Reparação do dano ambiental via TAC afasta fundamento para Ação Civil Pública
Por Maurício Fernandes.
A advocacia ambiental recomenda que a atuação sobre os bens ambientais deve se dar em respeito ao princípio da Prevenção, ou seja, evita-se, sempre, a lesão. Entretanto, com a ocorrência de alguma conduta degradadora, deve-se buscar a reparação.
Muitas formas de reparação podem ser utilizadas para corrigir alguma conduta (compensação, regeneração, recuperação, etc). Ocorre que todas elas devem ser avaliadas juridicamente. A adoção de medidas voluntárias de reparação nem sempre pode ser a solução mais adequada ao caso, na medida em que direitos devem ser preservados em todas as situações. Dito de outra forma, corrigir um erro pode gerar outro erro sem a adequada orientação jurídica.
O direito ambiental proporciona meios de minimizar prejuízos ao empreendedor, desde que corrija sua conduta, por meio de acordos. Existem três espécies dos chamados TAC´s, sigla para Termo de Ajustamento de Conduta, que são na verdade contratos que estabelecem entre as partes compromissos consensuais (vide REsp 802.060/RS)[1]. Pode-se ser inclusive sinalagmático, pois em muitos casos há compromissos mútuos.
A legislação prevê o acordo ambiental, então, em três situações: A prevista no Art. 5º da Lei n. 7347/1985; e em duas oportunidades na Lei n. 9605/1998 (art. 79-A e na hipótese do art. 72, §4º, regulamentado pelo art. 139 e seguintes do Decreto n. 6.514/2008). Temos então o Compromisso de Ajustamento de Conduta e o Termo de Compromisso Ambiental.
Importante colocar que o acordo é um direito subjetivo do empreendedor, pois é vedado à autoridade ambiental negar a possibilidade de recuperar o ambiente, haja vista os princípios balizadores do direito ambiental: da prevenção, do poluidor pagador, do desenvolvimento sustentável e da responsabilidade. Além disso, não se olvide que o art. 14 do CPC garante a aplicabilidade sua nos processos administrativos e são princípios fundamentais do processo efetividade e a solução consensual de conflitos.
O acompanhamento técnico jurídico passa também por fazer constar cláusulas de validade acerca das obrigações assumidas e cláusulas penais, pois nenhum contrato se perpetua no tempo, assim como o ajuste da conduta encerra a relação jurídica entabulada.
Além de ser um direito do autuado, imperioso desmitificar a pretensão muitas vezes utilizada pelo Poder Público de exigir do compromissário o reconhecimento da culpa e responsabilidades decorrentes, pois o acordo não condiciona tal situação (vide a legislação: art. 79-A, §1º da Lei n. 9.605/1998 e art. 146 do Decreto n. 6.514/2008).
Com efeito, relacionando as presentes colocações com o REsp 1524466 / SC, imperioso que o advogado ambiental e o Poder Público compreendam que o objeto do acordo, seja ele qual for, é reparar o ambiente ou ajustar alguma conduta até então irregular. Assim, busca-se, portanto, com essa medida, a reparação.
Logo, não há falar em justa causa para que seja promovida uma medida judicial, no caso uma Ação Civil Pública, cujo objetivo é o mesmo: a reparação.
Não por outro motivo que o Decreto n. 6.514/2008 bem acertou ao expressamente fazer constar que o “termo de compromisso terá efeitos na esfera civil e administrativa” (Art. 146 § 3o).
Acrescenta-se, ainda, que o inverso ainda pende de aprimoramento jurisprudencial, no sentido de afastar a justa causa da ação penal quando a reparação ambiental estiver sendo procedida por via dos chamados TAC´s.
Maurício Fernandes – Advogado e professor de direito ambiental e agrário. É especialista (UFPel) e mestre em direito ambiental (Unisinos). Trabalha com o tema desde o ano 2000 e atua na confecção de pareceres, elaboração de legislações, palestras, consultoria e assessoria judicial e extrajudicial. É professor de direito ambiental na Pós-Graduação da Unisinos e do I-UMA. É membro da União Brasileira dos Agraristas Universitários-UBAU e da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA. Site: http://www.mauriciofernandes.adv.br/
[1] ADMINISTRATIVO. DANO AMBIENTAL. INQUÉRITO CIVIL. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA. ART. 5º, § 6º, DA LEI 7.347/85. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. IMPOSIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CERCEAMENTO DE DEFESA. COAÇÃO MORAL. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. EXCESSO DE COBRANÇA. MULTA MORATÓRIA. HOMOLOGAÇÃO DE TERMO DE AJUSTAMENTO PELO CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 9º, §§ 2º E 3º DA LEI 7347/85 1. A revogação da manifestação de vontade do compromitente, por ocasião da lavratura do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC junto ao órgão do Ministério Público, não é objeto de regulação pela Lei 7347/855. 2. O Termo de Ajustamento, por força de lei, encerra transação para cuja validade é imprescindível a presença dos elementos mínimos de existência, validade e eficácia à caracterização deste negócio jurídico. 3. Sob esse enfoque a abalizada doutrina sobre o tema assenta: “(…)Como todo negócio jurídico, o ajustamento de conduta pode ser compreendido nos planos de existência, validade e eficácia. Essa análise pode resultar em uma fragmentação artificial do fenômeno jurídico, posto que a existência, a validade e a eficácia são aspectos de uma mesmíssima realidade. Todavia, a utilidade da mesma supera esse inconveniente. (…) Para existir o ajuste carece da presença dos agentes representando dois “centros de interesses, ou seja, um ou mais compromitentes e um ou mais compromissários; tem que possuir um objeto que se consubstancie em cumprimento de obrigações e deveres; deve existir o acordo de vontades e ser veiculado através de uma forma perceptível(…) (RODRIGUES, Geisa de Assis, Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2002, p. 198). (Grifamos). 