Sob o risco de o planeta esquentar 3,2ºc até 2100, precisamos discutir questões estruturais do modelo atual de produção e consumo ou será tarde demais.
O termo sustentabilidade apareceu pela primeira vez na literatura científica em 1713, em um livro sobre ciência florestal assinado por um contador alemão. Mas foi somente em 1987, no relatório Nosso Futuro Comum, da comissão Brundtland das Nações Unidas, que a ideia de desenvolvimento sustentável se popularizou. De lá para cá, o conceito de que precisamos “atender às necessidades do presente sem comprometer as oportunidades das gerações futuras” se cristalizou.
A preocupação com a sustentabilidade virou assunto popular. Digite a palavra em inglês (sustainability) no Google e você verá mais resultados do que se buscar por “Jesus Christ”. No Google Ngram Viewer, ferramenta que identifica o quanto determinada palavra aparece em livros, “sustentabilidade” é mais frequente do que “Steve Jobs”, empresário considerado tão influente que a mídia chegou a questionar se seria mais conhecido do que Jesus Cristo. De sabões líquidos que anunciam no rótulo que “cuidam do meio ambiente” a latinhas de “água mineral natural e social”, cada vez mais empresas têm tomado para si a discussão levantada desde os anos 1980.
Apesar disso, a crise ambiental nunca esteve tão alarmante. Divulgado no último dia 4 de abril, o terceiro e último tomo do sexto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) mostrou que, se não mudarmos a forma como exploramos os recursos terrestres, veremos um aquecimento de 3,2°C no planeta até 2100, mais que o dobro do que foi estabelecido em 2015 no Acordo de Paris.
Em 2019, o mundo emitiu 12% mais gases de efeito estufa do que em 2010, e 54% acima do registrado em 1990 — mesmo com melhor compreensão da escala do problema, a última década teve o maior crescimento de emissões na história.
“Todo mundo defende desenvolvimento sustentável, quem não defende é louco. Mas comecei a me perguntar: como uma sociedade tão fraturada e desigual, e ao mesmo tempo tão diversa, poderia construir um consenso?”, questiona a pesquisadora Maria das Graças e Silva, professora do departamento de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Em sua tese de doutorado, ela investigou a relação entre o capitalismo e a sustentabilidade. E concluiu que não há como conciliar um desenvolvimento de fato sustentável com um modelo econômico baseado na necessidade de exploração de recursos — humanos e ambientais — para expansão infinita.
Assim como Silva, cientistas mundo afora vêm debatendo a questão. “Existem falhas fundamentais no capitalismo e na economia de mercado que precisamos encarar para fazer a sustentabilidade funcionar”, aponta o economista John Ikerd, professor emérito da Universidade de Missouri, nos EUA, e especialista em agricultura e sustentabilidade. “O que temos feito globalmente até agora é priorizar a economia, comprometendo valores sociais e a relação com a natureza para maximizar o crescimento econômico.”
“O que temos feito até agora é priorizar a economia, comprometendo valores sociais e a relação com a natureza para maximizar o crescimento econômico” – John Ikerd, economista e professor emérito da Universidade de Missouri, nos EUA
O fluxo financeiro mostra a falta de prioridades. Segundo o relatório do IPCC, para alcançar a meta de estabilizar o aquecimento da Terra em 1,5°C, o financiamento climático deveria ser de três a seis vezes maior do que é hoje. O dinheiro existe, aponta o painel, mas sobram barreiras para a aplicação dos recursos.
As consequências já começam a ser sentidas — e o debate passa a ter também contornos sociais. Tragédias como a que ocorreu em Petropólis (RJ) no fim de fevereiro, quando o excesso de chuvas provocou enchentes e deslizamentos e deixou mais de 240 mortos, têm se tornado comuns e tendem a piorar. “Viramos tudo de ponta-cabeça, estamos usando não só recursos naturais, mas humanos também. Não temos dois problemas diferentes [ambiental e social], eles são dimensões do mesmo problema”, continua Ikerd.
Desse modo, será possível alcançar as metas traçadas para reduzir o impacto no planeta sem repensar o estilo de vida que nos trouxe até aqui?
