Côrte federal manda Tribunal de Justiça do Paraná analisar contexto da multa por danos ambientais
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O Superior Tribunal de Justiça não aceitou bla bla bla natureba e mandou Tribunal do Paraná analisar a conduta do infrator para validação de multa no acidente com navio que resultou em dano ambiental na baía de Paranaguá.
O motivo da decisão é muito claro. Na esfera administrativa e criminal, o liame de causalidade, por si só, não basta para estabelecer responsabilidade do agente, é preciso analisar o vínculo subjetivo. Não é por outro motivo que o próprio parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal, ao estatuir a tríplice responsabilização para o “infrator”, diferencia a “obrigação de reparar os danos causados” das “sanções penais e administrativas”.
Porém, da mesma forma que há quem resolva aplicar retroativamente norma legal ambiental em nome do “princípio” natureba imaginado nos sonhos da noite anterior, há também quem pretenda ignorar a obviedade constitucional e legal para aplicar o princípio da responsabilidade civil objetiva à apuração das infrações administrativas.
A confusão entre discurso ideológico biocentrista e aplicação correta dos fundamentos do direito já atingiu o limite. É preciso separar joio falacioso do trigo ambiental.
O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já acenderam a luz vermelha para a aventura biocentrista no mundo jurídico da Administração Pública. As côrtes federais têm agido com rigor para reprimir o que parece ser grave ameaça à segurança das relações jurídicas e econômicas, no campo do direito ambiental.
É o caso da recente decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que anulou acórdão favorável ao Estado do Paraná, proferido pelo Tribunal de Justiça daquele estado, que validara uma multa de R$ 12 milhões de reais aplicada à empresa Hexion Química, pelos danos ambientais ocasionados pela explosão do navio Vicuña, na baía de Paranaguá, em novembro de 2014.
O Tribunal paranaense havia entendido que a multa podia ser aplicada por conta da “responsabilidade objetiva (legalmente presumida, independente de culpa) do proprietário da carga do navio”. No entanto, o STJ determinou o retorno dos autos para análise pelo TJ-PR, das condições do fato e a responsabilidade subjetiva dos agentes.
No STJ, a empresa pedia que a multa fosse afastada. A decisão foi unânime para que o processo retorne à segunda instância. A multa foi aplicada pelo Instituto Ambiental do Paraná em decorrência do derramamento de óleos e metanol.
A Hexion Química alega que não foi responsável pelo acidente em Paranaguá e que a explosão também a prejudicou, já que queimou a carga. O pedido havia sido negado em primeira e segunda instâncias.
O julgamento foi retomado no último dia 16 de agosto, com o voto-vista do próprio relator, ministro Herman Benjamin.
Quando o julgamento foi iniciado, em junho, ele pediu vista após as sustentações orais. Citando consideração feita pelo ministro Mauro Campbell Marques, o relator afirmou que o processo não trata de responsabilidade civil por dano material, mas administrativa. Nesse caso, o tribunal teria que analisar um elemento subjetivo, a culpa.
Assim, de acordo com o relator, a aplicação de penalidades administrativas não obedece a lógica da esfera cível para reparação de danos causados, mas a da culpabilidade, com a necessidade de demonstração de elemento subjetivo e nexo causal entre conduta e dano. O relator citou precedentes do STJ nesse sentido. “Em se tratando de sanção administrativa, é esse o caminho que deve ser seguido”, afirmou Herman Benjamin.
A decisão do STJ foi unânime.
Com efeito, o TJ do Paraná foi envolvido pela névoa da confusão entre responsabilidade civil por dano e responsabilidade administrativa pela infração ambiental – típica da doutrina biocentrista em moda. Ao que tudo indica, a procuradoria do estado do Paraná parece ter sofrido infiltração de biocentristas, pois deveria saber da patente impossibilidade de responsabilizar, pela conduta do infrator direto, pessoas que, embora tenham alguma relação com o fato danoso, não deram causa à conduta que gerou a infração administrativa e não se confundem, portanto, com o infrator direto.
