Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O que é excepcional não se presta a qualquer coisa…
Três poderes em conflito, num deserto de talentos!
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa…completamente diferente.
Depois da rejeição da PEC 37 pela Câmara dos Deputados, que atribuía exclusivamente às polícias Federal e Civil a competência para a investigação criminal – reduzindo poderes do Ministério Público, uma nova proposta de emenda constitucional entrou na mira das manifestações populares contra a corrupção no país: a proposta de emenda constitucional n° 33 de 2011, cuja demonização já é percebida nos cartazes dos protestos pelo Brasil.
A proposta pretende limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF), submetendo algumas decisões da Corte ao Congresso Nacional. Com a aprovação da PEC 33, três artigos da Constituição seriam alterados.
Da mesma forma que a PEC 37, a PEC 33, deveria seguir os trâmites regimentais e sofrer a aprovação ou rejeição no plenário da Câmara – se não fosse barrada nas comissões.
No entanto, quando ainda em pleno processo legislativo, após a aprovação da proposta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, uma crise entre os Poderes Legislativo e Judiciário foi instalada. O Supremo Tribunal Federal, arguiu inconstitucionalidade flagrante na deliberação da CCJ da Câmara dos Deputados, quanto à Proposta de Emenda Constitucional – PEC 33, ordenando, por ato monocrático de um de seus Ministros, a suspensão do trâmite legislativo do projeto.
A proposta (de inspiração “Chinesa”, diga-se) não poderia mesmo vingar. De fato, tinha razão a cúpula do Judiciário, NESSE caso específico.
A excepcionalidade, acima relatada, como comumente ocorre em nosso País, no entanto, ameaça deixar de se-lo. Eis que se repetiu em outra oportunidade, e de forma lamentável: uma esdrúxula decisão, também monocrática, de Ministro gabaritado da Corte Suprema, “interrompendo” regular processo legislativo de Projeto de Lei que disciplinava o acesso à cotas do fundo partidário e tempo de mídia a novos partidos (como se os atuais já não nos bastassem).
Com efeito, se a primeira decisão, da PEC 33, acima relatada, podia ser considerada adequada (por haver vedação expressa na Constituição quanto a deliberações que restrinjam a autonomia dos poderes da República), a segunda decisão é ABSOLUTAMENTE INCONSTITUCIONAL.
Uma excepcionalidade, por óbvio, não poderia se prestar a consolidar inconstitucionalidades…
O fato revelou ingerência indevida, justamente, à independência e autonomia dos poderes que a própria Constituição protege.
Nosso Supremo Tribunal, talvez atordoado com a repercussão midiática de suas decisões, passou a usar o “Direito Constitucional para Colorir” – bem ao gosto dos passatempos de moda. Com isso, esqueceu-se que conflitos substantivos de ordem constitucional não se resolvem apenas no bojo do processo judicial.
O processo legislativo – esquecido e ignorado
Com efeito, embora estudantes de direito e bacharéis se ocupem, toda a vida com dois, o fato é que há três tipos de PROCESSOS, que formam o tecido procedimental do Estado Brasileiro:
. o processo administrativo;
. o processo judicial;
. o processo legislativo.
Dos três tipos de processo, a razão de ser do Estado Democrático de Direito está justamente no último, o processo legislativo. Sem ele, os demais não se legitimam.
Pouco estudado, o processo legislativo é sem dúvida o mais transparente, legítimo, transformador, humano e eficaz dos processos de decisão. Possui virtudes até mesmo no fisiologismo que não raro o contamina.
Por ser pouco analisado fora do próprio Poder que o maneja, sequer abrangido nas matérias ministradas nos bancos das faculdades, o processo legislativo atraí preconceitos, estigmas, mitos, e toda ordem de abordagens esdrúxulas, não raro provenientes de quem pouco ou nada contribui para com a manutenção do sistema democrático.
Ativismo Judicial ou carreirismo medíocre?
A frequência com que o chamado “ativismo judicial” tem procurado agredir o processo legislativo, revela a face absolutamente autoritária e despótica desse movimento que está germinando no meio da magistratura, integrado por quem se arroga a decidir “pelo povo”… sem o povo…
É o ativismo uma atividade nefasta, por mais justa que seja a causa em foco.
Conflitos de funcionalidade entre os poderes, é forçoso observar, estão se agravando na proporção exata da falta de talentos no legislativo, e da ausência de líderes dotados de conhecimento, coragem, postura, oratória, domínio comezinho da gramática, capacidade de articulação e respeitabilidade.
Sem dúvida esse refluxo de preparo e liderança, no Poder Legislativo, reflete-se nos demais poderes da Nação.
Essa pobreza de quadros não é monopólio do Parlamento. O executivo, chafurda no lamaçal da mediocridade carreirista, desprovida de espírito público, acovardada e desmotivada ante os desafios mais comezinhos, o mesmo ocorrendo com o Poder Judiciário, que, com todo o respeito devido a figuras eminentes hoje na carreira, enfrenta uma das piores judicaturas de sua história, de uns quinze anos para cá… em todos os tribunais.
O deserto de homens e mulheres capazes, nas carreiras públicas, contamina e amesquinha conflitos e decisões, resultando numa inaceitável POLITIZAÇÃO do processo judicial, em uma absurda judicialização do processo legislativo e na perda total de eficácia nos processos administrativos.
A postura discreta, litúrgica, de nossos magistrados, muitas vezes têm sido cobrada no grito…
Proibido “pensar”?
Processo legislativo traduz o processo de raciocínio e elaboração criativa, cerebral, do parlamento.
Nesse clima, a decisão do STF de “paralisar” um processo legislativo, pode ser enquadrada como verdadeira censura ao ato de “MENTALIZAR, PROPOR, DEBATER E DELIBERAR”, razão de ser da DEMOCRACIA…
Seja justa ou não a pretensão dos novos líderes partidários, estejam eles fazendo uso de expediente judicial para obter vantagens políticas, configure o caso uma tentativa de velhas siglas manterem monopólio sobre benefícios legais… o fato é que uma proposta banal, analisada no bojo de um regular processo legislativo, aprovada e encaminhada da casa do povo para o organismo que é a razão de ser de qualquer república desde os tempos de Roma Antiga – o SENADO FEDERAL, teve seu trâmite paralisado por decisão judicial ANTES DE VOTADA POR QUEM FOI ELEITO PELO POVO PARA ISSO.
Nenhuma lei, afinal, está livre de ver-se analisada sob o controle da constitucionalidade pelo judiciário. No entanto, estamos nos referindo a uma decisão que IMPEDE que o processo legislativo resulte numa lei, sem que haja fundamento expresso além de bem redigida fundamentação denotando uma contrariedade do julgador com o processo em pauta…
Esse precedente, sem dúvida, abre uma vala ativista que pode sepultar a democracia instalando a pior das ditaduras: a do Judiciário.
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados (PPA). Desde 1985 dedica-se à advocacia especializada em Direito Ambiental. É também membro do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional e consultor do Banco Mundial, com vários projetos já concluídos.
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