“Longas prisões” ou “antecipações de liberdade”?
Por Paulo de Bessa Antunes*
As “longas prisões” determinadas pelo chamado “Direito Penal de Curitiba” tem sido criticadas, pois seriam antecipações de penas ainda não impostas definitivamente e, principalmente, não transitadas em julgado. A presunção constitucional de inocência impediria e, até mesmo, condenaria tal prática arbitrária. Não se pretende discordar do argumento ultra garantista mas, isto sim, trazer alguns elementos para a reflexão.
O Conselho Nacional de Justiça informa que o Brasil tem 654.372 presos dos quais 221.054 são provisórios, sendo 29 % por tráfico de drogas, 26% por roubo, 13 % por homicídio, 8% por violação ao estatuto do desarmamento, 7% por furto e 4% por receptação. Logo, as “longas prisões” não são exclusividade do “Direito Penal de Curitiba”.
Fato é que pratica-se no Brasil um Direito Penal bifronte, extremamente repressivo e desproporcional para os que vivem ao rés do chão, e liberal ao extremo para os andares superiores.
A Lei de Execução Penal brasileira é um primor jurídico, muito bem concebida, tecnicamente adequada, todavia, completamente fora da realidade nacional. Um norma que admite progressão de regime com o cumprimento de 1/6 da pena é um convite à reincidência. O nosso próprio sistema penitenciário só passou a ser motivo de preocupação quando parcela de seus clientes passou a vir de outros estratos sociais.
Os R$ 51 milhões encontrados em malas guardadas em apartamento de bairro elegante de Salvador, provavelmente escondidos enquanto o seu suposto proprietário cumpria uma prisão domiciliar – sem tornozeleira – demonstram que, na prática, tais prisões são “antecipações de liberdade”.
A dura realidade é que o sistema de persecução penal brasileiro precisa ser profundamente modificado e, como diz o ditado, o exemplo vem de cima.
Se não tivermos capacidade de perceber que a solução para as “longas prisões” é o julgamento expedito, a rápida produção de provas e decisões conforme a lei, independentemente de quem seja o réu, estaremos gerando um grau de instabilidade social cujas consequências para a nacionalidade são imprevisíveis.
Episódios como os R$ 51 milhões da mala demonstram que as prisões domiciliares estão correndo o risco de se colocarem entre os grandes temas do folclore nacional como o Saci Pererê, por exemplo.
*Paulo de Bessa Antunes é Advogado, Professor Associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, foi Procurador Regional da República – Ministério Público Federal por trinta anos, presidente da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros e chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro.