Marco Aurélio deveria ter citado Cícero ao decidir extrair Renan da presidência do Senado… Aliás, o Senado Romano valia mais que o homônimo brasileiro e seu Supremo Tribunal juntos…
#Ficaadica
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Marco Aurélio – não o Imperador de Roma…. mas o Ministro do Supremo Pretório da República, de Brasília, intentou retirar, e não conseguiu, por decisão monocrática, o Senador Renan Calheiros da Presidência do Senado.
O fundamento da decisão seria decorrente da decisão anterior, do Supremo Tribunal Federal, de receber a denúncia do Ministério Público Federal contra o Senador alagoano, por peculato, tornando-o réu em ação penal, fato que o incompatibiliza de integrar a linha sucessória da Presidência da República.
Marco Aurélio por Marco Aurélio… falando francamente, prefiro o original, aquele de Roma. No entanto, o tupiniquem fez o que fez porque não poderia fazer diferente. A própria gravidade do processo haveria de abater Renan em pleno vôo…
Crise entre poderes. O momento é delicado para a República no Brasil, e a movimentação de cadeiras na presidência do Senado devolveria a presidência da câmara alta, ainda que provisoriamente, ao Partido dos Trabalhadores, defenestrado da Presidência da República…
O dano político pode ser maior ao Estado em crise, que a mera questão judicial. Pode ser, também, o intuito da coisa toda. Há, afinal, um verdadeiro “estado de coisas inconstitucional”.
Toda essa crise nos remete à história clássica da primeira república de todas, em Roma. Ao estado de coisas e à instabilidade das coisas, administradas pelos consulados transitórios e o permanente Senado Romano.
Não há como não invocar o espírito de Cícero, o grande tribuno romano, e reproduzir parte do seu discurso contra Catilina.
A oração de Cícero, quando no exercício do consulado romano, deveria ser reproduzida em plenário, no Supremo Tribunal e no Senado Brasileiro, para o bem da nossa república, como fora milhares de anos atrás para a clássica república romana.
Como grande parcela do Senado atual não entenderia o significado do discurso (aliás, sequer sabe quem é Cícero), poderia o escólio do discurso ter embasado a intrinsecamente conflituosa decisão judicial, para constar nos autos.
O Senado Romano de Cícero, comparando, era bem melhor que o Supremo Tribunal Federal brasileiro de Marco Aurélio, de hoje – até mesmo no estilo das togas…
A decisão telegrafada é que Renan sai da sucessão, porém, fica no Senado. Vão-se as togas, ficam os anéis E os dedos.
Supremo Tribunal: Com o qual/ Sem o qual/ Tudo fica/ Tal e qual…
Segue o trecho da Catilinária, que se aplica ao momento presente da República no Brasil:
” (…)
Nós, venerandos senadores, vivemos desde há muito envolvidos nestes perigos e nas ciladas de uma conspiração, mas, não sei como, a maturação de todos os crimes e da antiga loucura e audácia veio a rebentar no tempo do nosso consulado.
E se, de tamanho bando de salteadores, se suprimir apenas este, poderá parecer talvez que ficamos, por um pequeno espaço de tempo, aliviados da apreensão e do medo. O perigo, porém, há-de permanecer e ficará profundamente inculcado nas veias e nas entranhas da República.
Tal como, muitas vezes, as pessoas atingidas por uma doença grave, se, no tumultuar do ardor da febre, beberam água gelada, parecem aliviadas nos primeiros momentos e logo depois o mal as oprime mais forte e violento, do mesmo modo esta doença que existe no seio do Estado – aliviada embora pelo suplício daquele que ali vedes – agravar-se-á com mais violência ainda se sobreviverem os restantes conjurados.
Por tudo isto, que os perversos se retirem, se separem dos homens de bem, se juntem num só lugar e que uma muralha, enfim, como já o proclamei tantas vezes, os mantenha separados de nós; que deixem de armar traições ao cônsul na sua própria casa, de bloquear o tribunal do pretor urbano, de assediar com armas a Cúria, de preparar dardos incendiários e archotes para deitar fogo à cidade. Numa palavra, que na fronte de cada um se mostrem gravados os seus sentimentos políticos.
Garanto-vos, senadores egrégios, que a nossa vigilância de cônsules há-de ser bastante, e espero que haja em vós tal autoridade, nos cavaleiros romanos tamanha coragem, em todos os homens de bem a conformidade de sentimentos necessária para poderdes ver que, com a retirada de Catilina, tudo fica descoberto, esclarecido, subjugado, punido.
Com estes presságios, Catilina, e para suprema salvação do Estado, para tua desgraça e ruína e para perdição daqueles que a ti se ligaram por toda a espécie de crimes e parricídios, parte para essa guerra ímpia e nefanda.
(…)”
Decerto, com a decisão monocrática extratora de Marco Aurélio, o Senador Renan não seria, como não será, destronado, exilado nem executado, como ocorreu com Catilina após as catilinárias.
Renan permanecerá com o mandato, concedido pelo voto popular de seu Estado. O Senado sofrerá com o duro teste da crise institucional, e o Supremo Pretório amargará o desgaste de todo o episódio
Fragilizado, Renan poderá mais facilmente estar sujeito às agruras de quem permanece sob a mira da justiça e envolvido nos escândalos investigados pelas forças-tarefas de procuradores, delegados e juízes federais, Brasil afora – ainda que sob o crivo do Supremo.
Ó tempos, ó costumes… Que imenso tabuleiro de peças mal formadas o gamão de nossa política está se tornando.
Há, no entanto, uma brisa nisso tudo.
O Brasil que hoje nos cerca não é aquele de há poucos anos. Não sabemos onde essa crise nos levará, mas sentimos do que estamos nos livrando.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e das Comissões de Política Criminal, Infraestrutura e Sustentabilidade da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/SP. Vice-Presidente e diretor jurídico da Associação Paulista de Imprensa – API, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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