4. Consectariamente, é nulo o título subjacente ao termo de ajustamento de conduta cujas obrigações não foram livremente pactuadas, consoante adverte a doutrina, verbis:”(…) Para ser celebrado, o TAC exige uma negociação prévia entre as partes interessadas com o intuito de definir o conteúdo do compromisso, não podendo o Ministério Público ou qualquer outro ente ou órgão público legitimado impor sua aceitação. Caso a negociação não chegue a termo, a matéria certamente passará a ser discutida no âmbito judicial. (FARIAS, Talden, Termo de Ajustamento e Conduta e acesso à Justiça, in Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, v.LII, p. 121). 5. O Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório encartado nos autos, insindicável pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, consignou que: (a) o Termo de Ajustamento de Conduta in foco não transpõe a linde da existência no mundo jurídico, em razão de o mesmo não refletir o pleno acordo de vontade das partes, mas, ao revés, imposição do membro do Parquet Estadual, o qual oficiara no inquérito; (b) a prova constante dos autos revela de forma inequívoca que a notificação da parte, ora Recorrida, para comparecer à Promotoria de Defesa Comunitária de Estrela-RS, para “negociar” o Termo de Ajustamento de Conduta, se deu à guisa de incursão em crime de desobediência; (c) a Requerida, naquela ocasião desprovida de representação por advogado, firmou o Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Estadual no sentido de apresentar projeto de reflorestamento e doar um microcomputador à Agência Florestal de Lajeado, órgão subordinado ao Executivo Estadual do Rio Grande do Sul; (e) posteriormente, a parte, ora Recorrida, sob patrocínio de advogado, manifestou sua inconformidade quanto aos termos da avença celebrada com o Parquet Estadual, requerendo a revogação da mesma, consoante se infere do excerto do voto condutor dos Embargos Infringentes à fl. 466. 6. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 (“A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). Precedente do STJ:REsp 625.249/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ 31/08/2006). 7. A reparação de danos, mediante indenização de caráter compensatório, deve se realizar com a entrega de dinheiro, o qual reverterá para o fundo a que alude o art. 13 da Lei 7345/85. 8.Destarte, não é permitido em Ação Civil Pública a condenação, a título de indenização, à entrega de bem móvel para uso de órgão da Administração Pública. 9. Sob esse ângulo, sobressai nulo o Termo de Ajustamento de Conduta in foco, por força da inclusão de obrigação de dar equipamento de informática à Agência de Florestal de Lajeado. 10. Nesse sentido direciona a notável doutrina:“(…)como o compromisso de ajustamento às “exigências legais” substitui a fase de conhecimento da ação civil pública, contemplando o que nela poderia ser deduzido, são três as espécies de obrigações que, pela ordem, nele podem figurar: (i) de não fazer, que se traduz na cessação imediata de toda e qualquer ação ou atividade, atual ou iminente, capaz de comprometer a qualidade ambiental; (ii) de fazer, que diz com a recuperação do ambiente lesado; e (iii) de dar, que consiste na fixação de indenização correspondente ao valor econômico dos danos ambientais irreparáveis (Edis Milaré, Direito Ambiental, p. 823, 2004). 11. Consectariamente, é nula a homologação de pedido de arquivamento de inquérito civil público instaurado para a apuração de dano ambiental, pelo Conselho Superior do Ministério Público, à míngua de análise da inconformidade manifestada pelo compromitente quanto ao teor do ajuste. 12. A legislação faculta às associações legitimadas o oferecimento de razões escritas ou documentos, antes da homologação ou da rejeição do arquivamento (art. 5º, V, “a” e “b”, da Lei 7347/85), sendo certo, ainda, que na via administrativa vigora o princípio da verdade real, o qual autoriza à Administração utilizar-se de qualquer prova ou dado novo, objetivando, em última ratio, a aferição da existência de lesão a interesses sob sua tutela. 13. Mutatis mutandis, os demais interessados, desde que o arquivamento não tenha sido reexaminado pelo Conselho Superior, poderão oferecer razões escritas ou documentos, máxime porque a reapreciação de ato inerente à função institucional do Ministério Público Federal, como no caso em exame, não pode se dar ao largo da análise de eventual ilegalidade perpetrada pelo órgão originário, mercê da inarredável função fiscalizadora do Parquet. 