Decisões “fatiadas” do STF podem destruir todo o trabalho de combate à corrupção conduzido na Operação Lava Jato
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Exercer a crítica no direito é uma tarefa difícil. Principalmente no Brasil, onde o argumento da autoridade prevalece sobre um mar de submissos.
É preciso, assim, resgatar a crítica com todas as armas a ela inerentes, incluso o argumento caustico e mordaz. A verdade é que certas decisões e comportamentos de nossas autoridades superiores, tamanha a insensibilidade e o equívoco, necessitam sofrer “constrangimento epistemológico” adequado, até que a própria instituição ea sociedade, acordem para o problema…
Quando Jack Estripador inspira o STF
Deu na Folha de S. Paulo:
O Ministro Teori Zavascki, relator dos procedimentos da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, além de recusar abertura de inquérito contra a ex-ministra e Senadora Gleisi Hoffmann (PT), decidiu recusar também todos os inquéritos relacionados com o Eletrolão, como se corruptos e corruptores não fossem exatamente os mesmos do Petrolão.
Teori decidiu redistribuir as ações relacionadas ao setor elétrico para outro ministro, entendendo que o fato de ser relator da Lava Jato não o torna prevento a julgar “todos os casos de corrupção do país”. A tese bate de frente com a posição dos procuradores da força-tarefa paranaense, pois releva o fato claro de não haver “todos os casos”, mas, sim, episódios absolutamente conexos – desdobramentos de um mesmo caso.
Com isso ele pode interromper o fluxo de investigações e processos iniciados sob a condução do Juiz Moro, no Estado do Paraná, entendendo ser a rede de intrigas e corrupção instalada na Eletrobrás algo “diferente” do até agora apurado na Petrobrás…
O Procurador da República, Carlos Fernando dos Santos Lima, avisou no último dia 21 de setembro que a manobra do ministro do STF, de desmembrar o processo, “pode significar o fim da Lava Jato tal qual a conhecemos”.
A preocupação do procurador procede. A decisão poderá permitir que uma consistente insvestigação criminal seja retalhada, para ser julgada em partes.Em uma comparação britanicamente bem humorada: como se a operação Lava a Jato fosse vítima de Jack, o Estripador – pseudônimo dado a um assassino em série não-identificado que agiu no distrito de Whitechapel em Londres na segunda metade de 1888…
Desmembrar, fatiar e desfiar
Não é a primeira vez que o Ministro Teori Zavascki decide agir por partes, pondo em risco o eficiente combate à corrupção perpetrado pela Operação Lava Jato.
Quando iniciada a operação Lava Jato, o Ministro Teori já havia causado problema às investigações quando determinara a remessa de todos os autos ao Supremo. Com isso, ele paralisou o processo até que a Egrégia Côrte entendesse o óbvio: proceder ao desmembramento e remeter de volta, ao juízo de origem, aquilo que de lá não deveria ter saído…
Naquela oportunidade, o Ministro havia determinado a soltura de Paulo Roberto Costa e vários outros envolvidos, voltando atrás quando tornou-se evidente a possibilidade de fuga em massa dos beneficiados pela sua decisão.
Esse procedimento fez com que, à época, surgisse o trocadilho “Supremo de Frango”, para o STF, pois a receita da iguaria manda cozinhar, desmembrar, fatiar e desfiar o frango, bater uma mistura no liquidificador e… misturar tudo em camadas…
Gangorra Decisória
De fato, o “ir-e-vir” em decisões singulares dentro do Supremo Tribunal, consolidaram não apenas o trocadilho mas, também, a triste imagem de “gangorra decisória”, que vai e vem ao sabor do peso político, institucional, econômico, midiático e de opinião pública de momento.
A gangorra já funcionou também coletivamente.
Na Ação 470 – do “Mensalão”, o Supremo perpetrou atentado contra a lógica jurídica quando resolveu “descondenar” alguns réus, por meio de uma prolixa decisão desconstitutiva de formação de quadrilha.
