Rosana Chiavassa, 51 anos, conhece a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) como poucos. Já foi conselheira por duas gestões e coordenou as campanhas vitoriosas dos presidentes Rubens Approbato e Mariz de Oliveira. Agora, apoiada por figurões da advocacia paulista como Fábio Konder Comparato, José Francisco Siqueira Neto, José Ignácio Botelho de Mesquita e Alysson Mascaro, entre outros, Rosana acredita que chegou a hora de uma mulher, pela primeira vez na história da Ordem, assumir a presidência da entidade que reúne cerca de 330 mil advogados no Estado de São Paulo. Mais do que isso, Rosana acredita que chegou a sua hora de ser presidenta.
Paulistana formada em Direito pelo Largo de São Francisco, torcedora do Corinthians, tem três filhos, namorado, não gosta de cozinhar – mas encara fácil uma boa pasta italiana – e odeia música funk, Rosana mantêm-se na vanguarda da advocacia paulista auxiliando como poucos, no seu dia-a-dia como advogada militante, na implementação dos direitos do consumidor e no combate duro aos abusos cometidos pelos planos de saúde.
Para entrevistá-la, Ambiente Legal destacou seu diretor, Antonio Fernando Pinheiro Pedro. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista, retirados da TV Ambiente Legal.
Ambiente Legal – No momento, nós temos uma presidenta da República e uma legislação que até exige que nós não falemos advogado, mas, sim, advogada. Como a senhora vê hoje essa inserção da mulher nas estruturas de poder, em especial na área do Direito?
Rosana Chiavassa – Eu acho fantástico e brilhante. Do ano passado para cá, a mulher começou ter um destaque, não por que agora aconteceu, mas porque agora ela simplesmente passa a ser reconhecida pelo trabalho que ela sempre fez. Mulheres valorosas e mulheres com capacidade sempre existiram em um número não pequeno, mas agora o mundo está reconhecendo. Estamos vendo mulheres ascendendo a cargos muito importantes e exercendo esses cargos com muita eficiência, no Brasil e no mundo, e na área do Direito mais ainda.
Eliana Calmon, desde que assumiu a Corregedoria, vem sendo respeitada pela sociedade brasileira como uma guerreira, um baluarte da ética. Temos também a Carmem Lúcia, que assumiu o Tribunal Eleitoral. Enfim, as mulheres também no Direito estão assumindo o poder. É muito gostoso ver que essa luta vale à pena, que essa luta vai continuar. Acredito que estamos, sim, caminhando para a igualdade.
Ambiente Legal – Estamos vivendo a feminilização da profissão do Direito. Se nós observarmos hoje, as mulheres são mais da metade dos procuradores do Estado, em São Paulo.
Rosana Chiavassa – Na Defensoria Pública também. Basta pegar os inscritos na OAB, em São Paulo, e verificar que 54% são mulheres. Nas faculdades, a média já está em torno de 65%.
Ambiente Legal – Está na hora de ter uma mulher na presidência da OAB?
Rosana Chiavassa: Não tenho dúvidas quanto a isso. Nós temos colegas rapazes também disputando, mas esse olhar feminino é diferenciado, quando ao lado do olhar masculino. É o olhar da mulher nesse momento para uma OAB que está apática, amorfa. De fato, para advocacia, a OAB nada fez de concreto. Acho que uma mulher fará a diferença.
Ambiente Legal – Estivemos, pela OAB, no fórum global, na ECO-92…
Rosana Chiavassa – E de forma forte.
Ambiente Legal – Na Rio+20 não há notícias de qualquer evento patrocinado pela OAB. O que nós tivemos aí foram algumas conferências de juristas, muitas delas patrocinadas por grandes escritórios de advocacia, voltadas para o interesse dos clientes deles. Infelizmente, é um problema de ética, com a participação até de magistrados. Na área do consumidor, o que a senhora tem visto?
Rosana Chiavassa – Não vejo a OAB participar de nada. E, se você pensar que o nosso dia-a-dia é feito de relações de consumo –quando você sai de casa e pega o metrô, é uma relação de consumo, ou para o carro no estacionamento, é uma relação de consumo, ou vai tomar um cafezinho, outra relação de consumo, ou vai atender o cliente, nova relação de consumo-, a ausência da OAB é mais sentida. Estou falando de coisas pequenas que não vão atrapalhar o mercado de trabalho de nenhum advogado, mas, por outro lado, nenhum advogado vai entrar com uma ação para discutir a taxa da cobrança de um talão de cheque, porque não vale a pena para o cliente nem para o advogado. São ações coletivas que a OAB poderia estar patrocinando, até porque quem deveria estar à frente, que é o Ministério Público, não tem estrutura para abraçar as grandes causas e, portanto, a OAB está fazendo falta na sociedade. Não só no setor consumidor, como no setor ambiental e em todos os setores.