14. Sob esse enfoque não dissente a doutrina ao assentar: “A homologação a que se refere o dispositivo, contudo, não tem mero caráter administrativo, nela havendo também certo grau de institucionalidade. Note-se a diferença. Não trata a lei de mera operação na qual um ato administrativo é subordinado à apreciação de outra autoridade. Trata-se, isso sim, de reapreciação de ato inerente à função institucional do Ministério Público, qual seja, a de defender os interesses difusos e coletivos, postulado que, como já anotamos, tem fundamento constitucional. Por isso mesmo, não bastará dizer-se que o Conselho Superior examina a legalidade da promoção de arquivamento. Vai muito além na revisão. Ao exame de inquérito ou das peças informativas, o Conselho reaprecia todos os elementos que lhe foram remetidos, inclusive – e este ponto é importante – procede à própria reavaliação desses elementos. Vale dizer: o que para o órgão responsável pela promoção de arquivamento conduzia à impossibilidade de ser proposta a ação civil, para o Conselho Superior os elementos coligidos levariam à viabilidade da propositura. O poder de revisão, em conseqüência, implica na possibilidade de o Conselho Superior substituir o juízo de valoração do órgão originário pelo seu próprio(…) José dos Santos Carvalho Filho, in Ação Civil Pública, Comentários por Artigo, 7ª ed; Lumen Juris; Rio de Janeiro, 2009, p. 313-316) grifos no original 15. A apelação que decide pela inexigibilidade do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, por maioria, malgrado aluda à carência, encerra decisão de mérito, e, a fortiori, desafia Embargos Infringentes. 16. In casu, as razões de decidir do voto condutor dos Embargos Infringentes revelam que análise recursal se deu nos limites do voto parcialmente divergente de fls. 399/402, fato que afasta a nulidade do referido acórdão suscitada pelo Ministério Público Federal à fl. 458. 17. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido. (REsp 802.060/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 22/02/2010)
Confira a íntegra do julgado referido no artigo:
(*congratulações aos colegas Alexandre Waltrick Rates e João Pimenta, que atuaram no processo)
RECORRENTE : FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE FATMA
ADVOGADO : ALEXANDRE WALTRICK RATES E OUTRO(S)
RECORRENTE : FAMOSSUL MÓVEIS S.A
ADVOGADOS : JOÃO JOAQUIM MARTINELLI VANDERLEI LUIS GUESSER E OUTRO(S)
RECORRIDO : OS MESMOS
RECORRIDO : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS – IBAMA
RECORRIDO : RÉGINES ROEDER
ADVOGADOS : RODE ANELIA MARTINS LUCAS MAYKOT
RELATÓRIO
1. Trata-se de Recursos Especiais interpostos por FAMOSSUL MÓVEIS S/A, com fulcro na alínea a do art. 105, III da Constituição Federal, por FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA, com base na alínea a do permissivo constitucional, por JOSÉ FELCHILCHER, alienante do imóvel denominado Fazenda do Areião, localizado no Município de Santa Cecília/SC, com base nas alíneas a e c do permissivo constitucional, e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com lastro na alínea a do autorizador constitucional, todos objetivando a reforma de Acórdão do Tribunal Regional Federal da 4a. Região, assim ementado:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA À RECUPERAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. AGRAVO RETIDO – AFASTAMENTO TEMPORÁRIO DO EMBARGO DA ÁREA DEGRADADA – IMPROVIMENTO DO RECURSO. ILEGITIMATIO AD CAUSAM DE RÉGIS ROEDER – HIGIDEZ DOS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS. DECISÃO QUE JULGOU OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO DA FAMOSSUL IMÓVEIS S.A. – NULIDADE DO JULGAMENTO – INOCORRÊNCIA. AMPLIAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PELO DANO AMBIENTAL RECONHECIDA PELA SENTENÇA EM FACE DA FATMA E DA EMPRESA FAMOSSUL MÓVEIS S.A. – SUPEDÂNEO NOS ELEMENTOS COGNITIVOS DOS AUTOS – PRETENSÃO RECURSAL ACOLHIDA. COMPENSAÇÃO DO VALOR EFETIVAMENTE PAGO DA MULTA APLICADA PELA FATMA DAQUELE DEVIDO AO IBAMA. PREQUESTIONAMENTO.
1. Agravo retido improvido.
2. Preliminares rejeitadas.
3. Apelações do MPF e do IBAMA parcialmente providas.
4. Apelação do réu José Felchilcher parcialmente provida.
5. Apelações da FATMA e da FAMOSSUL MÓVEIS S.A. improvidas (fls. 1.643/1.660).
2. Nas razões de seu Apelo Raro de fls. 1.681/1.733, sustentou FAMOSSUL MÓVEIS S/A violação, pelo Acórdão recorrido, dos arts. 128 e 460 do CPC; art. 6o. da LICC, arts. 2o., 3o., III, 53 da Lei 9.784/99, art. 76 da Lei 9.099/95, art. 27 da Lei 9.605/98, arts. 18, 94, 101, caput e §§ 2o. e 4o., 108, 146, caput e § 3o. do Decreto 6.514/08, aos seguintes argumentos:
(a) a Autorização para Corte de área total de 90 ha, concedida pela FATMA a José Felchilcher em 21.7.03 não poderia ter sido anulada incidentalmente nos autos, uma vez que não houve postulação do IBAMA na exordial;
(b) não há elementos de prova nos autos que permita a declaração de nulidade do TAC firmado entre FATMA e José Felchilcher, ao fundamento de ilegalidade;
(c) a FAMOSSUL S/A tinha a segurança jurídica para adquirir o imóvel, uma vez que o TAC firmado entre José Felchilcher e FATMA, que goza de presunção de veracidade, regularizou a situação ambiental da área adquirida, tendo o alienante comprovado o cumprimento de todas as cláusulas do Termo de Ajustamento de Conduta;
(d) em respeito ao direito de propriedade, deve haver o desembargo da Fazenda Areião, pois a FAMOSSUL S/A adquiriu o imóvel ignorando qualquer restrição ao bem, já que o IBAMA não publicou seu ato de embargo na área; e
(e) foi firmada transação penal entre o MPF e JOSÉ FELCHILCHER na Ação Penal 2004.72.06.000556-7, sendo certo que o Parquet validou os termos do anterior TAC estabelecido entre o acusado e FATMA. Como a ação penal trata dos fatos descritos nos autos de infração lavrados pelo IBAMA, não restou objeto para recuperação posterior em sede de ACP; e
(f) a FAMOSSUL S/A agiu com boa-fé ao adquirir o imóvel, de modo que não pode ser responsabilizada por eventual dano a que não deu causa, qualificado pela recomposição dos prejuízos ambientais causados pelo antigo dono da área adquirida.
3. A FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA alegou, nas razões de seu Apelo Raro de fls. 1.800/1.811, que o Acórdão recorrido violou o art. 14, § 1o. da Lei 6.938/81, ao argumento de que apenas o poluidor é obrigado a reparar os danos ambientais, sendo certo que somente expediu autorização de corte de área, dada a presença dos requisitos legais, não tendo, portanto, responsabilidade por projeto de recuperação de área degradada. Defendeu que o Agente Público da Fundação que concretizou os atos de licença deveria constar no polo passivo do feito.
4. Por sua vez, JOSÉ FELCHILCHER sustentou, em seu Recurso Especial de fls. 1.839/1.844, violação, pelo Aresto recorrido, dos arts. 515, § 4o. e 331, § 2o. do CPC, art. 60, § 3o. do Decreto Federal 3.179/99, art. 8o. do Decreto 3.179/99, ao argumento de que, com a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta entre a parte Recorrente e a FATMA, há presunção de legitimidade do ato administrativo. Por isso, tendo cumprido todas as cláusulas do acordo, devem ser afastadas as condenações referentes à presente ACP.
5. Por fim, recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, alegando, nas razões de seu Apelo Raro de fls. 1.848/1.860, que o Acórdão a quo vulnerou os arts. 3o., parág. único da Lei 9.605/98, e arts. 3o., IV e 14, § 1o. da Lei 6.938/81, ao argumento de que, em se tratando de dano ambiental, haverá responsabilidade objetiva daquele que for considerado poluidor, independentemente de se tratar de Agente Público, motivo pelo qual deve ser reconhecida a legitimidade passiva ad causam de RÉGINES ROEDER, Servidor da FATMA.
6. A Vice-Presidência do Tribunal de origem deferiu o processamento dos Recursos Especiais às fls. 2.034, 2.036/2.038, 2.040 e 2048.
7. O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN, opinou pelo não conhecimento dos Apelos Raros do MPF, da FATMA e de JOSÉ FELCHILCHER e pelo desprovimento do Recurso Especial de FAMOSSUL MÓVEIS S/A (fls. 2.118/2.127).
8. Em síntese, é o relatório.
VOTO
1. Dessume-se dos autos que o IBAMA, por sua Gerência Executiva Catarinense, ajuizou, em abril de 2005, Ação Civil Pública, por danos causados ao Meio Ambiente, em desfavor de JOSÉ FELCHILCHER, alienante do imóvel denominado Fazenda do Areião, localizado no Município de Santa Cecília/SC, de FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA e de RÉGINES ROEDER, Coordenador Regional da FATMA.
2. Na petição inicial, narrou a Autarquia Ambiental que, em 19.11.2003, lavrou três autos de infração contra JOSÉ FELCHILCHER por ilícitos ambientais, sendo certo que este demandado informou que não iria adimplir as sanções, ao argumento de ter firmado Termo de Ajustamento de Conduta com a FATMA. Aduziu que a FATMA desconstituiu as autuações da Parte Autora sob a alegação de que autuou o demandado minutos antes do IBAMA e que, no acordo firmado com a FATMA, a multa foi reduzida em 90%, havendo previsão de doação de um terreno em Canoinhas e de recuperação de apenas 74,5 hectares dos 300 de área degradada. Alegou que a FATMA ainda levantou o embargo, autorizando o plantio de pinus em 230 hectares. Sustentou a nulidade do TAC firmado entre a Fundação e o Réu JOSÉ FELCHILCHER, dadas as incongruências no documento e a inaptidão para a tutela do ambiente agredido. Requereu a procedência dos pedidos para que o TAC fosse anulado, com ulterior determinação para que os demandados fossem condenados a providenciar a recuperação total do dano ambiental, bem como a condenação dos Réus ao pagamento de indenização pelos danos causados.
3. Em sentença, os pedidos foram julgados procedentes, ao fundamento, dentre outros, de que a atuação da FATMA e o termo de ajuste de conduta não foram aptos a cumprir as exigências constitucionais e legais de tutela, preservação e recuperação dos danos ambientais constatados (fls. 1.417). JOSÉ FELCHILCHER foi condenado a elaborar e executar projeto de recuperação da área degradada na extensão de 230 hectares, assim como a pagar indenização em R$ 930.000,00, ao passo que as corrés FATMA e FAMOSSUL MÓVEIS foram condenadas à obrigações de não-fazer, consistentes em se abster de intervir no plano de recuperação.
4. Os Embargos de Declaração opostos por FAMOSSUL MÓVEIS S/A foram parcialmente acolhidos para considerar nula a autorização de corte 005/03 emitida pela FATMA e indeferir o pedido de perda de objeto desta ação em contraponto à homologação da transação penal concretizada no bojo dos autos 200472.06.000556-7 (fls. 1.439/1.443).
5. O TRF da 4a. Região deu parcial provimento à Apelação de JOSÉ FELCHILCHER, a fim de lhe assegurar o abatimento do valor efetivamente pago à FATMA como penalidade dos valores ainda devidos ao IBAMA, bem como à Apelação do MPF, para estender a condenação de recuperação da área degradada aos corréus FAMOSSUL MÓVEIS S/A e à FATMA.
6. Inicialmente, cumpre assinalar que o Recorrente JOSÉ FELCHILCHER, em que pese tenha manifestado insurgência pela alínea c do permissivo constitucional, não apresentou demonstração técnica de dissonância jurisprudencial entre o Aresto recorrido e eventual julgado paradigma, sequer abrindo tópico sobre o tema. Assim sendo, enfrenta-se o recurso somente pela alínea a do art. 105, III da Constituição Federal.
7. Passo seguinte, analisa-se primeiramente, por uma questão de lógica, o Apelo Raro do MPF, referente à preliminar de legitimidade passiva ad causam de RÉGINES ROEDER, Servidor da FATMA. Requer o Parquet seja a condenação estendida ao Agente da Fundação, ao argumento de que, em se tratando de dano ambiental, haverá responsabilidade objetiva daquele que for considerado poluidor, independentemente de se tratar de Agente Público. 8. Contudo, observa-se que a Ação Civil Pública foi movida pelo IBAMA em desfavor do causador do dano ambiental, JOSÉ FELCHILCHER, dano este já ocorrido por ocasião da atuação do Servidor da Fundação sobre o qual se pretende a inclusão no polo passivo para consequente responsabilização a reparar a degradação ambiental. Por isso, não se coaduna com a pretensão de reparação de danos a atuação ex post facto do Agente da Fundação por ter firmado um Termo de Ajustamento de Conduta.
9. Ademais, assinale-se que o TAC, subscrito pelo Servidor e pelo Réu poluidor, objetivou solucionar o dano ambiental por meio da recuperação da área degradada (fls. 119), ao passo que a ACP visou à condenação dos Réus para a exata recuperação da área ambiental deteriorada. Inexiste, portanto, subsunção do Servidor à figura do poluidor , de modo que não há falar em violação aos arts. 3o., parág. único da Lei 9.605/98, e arts. 3o., IV e 14, § 1o. da Lei 6.938/81, conforme postula o Parquet .
10. Conquanto o IBAMA, parte Autora da ação, tenha narrado a reiterada atuação do Servidor em diversos Termos de Ajustamento de Conduta – que, a seu respeito, supostamente não protegeriam o meio ambiente –, não apontou na petição inicial um específico ato ultra vires do Servidor que permitisse o superamento da doutrina de responsabilização primordial da pessoa jurídica a qual o Agente integra.
11. Contrariamente, ao que se dessume da petição inicial, a pretensão é fulcrada em responsabilidade objetiva pelo dano ambiental (fls. 20/21). Nesse sentido, de acordo com a tradicional doutrina da Organização Administrativa, é dizer, a Teoria da Imputação Volitiva, formulada pelo jurista alemão OTTO GIERKE, os atos praticados pelos Agentes Públicos são imputáveis à entidade pública que o alberga, o que consubstancia, na espécie, a legitimidade passiva da Fundação FATMA e não a do Servidor RÉGINES ROEDER.
12. De fato, veja-se o que escreveu a esse respeito a sábia pena do Professor CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:
(…) para que as atribuições [do Estado] se concretizem e ingressem no mundo natural, é necessário o concurso de seres físicos, prepostos à condição de agentes. O querer e o agir destes sujeitos é que são, pelo Direito, diretamente imputados ao Estado (manifestando-se por seus órgãos), de tal sorte que, enquanto atuam nesta qualidade de agentes, seu querer e seu agir são recebidos como o querer e o agir dos órgãos componentes do Estado; logo, do próprio Estado. Em suma, a vontade e a ação do Estado (manifestada por seus órgãos, repita-se) são constituídas na e pela vontade e ação dos agentes; ou seja: Estado e órgãos que o compõem se exprimem através dos agentes, na medida em que ditas pessoas físicas atuam nesta posição de veículos de expressão do Estado (Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 144).
13. Nesse enleio, é imperioso registrar o entendimento desta Corte Superior de que nas ações indenizatórias por responsabilidade objetiva movidas contra o Estado, a também presença do agente público no polo passivo da lide induz a formação de litisconsórcio meramente facultativo (art. 46 do CPC), sendo, por isso, lícito ao juiz, por critérios de economia e celeridade processuais, determinar a exclusão daquele preposto da relação processual, sem qualquer prejuízo para o ente público, que continua detendo ação de regresso em face do servidor (art. 37, § 6o. da CF) (REsp. 1.215.569/AL, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 19.12.14).
14. Por conseguinte, de acordo com a narrativa e a pretensão da exordial, ao IBAMA interessou a verificação da responsabilidade do poluidor JOSÉ FELCHILCHER e da FATMA enquanto órgão fiscalizador, sendo certo que a eventual responsabilidade subjetiva do Agente Público é desnecessária e irrelevante para a reparação do dano ambiental no caso concreto. Por isso, o Acórdão a quo deve perseverar no ponto em que manteve a sentença de acolhimento da preliminar de ilegitimidade passiva do Agente Público.
15. Pois bem. Cinge-se a controvérsia, no mérito, em saber se devem persistir as condenações em Ação Civil Pública referentes à obrigação de recuperação de área degradada e de pagar indenização.
