Para ler e pensar…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Carreta e um ônibus tombam, vitimando suas respectivas cargas: porcos e pessoas. Que valores estão em jogo no paralelo entre os dois fatos?
O descompasso de valores, que hoje vitima o mundo e, em especial, destrói o tecido social do Brasil, faz com que todos nós tracemos paralelos antes impensáveis.
O mundo do “politicamente correto” costuma contextualizar valores humanos de forma desproporcional, favorecendo comportamentos aparentemente sensíveis mas que, vistos na perspectiva do estado geral das coisas, mostram apenas a comédia de absurdos em que podemos todos estar sendo inseridos.
Recentemente, um deputado paulista, Feliciano Filho (PEN-SP) apresentou um projeto de lei na Câmara dos Deputados, na linha da humanização do trato dos animais, incluso os de corte.
O Projeto de Lei Nº 554/2014 prevê a proibição da distribuição de animais vivos, “bem como a exposição, manutenção, utilização e transporte dos mesmos em situações que provoquem maus – tratos, independente das sanções previstas em outros dispositivos legais: Municipal, Estadual ou Federal (…)”.
O PL é muito claro na questão do transporte:
Artigo 1º – Fica proibido no Estado de São Paulo, sem prejuízo das sanções previstas em outros dispositivos legais: Municipal, Estadual ou Federal:
(…)
IV. manter ou transportar animais em locais que os impossibilite de expressar seu comportamento natural, aqueles normais da espécie, como ato de levantar, sentar, deitar, caminhar, virar-se, abrir as asas, fuçar, aninhar-se, chafurdar, coçar-se, ciscar, lamber-se, nadar, amamentar, socializar-se, e todos os demais, de acordo com as necessidades anatômicas, fisiológicas, biológicas e etológicas de cada espécie;
(…)
Esse projeto veio à baila, na mídia, por conta do tombamento de uma carreta, no Rodoanel Mario Covas, em São Paulo, ocorrido no dia 25 de agosto.
A carreta transportava porcos para um matadouro. No entanto, com o tombamento, eles ficaram horas à espera do resgate e, com isso, alguns não resistiram e morreram no local.
“Em um mundo ideal, todos nós seríamos vegetarianos. Mas a realidade é outra: em nossa sociedade, o consumo de produtos de origem animal é a regra. E, neste contexto, só nos resta, como legisladores, buscar caminhos para atenuar o sofrimento daqueles seres que vão morrer para servirem de alimento”, afirmou o Deputado Feliciano Filho (PEN-SP), que atua na proteção e defesa dos animais.
“Os sobreviventes foram resgatados por ativistas da causa animal e encaminhados a um santuário. Tiveram um final feliz. Mas a cena dantesca a que assistimos poderá se repetir a qualquer instante, pois, infelizmente, milhões e milhões de porcos, galinhas, vacas e tantos outros bichos são submetidos a este tratamento degradante dia após dia”, finaliza o Deputado em seu comunicado à mídia – recebido pela redação do Ambiente Legal.
Dez dias depois do acidente com os porcos, no domingo de seis de setembro, um ônibus da Viação Colitur, que estava superlotado e não conseguiu transpor um trecho de serra entre Trindade e Paraty, tombou, vitimando seus passageiros.
Segundo a Delegacia de Polícia de Paraty, o motorista teria gritado “faltou freio”, pouco antes de o veículo tombar.
Cinquenta feridos e quinze mortos, foi o saldo da tragédia.
O ônibus da Viação Colitur já havia sido multado duas vezes por excesso de velocidade na região da costa verde fluminense. Saiu às 11h da rodoviária, no Centro de Paraty, com destino à Praia de Trindade, a cerca de 30km de distância. O acidente ocorreu quando o veículo passava por um trecho estreito e sinuoso do Morro do Deus Me Livre, na estradinha que liga Trindade à Rodovia Rio-Santos.
O ônibus transportava 81 pessoas – a maioria turistas que aproveitavam o feriado prolongado –, no entanto, possuía autorização para transportar no máximo 45 pessoas.
Vidas perdidas e famílias destruídas por falta de fiscalização, ausência de transportes adequados, atendimento eficaz, estradas em boas condições, e insensibilidade criminosa de quem busca o lucro a qualquer custo.
Vale aqui, traçar o paralelo.
Os porcos engaiolados na carreta, seguiam para o matadouro – seu destino era certo. O “resgate” efetuado por militantes da causa animal, bem ou mal constituiu um “furto de bens destinados à alimentação humana”. O acidente, assim, representou a vida e a libertação dos animais sobreviventes.
Os seres humanos, empilhados em um ônibus em precárias condições, seguiam em busca de lazer, ali se encontravam tentando usufruir de um meio de transporte para finalidades diversas – todas elas pressupondo a vida. O acidente, portanto, representou a tragédia, a morte para quinze vítimas e o trauma para os sobreviventes.
Os porcos não tinham vontade própria – os humanos tinham. No entanto ambas as espécies foram submetidas circunstancialmente a condições precárias de transporte.
Para os porcos, militantes da causa animal – com o Deputado Feliciano à frente- propugnam a proibição de qualquer transporte que impossibilite aos animais “expressar seu comportamento natural, aqueles normais da espécie, como ato de levantar, sentar, deitar, caminhar, virar-se, abrir as asas, fuçar, aninhar-se, chafurdar, coçar-se, ciscar, lamber-se, nadar, amamentar, socializar-se, e todos os demais, de acordo com as necessidades anatômicas, fisiológicas, biológicas e etológicas de cada espécie”.
Mas… e para os humanos?
Pergunto ao leitor: conhece alguma iniciativa parlamentar, governamental, ou de algum militante de direitos humanos, que vise redação em moldes similares, para o transporte de seres humanos?
Humanismo é doutrina esquecida pelas autoridades… e seus ecologismos.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado, sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados e Consultor ambiental. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB. Jornalista, é editor-chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo Blog The Eagle View.
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