Ambiente Legal – Com referência à implantação do Direito do Consumidor, como a senhora tem visto hoje o posicionamento do Judiciário?
Rosana Chiavassa – O que eu tenho observado, já que o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor em 1991, é que hoje o Judiciário não está mais tão paternalista. Hoje, um consumidor fala: “Eu não li esse contrato” e isso não comove o Judiciário como comovia em 1991. Eu percebo que o Judiciário está dando uma recrudescida, exigindo do consumidor minimamente que ele cumpra os deveres dele. Um deles é o de tentar se informar e de sair do comodismo do tipo “eu sou a vítima”. Acho importante no Brasil uma campanha de esclarecimento, justamente para mostrar para o consumidor o que ele pode ou não. Não dá mais para você falar que é um pobre coitado em termos de conhecimento, porque você já sabe que hoje o código existe e que as leis estão aí. Até por isso, em todas as rádios que eu falo e em todas as entrevistas, deixo claro que sempre é importante consultar um advogado.
Ambiente Legal – Falta um pouco de conhecimento de causa e falta um pouco de estrutura de parte dos advogados. Se tivesse uma OAB um pouco mais organizada com relação a isso, talvez tivesse melhor suporte para esse tipo de entendimento. Direito do Consumidor ainda é uma especialidade que reúne poucos advogados.
Rosana Chiavassa – Poucos advogados. Temos muitos grandes escritórios prontos para defender as grandes empresas, mas, advogados para defender os consumidores, são poucos. Isso me deixa muito triste, você pega ONGs que viraram verdadeiros escritórios de advocacia disfarçados, onde o advogado esta lá fazendo captação de clientela. Então, eu acho que OAB, também na ética, está falhando.
Ambiente Legal – A senhora também tem um histórico muito bonito nessa área em hipossuficiência [hipossuficiência pode ser notada, por exemplo, nas relações de um cliente com um banco, cujo contrato de adesão o torna a parte mais fraca da relação], mas não existe ninguém mais hipossuficiente na relação de consumo do que um indivíduo adoecido, que é vítima do sistema de saúde. Como é que foi seu histórico em relação a isso?
Rosana Chiavassa – Não dá para falar que foi destino, mas, na verdade, eu lembro muito do José de Castro Bigi. O sonho dele era ir para a área criminal e fazer júri, mas a vida o levou para a área civil. Tanto que ele foi presidente do Jurídico do Bradesco e nunca fez júri; foi presidente da OAB de São Paulo, OAB federal e foi ele quem conseguiu liberar o dinheiro da OAB quando houve aquela apreensão no governo Fernando Collor. A OAB estava sem dinheiro para nada e ele foi lá brigar com o Bernardo Cabral. Um homem muito guerreiro e que o sonho era fazer júri na área criminal e nunca teve essa oportunidade. Então, eu que sempre fiz a área criminal, trabalhei no departamento jurídico do Banco Itaú, que era o único jurídico de banco que tinha área criminal. Na época, assalto a banco era Lei de Segurança Nacional. Toda a minha formação foi para isto. Até queria prestar concurso para fazer parte do Ministério Público, quando eu acabei conhecendo a advocacia liberal e me apaixonei. Sai do Itaú e montei meu escritório, mas continuei na área criminal. A primeira ação que entrou foi de uma pessoa muito doente que precisava ser internada e o plano de saúde estava negando. Isso foi em 1993.
Ambiente Legal – Nos primórdios do Código de Defesa do Consumidor…
Rosana Chiavassa – Começando o Código de Defesa do Consumidor. Tinha um ano e pouquinho e ninguém falava no Código de Defesa do Consumidor. Eu lembro que quem pegou essa ação foi eu e a Vilma Passos, minha ex-sócia, que também só atuava na área criminal. Nós queríamos, pelo lado humano, ajudar aquela pessoa que portava o vírus da AIDS, mas a gente não tinha noção do que fazer e como fazer. Claro que medida cautelar inominada é fácil.
Entramos com o processo, fomos conversar com o juiz: “Mas, como assim é um contrato?”, disse o juiz. Naquele momento, até em prol da vida do nosso cliente, o magistrado deu a liminar e falou para entrarmos com a ação principal que nós não tínhamos idéia. Ligávamos para grandes juristas que falavam assim: “Você está indo contra o pacta sunt servanda.” E nós falávamos: agora não tem jeito, a liminar está dada e a gente precisa entrar com um processo. Eu lembro que achamos um livro do meu pai, que fez faculdade de Direito. Ele se formou em 1964 e o título do livro era “Ação Combinatória”. Eu falei “essa ação se encaixa no conceito. Vou entrar com uma ação combinatória”.
Claro que eu fui ao mérito, não olhei o Código do Processo Civil, e aquela ação tradicional cominatória estava revogada no Código do processo, mas, como ela se encaixava de uma forma perfeita, todas as operadoras até entraram com preliminar. Diria que ela foi ressuscitada no código atual do processo, à mercê de todo esse trabalho. A partir daí começamos a atender um monte de portadores do vírus da AIDS e nessa época eu vi, infelizmente, morrer muita gente, porque não havia o coquetel.
Nós atendíamos aquelas pessoas sem saber se as veríamos de novo. Isso tudo resultou, poucos anos depois, na elaboração da Lei 9656/98, com muitas falhas, mas que veio começar a regulamentar o setor. Aí criou-se a Agência Nacional de Saúde e agora as brigas continuam de uma forma mais civilizada.
Ambiente Legal – A bioética, ou ética médica em relação ao paciente, serviu para pressionar, e muito, o serviço dos planos de saúde. Os médicos agora estão sendo confrontados eticamente, e isso foi muito importante. A senhora atacou judicialmente, obtendo modificações no padrão das mudanças judiciais no lado dos doentes. E em relação aos médicos, o que a senhora sentiu de mudança no comportamento médico?
Rosana Chiavassa – O médico aprendeu a se defender minimamente. Ele sabe que tem que preencher um prontuário, que antes não preenchia. A coisa ainda está em clima de guerra, muitos médicos gravam as consultas sem o paciente saber e isto é permitido por analogia à Lei da Escuta. Claro que ele não grava o exame, que normalmente é feito em uma sala anexa, mas a conversa onde ele explica as conseqüências do tratamento.
Porque, claro, quando chega lá na frente, se tiver uma briga judicial, o médico fica sempre sem ter prova. Se ele falou ou não falou, ele não tinha como provar o contrário. Ainda há um clima de guerra, e eu tenho muito medo que o Brasil vire Estados Unidos, onde os médicos nem encostam a mão no paciente. Acho que médico e paciente ainda não encontraram o ponto ideal.
Ambiente Legal – Ou seja, ainda é muito vinculado ao comportamento do profissional.
Rosana Chiavassa – Isso também está acontecendo na nossa área. Poucos advogados que fazem um grande barulho na sociedade por infrações éticas acabam não prestando contas e não dando satisfação. Então, os advogados também estão sendo processados, mas, para mim, é muito claro que só é processado o profissional que não se antecipa, não procura o consumidor e não se explica para o consumidor, porque errar é humano e o brasileiro é bom, ele perdoa.
Então, é uma relação de confiança, e em uma relação de confiança as pessoas podem errar. Mas, se você mantiver essa lealdade, é muito difícil o brasileiro processar. O brasileiro só processa se, além de praticarem um equívoco, ainda pisam no pé.
Ambiente Legal – Como a senhora vê o advogado como consumidor de sua entidade?
Rosana Chiavassa – Eu tenho algumas paixões na vida: meus filhos, meu lado pessoal, meu namorado e a vida. Tenho outras duas paixões que me consomem, que é a advocacia -sou uma eterna apaixonada pela advocacia e amo defender as pessoas, defender teses jurídicas e conseguir entregar o bem da vida ao cidadão, seja ele pequeno ou grande. Também amo a OAB.
Ambiente Legal – Como a senhora está administrando sua paixão pela OAB e pelo Direito?
Rosana Chiavassa – Coordenei a campanha de Rubens Approbato e fui conselheira por duas gestões. Fizemos muita coisa. Neste momento, obtive outra vitória. Veio uma notícia do contrato da Amil, que tinha sido rescindido em prejuízo de três mil professores idosos e aposentados. Tinha uma delas que estava com 102 anos. Falei com o Approbato e ele me passou a procuração para entrarmos com uma ação civil pública em nome da OAB-SP.
Esta foi a primeira ação civil pública reconhecida no Brasil como da OAB podendo defender terceiros que não advogados. Por isso que eu falo com tanta ênfase que a OAB poderia fazer muito pelo coletivo, porque já há legitimação e já esta posta no Judiciário. E quero sim ser a presidenta da OAB de São Paulo e serei, porque acho que temos muito a fazer. Hoje, o advogado está sofrido e cansado, e se sentindo desprotegido e abandonado.
Ele precisa da Ordem para ter condições de trabalho minimamente adequadas. Nós queremos discutir o Direito, não ficar brigando com cartório para juntar petição, para expedir a guias. Precisamos melhorar as condições de trabalho. A sociedade acha que o advogado é responsável pela morosidade, e não é. É o Judiciário, a partir do momento que você mostra isso, o advogado passa a ser valorizado e você passa a ter um circulo virtuoso que se concretizará, trazendo a OAB para o cenário nacional e social.