O que antes era somatória de atos visando finalidade conexa (característico de quadrilha), passou a poder ser entendida como incrível somatória de “coincidências funestas”.
Com a “descondenação” criou-se um precedente: envolvidos em casos complexos de corrupção – ainda que caracterizado terem praticado os delitos auxiliando-se mutuamente – podem obter absolvição no Supremo quanto à formação de quadrilha, pois este entende possível não ser “crível que o tivessem praticado com a intenção de praticá-lo articuladamente”.
Judicatura de mal a pior
Embora a imprensa nos dê, a toda hora, exemplos de boa condução de processos por juízes federais e estaduais nos mais variados rincões, observamos que o judiciário brasileiro coleciona estranhezas à medida em que a resolução dos conflitos galga uma instância… algo como uma árvore estar morrendo pelo topo.
De há muito se propugna estarmos diante da pior judicatura da história do Supremo Tribunal Federal. Essa qualificação, no entanto, corre a boca pequena entre advogados, magistrados e juristas de escol há pelo menos quinze anos.
O problema é que a péssima impressão é sempre renovada. Trata-se, portanto, de um processo decadencial e entrópico.
A raiz remonta ao período de FHC, que passou a escolher juristas de acordo com os interesses “superiores” do comando econômico do governo. Se essa postura atraiu notórios oficialistas, as indicações sucessivas verificadas nos governos petistas – de ordem político-ideológica e “liberticida”, refletiram-se em decisões cada vez mais confusas – lotadas de “prolixismos”, “ativismos”, “principiologismos” e “achismos”, que hoje nublam o horizonte jurisprudencial brasileiro, piorando um quadro que já não era bom.
Na atual composição, filmada, gravada, televisada, noticiada e criticada abertamente pelos seus próprios membros, percebe-se a performance sofrível e um modus operandi confuso da nossa corte maior, externados a cada decisão pouco compreensível, entremeada de atritos pessoais, digressões quilométricas, e votos prolixos, redigidos em centenas de páginas, gerando insegurança jurídica a cada reviravolta jurisprudencial,
O Supremo Tribunal Federal perdeu o prumo quando se permitiu utilizar de prismas principiológicos, visando embasar respostas ideológicas para resolução de conflitos de ocasião, com os quais vem colorindo o entendimento de nossa Constituição.
Isso vai piorar
Ativismo judicial e o pan-principiologismo, seguidos de incontidos arroubos estatocratas, fizeram nossa Corte Suprema desbordar dos estritos caminhos do “cumprir e fazer cumprir as leis de acordo com a Constituição”, para o reino do achismo normativo.Is
Ativismo judicial e o pan-principiologismo, seguidos de incontidos arroubos estatocratas, fizeram nossa Corte Suprema desbordar dos estritos caminhos do “cumprir e fazer cumprir as leis de acordo com a Constituição”, para o reino do achismo normativo.
Ao adotar a iluminação constitucional ao sabor dos princípios doutrinários de cada um de seus membros, o Supremo transformou-se em uma espécie de Conselho de Guardiões – o colegiado de Aiatolás iranianos, interpretadores xiitas de normas sob inspiração divina, tendo por base o Alcorão.
Por isso, não é de surpreender a facilidade, a frequência – e mesmo a insensibilidade – com que o colegiado do STF protagoniza conflitos, em vez de resolvê-los.
O destemor no julgar de acordo com convicções próprias – nunca conforme o clamor popular – qualidade desejável em qualquer julgador, no caso de nosso STF, extrapola a ponto de deixar a sociedade confusa quanto ao real interesse público em causa.
O problema não é apenas político, é de ordem teórica: maus argumentos podem construir más decisões. E isso é algo que deve ser evitado.
Como se diz no interior… aberta a porteira… a boiada vai passar.
“Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora”, vaticinou o Ministro Joaquim Barbosa, ao constatar a já referida “descondenação” perpretada pela maiorida dos julgadores do STF, na ação penal 470.
A advertência, pelo visto, há de ser tomada muito a sério.
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
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