16. A esse respeito, veiculou Apelo Raro a FAMOSSUL MÓVEIS S/A às fls. 1.681/1.733, ao argumento de que foi firmada Transação Penal entre o MPF e JOSÉ FELCHILCHER na Ação Penal 2004.72.06.000556-7, sendo certo que o Parquet validou os termos do anterior TAC estabelecido entre o acusado e FATMA. Entende a parte Recorrente que, como a Ação Penal tratou dos fatos descritos nos autos de infração lavrados pelo IBAMA, não restou objeto para recuperação posterior em sede de ACP.
17. Sobre este nobre tema da transação, conforme é do tradicional conhecimento da Filosofia Jurídica, o Direito e a Justiça se corporificam com a pacificação social e o equilíbrio das relações , tal como escreveu o salmista DAVI ao dizer que o amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se abraçarão .
18. Não se pretende aprofundar em demasia o assunto, até porque é unânime entre os operadores do Direito, seja qual for a sua esfera de atuação, que os meios democráticos de solução dos conflitos são muito mais eficientes do que um pronunciamento jurisdicional puro e simples. Não é sem motivo que, com o advento do novo CPC, as oportunidades para que haja transação entre as partes estão sobremaneira amplificadas.
19. De acordo com as lições do eminente Ministro desta Corte Superior MARCO BUZZI, em exposição no I Encontro Luso-Brasileiro de Direito:
A centralização da jurisdição, no mais das vezes, direciona-se no sentido de promover apenas o acesso à justiça formal, desprezando o real alcance à ordem jurídica justa, não ocorrendo, via de regra, no âmbito desses modelos, a resolução do conflito sociológico que invariavelmente está presente nas demandas apresentadas à solução do Estado, objetivo fácil e geralmente alcançado quando os interessados buscam dirimir suas pendências nos programas estatais que levam às populações os métodos alternativos de pacificação social (A Mudança de Cultura pela Composição de Litígios. Brasília: STJ, 2014, p. 451-504).
20. Para o Professor JOSÉ HERVAL SAMPAIO JÚNIOR, Juiz de Direito no Rio Grande do Norte, a questão pode ser assim destravada:
(…) em que pese todo esse esforço em se alcançar uma atividade jurisdicional que se preocupe, em cada caso concreto, com uma substancial proteção dos direitos, talvez a solução consensual dos conflitos seja um modo mais eficiente, pelo menos, no aspecto de se atingir uma verdadeira pacificação social, pois, em não havendo vencedor e perdedor, as chances de continuidade de relação pós-lide são bem maiores, e mesmos em casos em que não se exige a continuidade do relacionamento, o acordo gera uma sensação de maior satisfação e, muitas vezes, a certeza do cumprimento da obrigação (O Papel do Juiz na Tentativa de Pacificação Social: a Importância das Técnicas de Conciliação e Mediação. Natal: Revista Direito e Liberdade, 2007, p. 2).
21. Entre o particular e o Poder Público, as oportunidades para a formulação de acordo, ainda que extrajudicial, estão previstas em diversos diplomas pátrios, valendo citar, por exemplo, o art. 6o., § 5o. da Lei 7.347/85, segundo o qual os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial .
22. Digno de nota é o art. 79-A da Lei 9.605/98, reguladora dos Crimes Ambientais, que prevê a possibilidade de que órgãos ambientais e pessoas físicas ou jurídicas que pratiquem atividades poluidoras venham a celebrar termo de compromisso, a fim de que, promovidas as necessárias correções das atividades, sejam atendidas as exigências impostas pelas autoridades ambientais .
23. Saliente-se que, até mesmo nas ações de improbidade administrativa já se sinaliza, com a edição da MP 703/15 – que revogou o art. 17, § 1o. da LIA –, a possibilidade de Transação, acordo e conciliação nos feitos submetidos ao rito da Lei 8.429/92. Não devem ser esquecidos os compromissos de ajustamento de conduta previstos na Lei 8.069/90-ECA, na Lei 8.078/90-CDC e na Lei 8.884/90, que regula a defesa da ordem econômica.
24. Ao que se vê, a legislação brasileira segue uma tendência mundial para a ideologia efetivista, que, desapegada de formalismos estéreis, prestigia a solução de mérito das questões em tempo mais breve possível.
25. Por isso é que se justifica o estudo do Professor JESÚS-MARÍA SILVA SÁNCHEZ que, em lapidar obra acerca da Expansão do Direito Penal, cunhou a expressão segunda velocidade do Direito Penal, caracterizada pela superação da visão clássica de pena como privação de liberdade, agrupando, por outro lado, a compreensão do Direito Penal Reparador como estuário de soluções judiciais, como é o caso da Transação Penal da Lei 9.099/95.
26. Conforme atesta o douto penalista espanhol o seguinte:
O típico do Direito Penal vigente em nosso âmbito cultural é, sem dúvida, a sanção de privação de liberdade.
(…) seria razoável que em um Direito Penal mais distante do núcleo do criminal e no qual se impusessem penas mais próximas às sanções administrativas (privativas de direitos, multas, sanções que recaem sobre pessoa jurídicas) se flexibilizassem os critérios de imputação e as garantias político-criminais. A característica essencial de tal setor continuaria sendo a judicialização (e a consequente imparcialidade máximas), da mesma forma que a manutenção do significado penal dos ilícitos e das sanções, sem que estas, contudo, tivessem a repercussão pessoal da pena de prisão.
