Por Alfredo Attié
Meus antepassados partiram de regiões pobres do mundo, pobres entre pobres, viajando em busca de algo que não conheciam, mas que sonhavam ser melhor do que aquilo que conheciam.
O desconhecido era sua utopia. Não saber, às vezes, é melhor do que o que se sabe, ou do que se presume saber.
Tiveram duas paragens, em que se frustaram, até chegar a este País em que estou, fruto dessa coragem de buscar o desconhecido.
O que animava meus antepassados, era a esperança de que o novo poderia superar o velho, de que o novo pudesse ser o resultado do empreendimento, do trabalho daqueles que recusavam o antigo, de submissão, ausência de retribuição, de compensação, de justiça.
Havia, pois, em meio a tanto sofrimento, esperanca, sonho, utopia.
Meus pais ainda guardavam o impulso daquela Aventura e pensavam o Brasil como o País da realização dos sonhos acumulados de uma humanidade oprimida.
Minha experiência de oitiva de tantos discursos e narrativas é compartilhada por muitos e muitas das pessoas que estão aqui, filhos da utopia do
Mundus Novus, do Paraíso Terrenal, anunciado pelos descobridores e inventores da nova terra, nova utopia.
Mas, cabe deixar o heroismo e o romantismo dessas experiências e dessas histórias , para perguntar o que foi feito dos sonhos e das utopias.
E a triste resposta é a de que foram negadas. Negadas extamente por aqueles e aquelas que se comprometeram a realizá-las…
Para dar apenas um exemplo entre muitos, o fato do triunfo das esquerdas – assim se proclamavam e assim se proclamam – no Novo Mundo, as Américas, não significou, de modo nenhum, a consumação das utopias, mas a sua negação.
O que nossos antepassados sonhavam era o assenhoramento do próprio destino. O que nos deram os que prometeram cumprir tais sonhos foi o ornamento da submissão. Tornamo-nos não apenas consumidores das ilusões do regime, mas sobretudo as cifras falsas das estatisticas da submissão.
Sonhávamos, mas fomos acordados, no meio da noite, para compartilhar as trevas.
Concederam-nos a migalhas da esperança. Brindaram-nos com a escassez do despertar.
Servimos aos relatórios das verossímeis realizaões inverídicas. Desservimos à constatação da pobreza dos projetos de equalização social.
Somos chamados a consumir, a nos endividarmos, em troca da fotografia da riqueza que não possuímos e não alcançaremos.
Terceirizam o que fazemos, tornando-nos empreendedores de nosso próprio trabalho aviltado, consumidores de migalhas do luxo do mundo.
E o que temos a fazer?
Podemos escolher entre o duro caminho da revolta, que nos encaminhará ao desconhecido, ou o não menos difícil percurso da assunção da capacidade de decidir nosso próprio destino.
Resta-nos acreditar na expansão do amor – que dá a face ao ódio de quem nos despreza, e concede à falsidade de quem nos admira o pretexto da imobilidade, ameaçada pelo inimigo externo que não se elucida, que se desconhece.
Amor e esperança ainda são virtudes que devemos recuperar. Antes que os usurpadores dos sonhos nos destruam.
Alfredo Attié – Magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Doutor em Filosofia, Mestre em Direito e em Direito Comparado, Membro do Fórum Global de Justiça e Desenvolvimento, Washington, D.C., Titular da Cadeira San Tiago Dantas da Academia Paulista de Direito.
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