Silva, professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo.
Silva foi um dos palestrantes do Workshop eScience “O Rural na Era Digital”, realizado no auditório da FAPESP, e que teve como eixo examinar mudanças no meio rural provocadas pela adoção da tecnologia da informação.
“No futuro, os animais vão falar e vocês vão se lembrar de mim. Essa capacidade de tomar decisões a partir de sinais emitidos pelos animais já é uma realidade nas pesquisas científicas em vários lugares do mundo. Existem estudos em bioacústica e na vocalização de animais que permitem compreender a expressão do animal a partir da frequência sonora. Há uma tecnologia belga que possibilita que o veterinário tenha, a partir da captação do som ambiente, a informação de se parte do rebanho está com doenças como diarreia ou tuberculose, por exemplo. Tudo com menos de 1% de erros”, afirmou.
No workshop, pesquisadores de instituições do Estado de São Paulo discutiram as possibilidades futuras da produção agrícola no Brasil. Tudo em um cenário em que será comum ver campos de soja, lavouras de café e criadouros de frangos e boi repletos de sensores, que produzirão dados e informações sobre a necessidade de maior irrigação, ventilação, alterações no solo ou administração de medicamentos.
“Além de sensores e chips e do uso de biomarcadores, existe uma tendência forte de adoção de microdrones, como uma espécie de mosquitinho com câmeras e sensores. Além de coletarem milhares de dados, os microdrones também podem fazer polinização”, destacou Jansle Vieira Rocha, professor da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Feagri/Unicamp).
Rocha acredita que, principalmente em cenários de grandes transformações, como o da produção agrícola, há espaço para fazer futurologia. “Precisamos pensar para a frente, em inovações. Temos que aproveitar seminários e encontros como este não só para mostrar os resultados acadêmicos, mas também para pensar em soluções de problemas que ainda não temos”, enfatizou.
Ele afirma que a agricultura brasileira é vanguarda em uma série de domínios, como o plantio direto e a integração lavoura-pecuária-floresta, que já conta com 11,5 bilhões de hectares no país, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Muito do nosso sucesso tem como base a pesquisa científica apoiada pela Embrapa, mas na parte de informações (tecnologia de sensores e de imagens) ainda estamos correndo atrás do que existe lá fora”, disse.
Uma das questões centrais da e-agriculture é fazer com que vários tipos de dados gerados continuamente por sensores em plantas, animais, caminhões e máquinas possam ser combinados com dados climáticos e de produção para assim se transformarem em informação relevante para o produtor rural.
“Estas são discussões típicas da chamada e-science, que permite que pesquisadores associados à pesquisa em computação possam dialogar e entender os problemas de outra área da ciência. É importante garantir esse diálogo”, ponderou Claudia Bauzer Medeiros, coordenadora-adjunta do Programa FAPESP de Pesquisa em eScience e Data Science e organizadora do workshop.
Para os pesquisadores que participaram do evento, para que a e-agriculture se torne realidade é preciso apostar na multidisciplinaridade.
“É muito importante avaliar a questão da multidisciplinaridade profissional no campo. Estamos vivendo o momento da Internet das Coisas, da alta tecnologia e análise de dados nas lavouras e na pecuária. Por isso, é fundamental que os vários profissionais – zootecnista, veterinário, agrônomo, engenheiro de biossistemas, engenheiro agrícola de computação – possam sentar em uma mesma mesa para resolver os problemas”, disse Silva.
Conectividade no campo
Outro principal entrave para que a e-agriculture deslanche no Brasil é a conectividade na área rural. “A conectividade incipiente no campo dificulta o avanço tecnológico no agronegócio. É só percorrer o país para notar a existência de áreas enormes sem nenhum sinal. Em estados como o Mato Grosso, por exemplo, grande produtor de soja, é possível correr 400 quilômetros sem sinal. Aqui, no Estado de São Paulo, temos áreas próximas de cidades importantes, com um raio de 36 quilômetros, sem rede”, informou Carlos Lorena Neto, engenheiro do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), durante palestra.
“As operadoras de telefonia não têm interesse em instalar antenas nessas áreas. Não é economicamente interessante. Porém, existem soluções para que o produtor rural possa usar da tecnologia em rede”, acrescentou ele à Agência FAPESP.
No workshop, Lorena Neto apresentou projeto de transição tecnológica em direção à realidade da Internet das Coisas com o Grupo São Martinho. Localizadas na cidade de Pradópolis (SP), as propriedades rurais do Grupo produzem 10 milhões de toneladas de cana-de-açúcar por ano e contam com 84 quilômetros de raio, a maior parte sem cobertura de celular.
Com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no âmbito do Plano de Apoio Conjunto à Inovação Tecnológica Agrícola no Setor Sucroenergético (PAISS Agrícola), o projeto contou com o desenvolvimento de uma plataforma integrada de comunicação móvel em banda larga e sensoriamento, para viabilizar aplicações como o controle de máquinas agrícolas em tempo real e a rastreabilidade da cana-de-açúcar da colheita até a indústria.
“Criamos uma estação de rádiobase, similar à que as operadoras de celular usam, só que ela opera em uma frequência diferente que propicia uma propagação melhor, o sinal de rádio vai mais longe. A base é conectada com sensores [que monitoram a localização e o funcionamento das máquinas da usina] que mandam os dados para essa rede”, detalhou.
Vaca monitorada
Lenira El Faro Zadra, pesquisadora do Instituto de Zootecnia da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), apresentou o estado da arte na área do sensoriamento do gado bovino destinado à produção de leite. Múltiplas variáveis, como consumo alimentar, temperatura, saúde do casco, saúde do úbere, composição do leite, emissão de metano etc., já podem ser monitoradas atualmente, por meio de sensores aplicados no corpo do animal ou em diferentes equipamentos da fazenda.
“Um sensor específico, voltado para monitorar a movimentação e a temperatura de vacas de altíssima produção de leite, está disponível no mercado, produzido por empresa austríaca. Inserido, pelo esôfago, na cavidade retículo-ruminal da vaca, o equipamento registra a temperatura do animal a cada 10 minutos”, disse.
Os dados coletados permitem detectar não apenas o estresse calórico ou a ocorrência de febre devido a algum tipo de doença, mas também, e principalmente, as variações de temperatura associadas ao processo reprodutivo. “Há aumento de temperatura durante o estro, cerca de 24 horas antes do aceite da monta, e diminuição de temperatura antes do parto”, informou a pesquisadora.
O sensor, de formato cilíndrico, tem 13 centímetros de comprimento e entre dois e três centímetros de diâmetro, armazena dados durante 50 dias e os descarrega quando o animal se aproxima da base. Dotado de bateria, funciona durante quatro anos.
Outro sensor, produzido pelo mesmo fabricante, com tempo de operação de 150 dias, destina-se a medir o pH ruminal em função da dieta. O objetivo, no caso, é saber se as dietas especiais, oferecidas às vacas de altíssima produtividade, são bem recebidas pelo animal ou podem eventualmente causar alguma variação indesejável de acidez no trato digestivo. Uma vez inseridos, tanto um sensor como o outro não podem ser retirados do corpo do animal.
Fonte: AgênciaFapesp