Desde Platão
Embora o conceito tenha se popularizado somente nas últimas décadas, a tese de que a demanda por recursos naturais causaria impactos no meio ambiente remonta às antigas civilizações. No século 5 d.C., o filósofo Platão já falava sobre os diferentes tipos de degradações ambientais que resultavam de atividades como agricultura, moradia e mineração. Ainda que não formulado nos moldes atuais, o tema evoluiu paralelamente a noções de progresso desde então.
A Revolução Industrial foi definitiva para consolidar a ideia de que o progresso humano estava relacionado ao crescimento econômico e material. No livro Wealth of Nature: Environmental History and the Ecological Imagination (“A Riqueza da Natureza: História Ambiental e a Imaginação Ecológica”, em tradução livre), publicado em 1994 pela Oxford University Press e sem edição no Brasil, o historiador Donald Worster descreve como a industrialização provocou a maior revolução no panorama global ao fazer as pessoas acreditarem que têm o direito de dominar a ordem natural e transformar tudo em bens de consumo, que é necessário e aceitável destruir o meio ambiente na busca por máxima produção econômica, e que somente os produtos industrializados e comercializados no mercado têm valor.
No período entre 1800 e 1970, quando a população mundial triplicou, a produção aumentou 1730 vezes. O crescimento econômico global se manteve acima de 3% (com exceção dos períodos entre-guerras), alcançando 5,6% entre 1948 e 1971.
Ainda no século 18, começaram a surgir questionamentos sobre as consequências de tamanho desenvolvimento — mas o foco de quais seriam os maiores riscos ou vilões variou. Em 1798, o economista britânico Thomas Malthus lançou sua famosa tese sobre os riscos do crescimento populacional para a produção de alimentos. No século seguinte, a preocupação se voltou para a dependência do carvão como matriz energética. O mesmo serviu para o petróleo quando este virou a principal fonte de energia no século 20.
A resposta do pensamento econômico dominante a tais questionamentos permanece em voga até hoje: diante da escassez de recursos, o mercado naturalmente reagiria para introduzir novas tecnologias que ajudassem a economizar ou substituir o produto. Só que, na prática, não é bem assim.
Cortando excessos
Essa é a teoria, por exemplo, por trás de conceitos modernos como o do consumo consciente. “Quando a gente fala em consumo consciente, é importante lembrar que não existe vida sem consumo, e não existe consumo sem impacto”, explica o engenheiro ambien-al Bruno Yamanaka, especialista de conteúdos do Instituto Akatu, organização sem fins lucrativos que visa promover hábitos mais conscientes de consumo. “Não significa deixar de consumir, mas fazer de forma melhor, com uma visão de que o ato de consumir está no contexto maior de um ciclo de processo de produção com consequências positivas e negativas.”
Atualmente, o consumo da humanidade é 1,8 vez maior do que a capacidade do planeta de fornecer recursos renováveis e não renováveis. Se nada mudar, em 2050 precisaremos de quase três planetas para sustentar nosso estilo de vida. Consumir conscientemente significaria evitar excessos: diminuindo o tempo no banho para economizar água, aproveitando alimentos integralmente, optando por produtos duráveis… Na prática, porém, acabou se tornando um modismo que mascara questões mais fundamentais quando o assunto é sustentabilidade.
Uma delas é o risco de individualizar um problema estrutural da sociedade. “Querem jogar para indivíduos a responsabilidade pela solução da crise climática global, quando o problema está no modo como produzimos as mercadorias, não como consumimos”, opina a professora de serviço social Josiane Soares Santos, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). “Não se trata de achar que é desimportante ter cuidados individuais ou de pequenos grupos com o descarte e o consumo de mercadorias, mas isso não vai evitar que sejam produzidas, porque seria incompatível com o modelo econômico de justificar uma coisa em nome da outra. Aumentar a produtividade significa aumentar a produção de mercadorias para fazer a roda do consumo girar.”
Outro risco é causar a impressão de que todos estão em pé de igualdade. “Você não pode dizer que eu que sou trabalhadora tenho o mesmo poder de decisão que as grandes corporações. Não somos abelhas nem formigas que seguem processos instintivos. Nós não só transformamos a natureza, mas a transformamos através da mediação de relações hierárquicas e desiguais”, critica a professora da UFPE.