O conflito entre entre um Direito Penal amplo e flexível (convertido em um indesejável soft law) e um Direito Penal mínimo e rígido – certamente impossível – deve achar assim uma solução no ponto médio da configuração dualista. Com efeito, não parecer que a sociedade atual esteja disposta a admitir um Direito Penal orientado ao paradigma do Direito Penal mínimo. Mas isso não significa que a situação nos conduza a um modelo de Direito Penal máximo. A função racionalizadora do Estado sobre a demanda social de punição pode dar lugar a um produto que seja, por um lado, funcional e, por outro lado, suficientemente garantista (A Expansão do Direito Penal: Aspectos da Política Criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: RT, 2002, p. 144/145).
27. Efetivamente, em virtude da ineficiência da pena de prisão, que, em não raros casos, apenas estigmatiza o indivíduo como inimigo público, introduz-se a figura da composição do dano em matéria penal, que, por meio do acordo, soluciona a mácula aos bens juridicamente tutelados por meio da não prisão, sem necessidade das insondáveis fases processuais, desde o ajuizamento da lide penal até seu módulo executório propriamente dito.
28. Na esfera ambiental, o tópico da composição do dano em sede penal ganha relevo, pois, pelo caráter difuso das condutas lesivas (a poluição ambiental a todos prejudica de alguma maneira), revela-se ainda mais necessária a efetiva reparação das áreas degradas como forma de pronta solução dos conflitos.
29. Os fundamentos ora conjugados se aplicam com perfeição ao caso em testilha, pois, conforme se dessume da moldura fática consubstanciada pelas Instâncias Ordinárias, para além do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado em 24.5.2004 entre o causador do dano ambiental, JOSÉ FELCHILCHER, e a FATMA (fls. 117/120) – acordo esse que já havia promovido o acertamento das questões ambientais –, foi realizada Transação Penal em 3.6.2004 sobre os mesmos fatos narrados na presente ACP. Confira-se o teor do termo de audiência lavrada nos autos da Ação Penal 2004.72.06.000556-7:
(…) dispensado o relatório, conforme art. 81, § 3o. da Lei 9.099/95. O Ministério Público Federal propôs em favor do Sr. José Felchilcher, com base no art. 76 da Lei 9.099/95, a qual permite a transação, o pagamento de multa no valor de RS 15.000,00 (quinze mil reais), parcelado em 7 vezes, sendo 06 (seis) parcelas de RS 2.000,00 (dois mil reais) e a última parcela de RS 3.000,00 (três mil reais), sendo que o vencimento de cada parcela ocorrerá no dia 15 de cada mês. O primeiro pagamento deverá ocorrer até o dia 05 de junho de 2004, a ser destinado ao posto avançado do IBAMA que será instalado em breve no Município de Lage/SC. O acusado deverá comparecer na sede do Juízo Federal de Lages para a entrega do numerário que ficará depositado em Juízo para posterior destinação. Pelo acusado foi dito que nunca foi preso, nem processado criminalmente, bem como que tem advogado constituído na pessoa da Dr. Carlos Leonardo Salvadori Didonè OAB/SC 9830. Pelo acusado e pelo defensor nomeado foi dito que aceitavam a proposta, sendo que o MPF deixou consignado que os valores ora apresentados para fins de acordo judicial foram estipulados levando em conta o termo de ajuste de conduta firmado pelo acusado e a FATMA em valores significativos, conforme comprova documento juntado aos autos na presente audiência. Homologo por sentença a proposta de transação efetuada pelo MPF e aceita pela defesa, fixando multa de 30% (trinta por cento) sobre o débito transacionado em caso de inadimplemento, sendo que nesse caso o valor transacionado será convertido em divida de valor em face da Fazenda Nacional. Após cumprida a pena, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se. Cientes os presentes. Sentença publicada e partes presentes intimadas. Registre-se apenas para o fim de impedir a concessão do mesmo beneficio peto prazo de 5 anos, nos lermos do art. 76, § 1o. da Lei 9.099/95. Enquanto estiver para ser cumprida a obrigação, a imposição da sanção não constará de certidão de antecedentes criminais,salvo para obstaculizar a concessão de igual benefício (fls. 338/339).
30. Nessa tessitura, dúvida não remanesce que a questão reparatória ambiental envolvendo IBAMA, FATMA, MPF e JOSÉ FELCHILCHER ficou completamente resolvida com o TAC 07/04 e a Transação Penal, que, por evidente, fez expressa referência ao prévio ajustamento de conduta.
31. Assim dispostos os fatos, verifica-se que, havendo solução integral da demanda ambiental a partir do Direito Penal Reparador, por meio de ato perfeito e acabado – representado pelo instituto da Transação Penal da Lei 9.099/95 , personificação exata da segunda velocidade do Direito Penal –, não há justa causa para o ajuizamento de Ação Civil Pública, porquanto, ao que se vê, está completamente esvaziada a pretensão do IBAMA em desconstituir o TAC entre FATMA e JOSÉ FELCHILCHER.
32. A permanecer a situação como está, seria o mesmo que admitir duas sentenças com vetores em sentidos opostos, isto é, uma compondo danos civis e determinando o cumprimento do TAC (a Sentença homologatória de transação penal) e outra invalidando o referido termo (a Sentença e o Acórdão no presente caso). Não se admite em sentido jusfilosófico essa quadra jurídica, pois, pelo princípio aristotélico da não contradição ou do terceiro excluído (tertium non datur), duas afirmações contraditórias (vale o TAC e não vale o TAC) não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo, inexistindo uma terceira possibilidade de conciliação lógica! Ao menos uns dos pronunciamentos judiciais precisa ser modificado em seu conteúdo material.
