O GOLPE DE ESTADO DA TOGA
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
O STF, Supremo Tribunal Federal, transformou-se no Supremo Triturador da República. Ao decidir a ADPF 378, o sodalício postado no topo do Poder Judiciário desfigurou o processo de impeachment, interveio no Parlamento Nacional, golpeou silogisticamente a Constituição e revelou profundo desprezo pelo Brasil.
Os ilustres componentes responsáveis pela barbaridade perpetrada a título de decisão judicial, na ADPF 378, que não se tenha dúvida, sairão tragados pelos fatos, pela janela da história do judiciário brasileiro – “data venia”, quando a imagem da República entrar pela porta e iluminar a hoje sombria sala da crise moral, institucional, econômica, política e social que nos assola hoje.
A ADPF 378 – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, promovida pelo Partido Comunista do Brasil, pretendia paralizar e mudar rumos no processo de impeachment da Presidente Dilma, atualmente em trâmite na Câmara Federal.
Se a ideia era essa, a confusa decisão da côrte suprema do país lhe foi favorável. O topo do judiciário nacional decidiu de forma que com o qual, sem o qual, apesar do qual, tudo, na moribunda república brasileira, ficou tal e qual.
Criaram duas instâncias de admissibilidade para um mesmo procedimento, que é de ordem absolutamente política. Deram ao Senado – cujo termo “Câmara Alta” não advém de sua superioridade mas, sim, da qualidade de sua representação, que nada tem de popular e, sim, de federativo – uma qualidade de decidir politicamente pela admissibilidade do impeachment que em qualquer instância de qualquer país bicameral, ele não teria.
Assim, os ministros, que deveriam zelar pelo supremo interesse nacional, com todo o respeito devido, seguiram o “princípio da judicialização mediocrizada da vida política nacional”.
De fato, se o ativismo principiologista, no mar de supremas vaidades que afoga a justiça no Brasil, ainda não criou esse princípio, executa-o de forma ordinária, diariamente.
Já tive a oportunidade de dizer que, ao adotar a iluminação constitucional ao sabor dos princípios doutrinários de cada um de seus membros, o Supremo transformou-se em uma espécie de Conselho de Guardiões – o colegiado de Aiatolás iranianos, interpretadores xiitas de normas sob inspiração divina, tendo por base o Alcorão. Por isso, não é de surpreender a facilidade, a frequência – e mesmo a insensibilidade – com que o colegiado do STF protagoniza conflitos, em vez de resolvê-los.
O destemor no julgar de acordo com convicções próprias – nunca conforme o clamor popular – qualidade desejável em qualquer julgador, no caso de nosso STF, extrapola a ponto de deixar a sociedade confusa quanto ao real interesse público em causa.
A bola principiológica da vez foi o “sigilo” na votação para escolha da Comissão da Câmara.. A questão, no entanto, não suportou um segundo passar d’olhos – houve magistrado confundindo tipos de votações no parlamento. Uma coisa é a publicidade das decisões, outra é o sigilo nas eleições entre pares e indicados a cargos de outros poderes. Com efeito, até para representante de classe, a escolha é protegida – para que a votação não se transforme em “marcação” de eleitores pelos eleitos. Isso vale para o sufrágio universal, para o sufrágio em sindicatos, nos tribunais e, também, no parlamento.
Em seguida, rasgaram todas as tradições vivenciadas e consolidadas no Parlamento nacional, para pretender introduzir uma “revitalização” da figura dos partidos políticos, entendendo que comissões deveriam seguir a indicação de suas lideranças partidárias – mote para anular a histórica votação que levou o plenário da Câmara a rejeitar o conchavo governista inserto na comissão oficialmente proposta para analisar o pedido de impeachment, votando em uma chapa avulsa, independente.
Engessaram os supremos magistrados, de forma magistral, o parlamento nacional. Pior, ignoraram a balbúrdia partidária ali existente, como se nosso regime congressual não fosse vinculado ao regime presidencialista e, sim, parlamentarista – onde os partidos seguem regime estabelecido de admissão, preparação e promoção dos seus quadros, visando uma futura composição na execução das tarefas de administrar o Estado.
Literalmente, para quem assistiu estarrecido ao televisionamento da sessão do STF, as perorações oscilavam do choque de realidade às divagações de quem literalmente “viajava na maionese” da salada de silogismos sem premissa.
Em sua estreita visão de mundo, do direito, das relações humanas, o olimpo judiciário conseguiu, assim, reduzir um instituto eminentemente político – que diz respeito à sobrevivência do Estado Democrático de Direito e do Regime Republicano – a um procedimento administrativo judicialiforme dos mais tacanhos, com trâmites processuais os mais ordinários.
Desde os bancos universitários, é conhecida a lição de que não se silogiza para julgar e, sim, para demonstrar como se julgou.
O que se viu, a título de motivação para decidir, na sessão de julgamento do Supremo, foi um desfile de silogismos…
Os ministros vencedores nos tópicos que desfiguraram o processo de impeachment, transformando-o em mais um Frankenstein a serviço da chicana ocasional. De silogismo em silogismo, viraram as costas para uma crise de poder que reclama rapidez em sua solução.
Deram as costas para o Brasil.
Restou o sentimento claro de que há um profundo desconhecimento da razão de ser da política no Estado moderno ou, pior, um descomprometimento dos supremos magistrados para com a realidade política nacional.
A pretexto de conferir algum respiro, talvez o passo que deram os ministros do Supremo venha provocar a reação como pronta resposta, das instituições de Estado. Essa pronta resposta, por óbvio, não se coaduna com o que pretendem os componentes da base governista, barnabés,oportunistas e outros náufragos ensimesmados, agarrados à boia procedimental fornecida agora pelo supremo.
De fato, esses náufragos continuarão vagando na turbulência do naufrágio inevitável do governo Dilma Rousseff…
O STF instalou um contraditório sistêmico que será a sopa no mel para manobras processualísticas sujeitas a novas judicializações. Um moto contínuo ilusório que acirrará ânimos e levará os Brasileiros vitimados pela crise sistêmica a desconfiarem do sistema democrático que se lhes apresenta…
Belo desserviço prestado à pátria, por uma judicatura que não deixará saudades quando, felizmente, um dia se for…
Porém, em se tratando da mais importante instituição da justiça em nosso regime constitucional, competirá a todos nós respeitar formalmente a decisão, dentro do mais elevado espírito cívico e, assim, nos contentarmos com o que nos serviram os doutos magistrados supremos: “é o que temos para hoje”.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.
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