STF admite execução provisória de condenação de réu confirmada em segunda instância (sem trânsito em julgado)…
Por Walter Fanganiello Maierovitch
Como se sabe, os Estados Nacionais detêm o monopólio da Justiça criminal, numa atividade substitutiva às partes em litígio e com o ideal de não deixar impunes os crimes e não punir inocentes, aplicado o direito objetivo e observado o devido processo legal. Mas não se parou aí e muitos Estados Nacionais evoluíram para outra conquista, qual seja, a busca do processo com duração média aceitável porque razoável.
No âmbito da União Europeia e à luz da sua Convenção de Direitos Humanos, tornou-se comum, sob alegação de morosidade processual, o ajuizamento, na Corte Europeia de Direitos Humanos sediada em Estrasburgo, de ações voltadas à condenação de Estado membro por danos morais e patrimoniais.
Para a Corte de Estrasburgo, o atraso demasiado na solução de um processo é “causa geradora de vulnus (lesão) ao Estado Democrático de Direito”. No conhecido caso Brusco Umberto, acusado de corrupção e associação delinquencial e absolvido definitivamente, concluiu-se pela violação da regra fundamental do processo de duração razoável (art. 6º da Convenção Europeia) e determinou-se a indenização por danos moral e patrimonial. Idem no caso de certa jornalista acusada de porte de maconha para uso próprio, com dez anos de tramitação e absolvição final pela inexistência do fato.
No Brasil, ao contrário da Corte Europeia que condena um Estado Nacional por manter injusto, moroso e lesivo sistema de Justiça criminal, o nosso Supremo Tribunal Federal (STF) encara a morosidade de maneira diversa. Ou seja, para evitar a morosidade na solução definitiva de um processo criminal, o STF passou a admitir, por 6 x 4 votos, a execução criminal provisória (sem trânsito em julgado) de condenação impositiva de pena de prisão e desde que confirmada em segunda instância.
Em outras palavras, a Corte Europeia não coonesta a morosidade processual e condena o Estado Nacional a indenizar. No STF, o processo moroso é aceito como irremediável e, a título de se contrastar a impunidade, privilegia a acusação antes do trânsito em julgado.
Não bastasse, o STF ignorou a constitucional presunção de não culpabilidade ao admitir a culpa por meio de execução provisória. E não se está aqui a falar de presunção de inocência até porque não adotada na Constituição: a nossa Constituição é cópia da italiana de 1948 (art. 27, comma 2º) e, como doutrinou o festejado Hélio Tornaghi em absoluta conformidade com os juristas peninsulares, “declarando apenas que o acusado non è considerato colpevole, a Constituição não afirmou a presunção de inocência, limitou-se a negar a culpa”.
Por outro lado, e com relação aos defensores do acerto da decisão do STF, não é correto afirmar que, em diversos países comprometidos com a proteção a direitos humanos fundamentais, até condenações de primeiro grau geram imediatas privações de liberdade. Na maioria dos países europeus, em primeira instância da Justiça criminal, funcionam órgãos colegiados, enquanto, entre nós, como regra, temos, em primeira instância, decisão judicial monocrática. Mais ainda, os referidos órgãos colegiados europeus analisam e deliberam sobre a exigência de se manter ou impor a prisão preventiva e fundada no princípio da necessidade: podem deliberar também por medidas cautelares alternativas à prisão fechada.
Evidentemente, nunca, e ao contrário do STF, é imposta prisão por futura demora de tramitação e para se evitar a impunidade, dada como causada pela nossa própria legislação. O STF faz lembrar a piada do pai a ordenar a remoção do sofá da sala de visitas para impedir a continuidade das relações sexuais da filha com o namorado.
Vale recordar ainda ser a liberdade a regra e a privação de liberdade a exceção. A privação de liberdade justifica-se com a imposição da prisão preventivamente, fundada na necessidade e em face do interesse social. Não se legitima a privação de liberdade cautelar pela morosidade processual futura, pós-sentença condenatória confirmada em segunda instância, mas ainda não definitiva. O que o STF fez, com a devida vênia, foi antecipar a condenação e dar, aos futuros recursos, a natureza jurídica de uma outra forma de revisão criminal.
O processo penal brasileiro é regido pela Constituição e pelas leis e, se a sua duração não é razoável, aceitável, não se pode sancionar o acusado a ponto de se permitir a execução provisória. Para tanto, que se mudem as leis e se reduzam as instâncias, colocando-se, em primeiro grau de jurisdição e para maior segurança jurídica, órgãos colegiados.
Em síntese, precisamos de profundas reformas e não de extravagante remendo por interpretação do STF.
Walter Fanganiello Maierovitch, jurista, desembargador aposentado do TJ-SP, é comentarista da rádio CBN, colunista da revista CartaCapital e colaborador da revista italiana Narco-Mafie
Publicado originalmente na Revista Carta Capital
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