As relações desiguais estão no próprio padrão de consumo. A Global Footprint Network, organização que mede a pegada ecológica da humanidade, calcula que são necessários 5,1 planetas para sustentar o estilo de vida de um estadunidense médio hoje em dia. Já os brasileiros consomem o equivalente a 1,6 planeta e os indianos, 0,8. Afinal, por que tanta diferença?
Ciclo de desigualdades
Entramos, então, no que especialistas chamam de desigualdade climática ou racismo ambiental. “Esses movimentos de consumo sustentável são interessantes, mas é preciso pensar em uma estrutura. Ao mesmo tempo que o sistema prega um tipo de prática, ele não viabiliza isso para toda a sociedade, só para uma elite. É só um pequeno grupo de pessoas que tem esse privilégio”, pontua o biólogo Jackson Cruz Magalhães, mestre em sustentabilidade pela Universidade de São Paulo (USP).
Mas o consumo é só a ponta de um conjunto de desigualdades, que vão da falta de acesso a saneamento básico à exposição a poluentes e resíduos tóxicos, em um ciclo social e ambiental nocivo que se retroalimenta. Em 1982, o sociólogo Benjamin Chavis, ativista do movimento de direitos civis nos EUA, cunhou o termo racismo ambiental para descrever uma série de problemas: discriminação na criação de políticas ambientais, aplicação injusta da legislação, autorização do descarte de resíduos tóxicos próximo a comunidades periféricas e histórico de exclusão de pessoas negras da liderança de movimentos ecológicos.
Considerado um marco na justiça ambiental, um estudo de 2007 do sociólogo Robert Bullard demonstrou que raça é um fator mais importante do que status socioeconômico para prever o local de descarte de resíduos tóxicos, e que crianças negras nos EUA tinham cinco vezes mais risco de intoxicação por chumbo do que as brancas.
E o problema não é restrito ao país norte-americano. No Brasil, um caso emblemático ocorre desde 2010, quando uma chuva de pó brilhante caiu no bairro carioca Santa Cruz, o mais distante do centro do Rio, causando infecções respiratórias e inflamações de pele na população local.
O fenômeno, decorrente da produção da maior exportadora de aço do país, a Companhia Siderúrgica do Atlântico (hoje chamada Ternium), se repetiu diversas vezes, apesar das multas à empresa — em 2010, foram R$ 1,8 milhão; no ano seguinte, R$ 2,8 milhões; e, em 2012, subiu para R$ 10,5 milhões, além de R$ 4,5 milhões em investimentos na comunidade e do plantio de 15 mil árvores nas ruas afetadas pelo pó. Três anos depois, moradores ainda reclamavam das ocorrências.
Enquanto empresas pagarem para continuar poluindo, a conta das consequências climáticas não vai ser dividida igualmente. Segundo o Índice de Vulnerabilidade Climática Maplecroft, os países com risco extremo de sofrer com os fenômenos do clima estão no chamado Sul global: República Africana Central, República Democrática do Congo, Haiti, Libéria e Sudão do Sul figuram no topo da lista. Nações da América do Norte, da Europa e da Oceania, por sua vez, têm baixo risco de vulnerabilidade.
“O Sul global vai sofrer mais, mas isso não se deve apenas à geografia. O sofrimento se explica pela condição social”, destaca o ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima (OC). “Quem vai pagar a maior parte da conta do aquecimento global são os mais pobres. Mas quem consumiu mais o planeta foram eles? O que consome mais, construir uma casa de 5 mil metros quadrados ou um barraco? Quem mais provocou impacto não vai ser refém das consequências, ninguém foge da seca no Nordeste em um [carro] BMW.”
Na visão de Magalhães, é fundamental entender que as questões ambientais não estão desconectadas das sociais. “E aí não faz sentido falar que economia, meio ambiente e sociedade estarão no mesmo patamar em um tripé, se vivemos em um modelo que visa a exploração do que a natureza nos dá”, afirma o pesquisador da USP, que estuda, entre outros temas, vulnerabilidade socioambiental.