Na sistemática da Lei Federal nº 9.605/98 e do Decreto Federal que a regulamenta, as sanções administrativas ambientais não são solidárias, devendo ser individualizadas para casa pessoa considerada infratora, observando-se os critérios legais.
A briga entre radicais biocentristas, que manipulam o entendimento da lei de acordo com o que entendem ser o interesse ambiental em causa, e os que preservam o Estado de Direito, é um fenômeno que vem desgastando e desacreditando a gestão ambiental nos organismos públicos brasileiros. Grande parte desse desgaste deve-se à contaminação, no bojo das carreiras jurídicas de Estado, do discurso biocentrista, mal formulado, mal assimilado e portador de insegurança jurídica e deseconomias.
A praga atingiu a administração ambiental do Estado do Paraná e o resultado não poderia ser outro. Os tribunais superiores no Brasil terão trabalho em fazer a administração pública ambiental abandonar a militância política e voltar a respeitar o Estado Democrático de Direito.
A explosão do navio Vicuña gerou outros conflitos, que afetam outros processos que tramitam no STJ e aguardam julgamento.
A 2ª Seção do tribunal superior vai definir, ainda, qual a responsabilidade das empresas adquirentes da carga do navio pelo dano ambiental decorrente da explosão na baía de Paranaguá. O tema certamente será julgado em recurso repetitivo, mas não há previsão de quando o julgamento será realizado.
O advogado da Hexion Química no julgamento foi Ives Gandra da Silva Martins, que defendeu que a empresa não pode ser responsabilizada na esfera administrativa somente por ter contratado um navio que esteve envolvido no acidente que resultou no dano ambiental.
A Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, pêga no contrapé pelo STJ, informou que ainda não teve acesso à decisão para comentar o caso.
O fato é que há quem, na carreira jurídica pública, pretenda fazer prevalecer sua paixão em detrimento da fria razão da lei e, assim, em nome da natureza “essencialmente pública” do bem jurídico ambiental, autorizar moralmente que toda sorte de pessoas possam vir a ser autuadas na esfera administrativa por infração ambiental, ainda que não mantenham vínculo direto com a conduta apenada.
Se Nelson Rodrigues testemunhasse hoje, todo esse debate a respeito da chamada “responsabilidade administrativa ambiental”, por certo sentenciaria: “órfãos da objetividade usam da retórica para desfocar o óbvio ululante”…
19 ago 2016
Fonte: Valor, STJ
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*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.Jornalista, é Editor-Chefe do “Portal Ambiente Legal” e, também, edita o Blog “The Eagle View”.
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Ok, mas, como leigo, ficam para mim pendentes: o que ocorreu foi algo imprevisível e fora das leis que protegem a sociedade, ou aconteceu por falha no cumprimento das leis protetoras? E os danos, serão ao menos compensados? E o Judiciário, tem noção da sua missão no caso ou trata o acidente como algo digno de ser pago com cestas básicas?
Particularmente, não gostei desse artigo.Pouco profissional, o autor fala de seus opositores com desrespeito,mencionando sempre as palavras”praga”, “contaminação”, dentre outras. Como se aqueles que possuem visão contrária fossem uma doença a ser curada. Além disso, o autor se esquece de que o biocentrismo protege um valor que também é desfrutado pelos agressores, qual seja o meio ambiente. A destruição da vida gera danos que alcançam a todos, inclusive àquele que deu causa. Assim, fugir da responsabilidade de pagar é assunto de menos valia quando nos deparamos com o fim da vida, com a destruiçãode milhões de organismos que sustentam a vida na Terra. Para o autor, os prejuizos financeiros são tão importantes que ele chega falar em insegurança juridica e afronta ao Estado de Direito, entretanto, o direito ao meio ambiente equilibrado, à vida, à dignidade(lembremos que vida e dignidade são direitos intimamente ligados) são indisposníveis e coloca-los em risco por meros interesses financeiros gera muito mais insegurança juridica do que responsabilizar grandes conglomerados industriais pelos danos gigantescos irreversiveis que eles causam à vida de milhões de seres inocentes.