Brasil, “Meca dos Biocombustíveis” renováveis, incentivará, via incentivos financeiros bilionários e redução massiva de impostos, a aquisição de automóveis elétricos pelos mais ricos?
Por Olimpio Alvares*
Os países ocidentais desenvolvidos estão incentivando os automóveis elétricos com subsídios de dezenas de bilhões de dólares, sem contar os investimentos bilionários em redes de recarga e isenções fiscais. Na compra de um carro elétrico novo há subsídios da ordem de US$ 7,5 a 9 mil (cerca de até 45 mil Reais) e mais US$ 4 mil (cerca de 20 mil reais) na compra do carro elétrico usado – além de outras facilidades e incentivos financeiros, como isenções/reduções de taxas de pedágios, circulação e estacionamento, além de investimentos em reforço na pavimentação das vias públicas, dado os danos causados pelo maior peso e torque dos carros elétricos.
Além disso, para atrair consumidores das classes mais abastadas, únicos que, por enquanto, tem a possibilidade de adquirir um automóvel elétrico novo – 40 a 50% mais caro que os equivalentes a gasolina – os governos tem sido irresistivelmente pressionados por grupos de interesses a banir os motores a combustão interna a partir de 2030/2035; e outras restrições ao seu uso certamente serão impostas nessa extremada intervenção governamental no livre mercado automotivo.
Ressalte-se, que a liberdade e a neutralidade tecnológica sempre foram pedras fundamentais e fios condutores de toda atividade regulatória, visando ao controle das emissões dos veículos automotores novos. No entanto, assistimos espantados a essa brutal interferência exógena nos fóruns regulatórios que elegeu os motores a combustão – que podem operar com emissões neutras de carbono equacionando a questão do clima – como um conveniente bode expiatório do processo de descarbonização no setor dos automóveis. Esse consequente monopólio dos elétricos “arrancado a fórceps”, deixa consumidores das classes B, C e D sem alternativas acessíveis para aquisição do veículo individual e da família, limpo e de manejo fácil, empurrando-os para as desprotegidas motocicletas e suas garupas, para um sistema de transporte público nem sempre disponível, abrangente e confortável, ou para carros elétricos de segunda ou terceira mão associados a altos riscos patrimoniais e a possíveis oscilações nos preços da energia elétrica, como já vem ocorrendo em países da Europa, Estados Unidos e outros locais.
Em verdade, trata-se de uma profunda mudança de paradigma induzida pela supressão das leis de mercado, e motivada pela crença na “urgência climática”, e na suposta capacidade da “política da eletro-mobilidade açodada” fazer alguma diferença relevante na redução do aquecimento do planeta.
Há na literatura controvérsias legítimas em torno dessas ideias, e do “Net-Zero 2030/2050” a todo custo, que muitos especialistas consideram um sonho inatingível, fruto do “pensamento mágico”. Para quem ainda não teve contato com esse conceito, a ideia do Net-Zero 2030/2050 refere-se ao atingimento parcial em 2030, e integral em 2050, da neutralidade global de carbono, que evitaria mais aumentos na concentração de carbono na atmosfera terrestre, agravando as alterações climáticas resultantes do aumento da temperatura média da superfície da Terra.
A questão central da controversa transição energética reside numa suposta eficácia do uso de subsídios trilionários demandados pelo Net-Zero (segundo estudo da McKinsey, um investimento global de 282 trilhões de dólares de 2021 até 2050), em detrimento do atendimento de outras necessidades de maior prioridade e urgência para a melhoria em curto e médio prazos da qualidade de vida de povos mais carentes.
Mas, atenção com os eventuais adjetivos hostis a este artigo: observe-se que não se trata aqui de questionar a existência do fenômeno do aquecimento global por influência da atividade antrópica, mas de colocar em xeque a irresponsável e arriscada forma açodada como tem sido conduzidas as políticas de mitigação, desincentivos e incentivos à inovação tecnológica para enfrentamento do problema das mudanças climáticas ao longo das próximas décadas.
Por outro lado, o Brasil é o exemplo mais claro possível de que um povo com amplas carências e desejo de crescer, se conduzido por políticas públicas e privadas adequadas e ajuda financeira bem aplicada, é capaz de encontrar seus próprios recursos tecnológicos para contribuir com a proteção do meio ambiente e do clima do planeta. Aliás, lugar de fala é o que não falta para o Brasil; nenhum país fez mais pela causa climática; e ainda somos uma Nação que tem abundância de água, vento, sol, biomassa, resíduos orgânicos e terras agricultáveis. No caso específico dos transportes, o Brasil tem o Proalcool com infraestrutura e plataforma agro-industrial pronta e acabada para alternativas domésticas sustentáveis já desenvolvidas …. e com pegada de carbono fóssil inferior àquela do carro elétrico, conforme indicam estudos científicos.
Nesse setor só há boas notícias. A tecnologia dos veículos flex-fuel, e mais recentemente os motores híbridos-flex, não demandam os subsídios gigantescos dos elétricos – aliás, atualmente, nenhum subsídio; mas, para garantir a mínima pegada de carbono, há que se garantir que os flex rodarão predominantemente com o etanol hidratado renovável (o álcool disponível em todos os postos de abastecimento brasileiros). Tal façanha, nas regiões onde o etanol é mais caro, poderá ser alcançada com mecanismos regulatórios adequados, baseados em eventuais mecanismos financeiros criativos e/ou créditos de carbono, que induzirão usuários a usarem o etanol ao invés da gasolina tipo C (atualmente com adição de 27,5% de etanol anidro).
A propósito, a Agência Internacional de Energia (IEA), na publicação de 2022 “Global EV Outlook” recomenda explicitamente a promoção da eletrificação do transporte rodoviário nas economias emergentes e em desenvolvimento – porém, priorizando os veículos de duas ou três rodas e ônibus urbanos. Segundo a IEA, esses são os modos mais competitivos para a equação financeira possível dos usuários locais. O preço inicial dos veículos e a disponibilidade de infraestrutura de carregamento, serão sempre nesses países, os fatores decisivos para uma eventual alavancagem abrangente (ou não) da eletrificação.
Lembre-se ainda, que de acordo com os princípios do livre mercado, ao contrário do que países desenvolvidos estão fazendo com os evoluídos motores a combustão – que podem usar biocombustíveis – nada deverá impedir que fabricantes de automóveis elétricos em países emergentes fabriquem/comercializem (desde que isentos de inadequados subsídios) modelos elétricos a bateria, visando ao nicho de mercado dos ricos.
Entretanto, por motivos óbvios, o chamado “Eco-Congestionamento” é um mal que deve ser evitado. Mover a civilização predominantemente pelo transporte de massa e coletivo, com prioridade de uso da via pública, e pela micro-mobilidade limpa, é o caminho da maior eficiência na mobilidade sustentável em áreas urbanas congestionadas.
*Olimpio Alvares é consultor em emissões veiculares e transporte sustentável, Engenheiro Mecânico formado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo em 1981, especializou-se no Japão e Suécia em emissões e transporte sustentável, é fundador e coordenador da Comissão de Meio Ambiente da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, membro do Comitê do Clima e Ecoeconomia e do Comitê de Substituição de Frota – Comfrota da Prefeitura de São Paulo; é ex-gerente de desenvolvimento de programas de controle de emissões veiculares da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo – Cetesb, onde atuou por 26 anos.
Fonte: O autor
Publicação Ambiente Legal, 22 /10/2023
Edição: Ana Alves Alencar
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