Por isso, ele reforça a importância de trazer as periferias e, especialmente, os povos originários para o centro do debate. Por terem uma relação mais íntima com a natureza e valores diferentes daqueles de sociedades regidas por exploração e consumo, podem ajudar a repensar nossa estrutura econômica e estilo de vida.
Redefinição de valores
“Nós temos sociedades hoje que são baseadas em transações. Sentimos que precisamos ter mais do que realmente precisamos por causa do sistema econômico”, opina o economista Ikerd. “São sociedades em que sua importância é medida por quanto dinheiro ou status social você tem, que por sua vez é definido pelas poucas pessoas que alcançam tais metas. Temos sociedades com pessoas que anseiam por ser coisas que elas não podem ser.”
A discussão é quase filosófica, aponta o especialista. Para ele, existe um conceito subjacente à sustentabilidade que é o da existência de um propósito para estarmos aqui. Caso contrário, ninguém precisaria se importar com o futuro da humanidade. Pensar em desenvolvimento sustentável passaria necessariamente por reconsiderar a atribuição de valores no contexto social — seja olhando para o micro, de fato repensando nossas próprias aspirações e relação com nosso entorno, seja analisando o macro.
Em uma palestra no TEDx São Sebastião de 2016, o oceanólogo Wilson Cabral, professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), criticou, entre outros pontos, o fato de o principal referencial para medir o desenvolvimento ser o Produto Interno Bruto (PIB). Isso porque o aumento no PIB não necessariamente significa uma melhora nas condições de vida da população. “Veja um exemplo, se eu reduzir o consumo de cigarro, reduzo o PIB. Se eu reduzir a indústria bélica, reduzirei o PIB. Ou seja, vou decrescer. Mas será mesmo que decresce se a gente reduzir a indústria bélica? A gente precisa começar a mexer um pouco mais com esses valores e a entender o que está por trás disso”, disse Cabral na palestra.
Isso vai ao encontro do que outros especialistas pensam. “Crescimento econômico não significa mais qualidade de vida para as pessoas, pois depende da distribuição desse crescimento. Olhar só para o PIB é uma maneira reducionista de olhar para a vida”, observa o sociólogo Masoud Movahed, da Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA.
O cenário econômico atual dá uma ideia dessa desigualdade, com a inflação para 2022 prevista em 5,7% em economias avançadas e em 8,7% em países emergentes, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Já o desemprego deve ficar em 5,9% na média mundial. Entre os motivos estariam o decrescimento da economia global provocado pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia. No dia 19 de abril, o FMI reduziu a previsão de crescimento econômico mundial de 4,4% para 3,6%.
A situação da fome também piorou: os dados mais recentes das Nações Unidas, referentes a 2020, mostram que a prevalência da subnutrição no mundo subiu de 8,4% em 2019 para 9,9% em um ano. “O PIB é só uma medida de uma grande fatia, não representa o quanto os cidadãos estão de fato acessando. É necessário tornar o desenvolvimento justo, para que as pessoas possam realmente colher os frutos dele”, conclui Movahed.
Ikerd completa: “O conceito de desenvolvimento sustentável fala em atender às necessidades do presente, mas nós não estamos nem atendendo a essas necessidades. Você não pode esperar que uma mãe que não tem como alimentar seus filhos se preocupe com as mudanças climáticas.”
Crescimento sem limites
Nos anos 1970, um grupo de economistas e cientistas que ficou conhecido como Clube de Roma publicou um relatório intitulado Os Limites do Crescimento, em que alertavam para um “teto” de recursos terrestres, e que explorá-los além da conta poderia ser catastrófico. Na época, a publicação foi criticada por quem defendia a expectativa de que em 30 anos o crescimento populacional iria se estabilizar, a produção agrícola iria aumentar, novas fontes de energia teriam sido encontradas, a poluição estaria controlada, ainda haveria recursos suficientes para a indústria e os países em desenvolvimento teriam dobrado a renda per capita.
Embora algumas dessas expectativas tenham se concretizado — sobretudo a do crescimento populacional, que há duas décadas começou a estabilizar em cerca de 1% ao ano —, a maioria permanece sem resolução. “Sabemos que temos um problema climático, mas há também problemas de alimentação, de abastecimento de água, de violência e inquietação social que têm causado até a perda de compromisso com a democracia”, afirma o pesquisador australiano Ted Trainer, professor emérito de ciências sociais na Universidade de New South Wales. “Muitas pessoas estão cansadas de serem empobrecidas e ignoradas.”
“O problema que enfrentamos é cultural, não técnico. Temos toda a tecnologia de que precisamos para viver lindamente” – Ted Trainer, professor emérito de ciências sociais na Universidade de New South Wales
Desde a publicação do relatório do Clube de Roma, e principalmente a partir dos anos 2000, sugestões para lidar com o problema começaram a surgir. Das radicais, que defendem cresci- mento zero, às mais moderadas, como a de que “menos é mais”, todas têm em comum o fato de que precisamos de mudanças profundas e estruturais para sermos sustentáveis. “O problema que enfrentamos é cultural, não técnico. Nós temos toda a tecnologia de que precisamos para viver lindamente, já sabemos o que fazer”, conclui Trainer, que atualmente é ativista ambiental e defensor do decrescimento econômico.
Soluções globais e locais
Se a necessidade de mudança é inegável e urgente, ainda não há consenso sobre o que fazer e como exatamente promovê-la. “Não consigo visualizar um modelo dentro desses que vemos nos livros de história, porque nenhum deles coloca os três componentes [economia, meio ambiente e sociedade] no mesmo patamar”, opina Jackson Magalhães. “Já vi pessoas com discurso de que pensar no meio ambiente é algo elitista e que se deve pensar no social, quando na verdade os dois estão interligados. Quando cuidamos do ambiente, a tendência é melhorar também o social, e vice-versa.”
O secretário-executivo do Observatório do Clima destaca que não temos mais tempo para desenvolver outros sistemas econômicos que possam solucionar o problema. “Não existe dúvida de que o capitalismo, o sistema de concentração de renda e capitais, é um grande incentivador desse modelo que polui o planeta. Foi o capitalismo que nos trouxe até aqui, mas é com ele ou sem ele que vamos ter que sair dessa crise. Ou o capitalismo vai encontrar uma solução, ou o clima vai encontrar a solução para acabar com ele”, resume Astrini.
Para o especialista, a responsabilidade maior é do Estado. “Os maiores culpados são os governos e é neles que está o passo fundamental para mudanças”, diz. Isso porque cabe a eles a tomada de decisão e a implementação de regras que de fato tenham impacto na cadeia produtiva. Um exemplo é o atual debate na União Europeia sobre a importação de commodities: o bloco de países pretende barrar produtos que tenham causado desmatamento. “Isso não é uma iniciativa do mercado, é governamental, o mercado vai ter que se adaptar se quiser continuar vendendo. Acho que os mercados deveriam tomar suas responsabilidades, mas se não tomam, existem mecanismos que os obrigam a isso”, conclui o executivo do OC.
A outra frente estaria no nível local. “Precisamos de projetos que operem nas bordas do capitalismo e que consigam erodir as dimensões do sistema que sejam ruins”, explica o sociólogo Movahed, que relembra as ideias propostas pelo sociólogo Erik Olin Wright, que foi seu orientador antes de falecer, em 2019, no projeto Envisioning Real Utopias (“Criando Utopias Reais”, em tradução livre). Wright destacava iniciativas que já existem e foram testadas em diferentes lugares, entre elas a do orçamento participativo de Porto Alegre, e que têm grande potencial de transformação social e ambiental.
O professor emérito da Universidade de Missouri concorda, e aponta também a importância de olhar para as experiências alternativas que já existem — a cultura de povos indígenas, por exemplo, traz ensinamentos valiosos sobre como se relacionar com a natureza. “Nós não podemos mudar os governos globais, mas podemos mudar as comunidades. E a partir disso podemos ir de comunidade em comunidade, até termos mudanças fundamentais nas nossas prioridades”, defende John Ikerd. “Não me importo com o que você vai chamar, mas vamos precisar de uma combinação que equilibre a busca de interesses individuais com os limites sociais, e seja consistente com as leis básicas da natureza.”
Fonte: Galileu via Ambiente Brasil
Publicação Ambiente Legal, 08/06/22
Edição: Ana Alves Alencar
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