33. Com efeito, o TAC foi celebrado em 24.5.04 (fls. 117/120), ao passo que a audiência de transação penal foi realizada em 3.6.04 (fls. 338/339). A Ação Civil Pública, por sua vez, só foi ajuizada pelo IBAMA em 20.4.05, exteriorizando os seguintes pedidos:
a) A concessão de liminar inaudita altera parte, com a suspensão do Termo de Compromisso e Ajuste de Conduta 07 firmado entre a FATMA e o réu, vez que o mesmo contraria a Constituição e as normas vigentes ao prever a recuperação de apenas parte da área degradada e autorizar a substituição de 230 hectares de Mata Atlântica por pinus;
b) A concessão de liminar inaudita altera parte para determinar ao réu José Felchilcher que se abstenha de efetuar o plantio de pinus na área embargada pelo IBAMA, descrita na presente exordial;
c) A citação dos réus para contestar, sob pena de revelia;
d) A produção de todos os meios de prova admitidos e permitidos em Direito, inclusive a juntada da cópia integral dos processos administrativos 02026.000493/04-12, 02026.000511/04-01, 02026.000480/04-88, acostados a esta inicial;
e) A decretação da total procedência do pedido, para:
1) Anular Termo de Compromisso e Ajuste de Conduta 07/04 firmado entre o Sr. José Felchilcher e a FATMA;
2) Determinar aos três réus recuperação total do dano ambiental perpetrado, apresentando previamente perante esse r. Juízo o pertinente projeto de recuperação de área degradada que deve considerar o total da área degradada, observando as exigências técnicas do IBAMA;
3) Determinar aos três réus o pagamento de uma indenização em dinheiro pelos danos causados ao patrimônio ecológico, em valor a ser fixado pericialmente, revertendo a soma respectiva ao FUNDO DE RECONSTITUIRÃO DE BENS LESADOS, de que trata o art. 13 da Lei 7.347, regulamentado pelo Decreto 1.306/94;
4) Determinar aos três réus o adimplemento de medidas compensatórias consistentes no aparelhamento do IBAMA;
5) Determinar aos três réus o patrocínio, em jornal de divulgação regional, a publicação da sentença;
6) Determinar à FATMA a obrigação de não fazer consistente em não agir contrariamente à Lei 6.938/81, que criou SISNAMA, Sistema Nacional do Meio Ambiente estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente, abstendo-se de afrontar a cooperação entre os órgãos ambientais:
7) Condenar os réus os ônus sucumbenciais, despesas processuais, honorários advocatícios e outras cominações legais (fls. 29/30).
34. Conforme se infere do cotejo entre a homologação da Transação Penal proposta pelo MPF e a pretensão veiculada pelo IBAMA na ACP, verifica-se não poderia ser emitido juízo de procedibilidade da Ação Civil Pública, tendo em vista a já mencionada solução pacificada da querela ambiental.
35. Por consequência, merece reforma o Acórdão do Tribunal a quo que manteve a sentença, na medida em que não poderia, de modo algum, pronunciar a nulidade do Termo de Ajustamento de Conduta 07/04 sem que ficasse minimamente comprovado eventual inadimplemento da Transação Penal estabelecida, visto que a solução transacional validou os termos do TAC previamente assinado.
36. No tocante ao ponto de insurgência recursal da FAMOSSUL MÓVEIS S/A, segundo o qual a Autorização para Corte de área total de 90 ha, concedida pela FATMA a JOSÉ FELCHILCHER em 21.7.03 (fls. 580), não poderia ter sido anulada incidentalmente nos autos, uma vez que não houve postulação do IBAMA na exordial, sabe-se que, nos termos do art. 293 do CPC, os pedidos são interpretados restritivamente , de maneira que, ao que se dessume dos pedidos da inicial transcritos, não poderia a sobredita autorização para corte de árvores ser incluída na condenação, por se tratar de manifestação extra petita.
37. Não há pedido que verse sobre anulação de autorização para corte de árvores, não sendo possível dessumir que a anulação do TAC compreendesse a invalidação de outro documento próprio expedido pela Administração Pública e legitimamente recebido pelo interessado.
38. Ademais, pontue-se que a referida anulação da autorização de corte nem poderia ter sido objeto de provimento jurisdicional em sede de Embargos de Declaração opostos pela FAMOSSUL MÓVEIS S/A (fls. 1.428/1.437), porquanto se tratou de autêntico reformatio in pejus, uma vez que, na pretensão de aclarar o tópico, terminou o embargante por ver a sua situação jurídica piorada.
39. Postas essas premissas, entende-se que o Apelo Raro de JOSÉ FELCHILCHER também deve ser provido, tendo em vista que suas alegações de plena validade do TAC estão integralmente açambarcadas pela fundamentação ora expendida.
40. De igual modo, quanto ao Apelo Raro da FATMA, deve ser rejeitada apenas a preliminar de legitimidade passiva de seu Servidor RÉGINES ROEDER, mas provido quanto ao mérito, não devendo a Fundação ser condenada, na hipótese vertente, a formular projeto de recuperação de área degradada, pois lhe beneficia processualmente a constatação de que a Transação Penal firmada entre MPF e JOSÉ FELCHILCHER validou o Termo de Ajustamento de Conduta sobre o qual a Fundação tomou parte, isto é, não lhe resta responsabilidade alguma sobre um fato ambiental considerado perfeito e apto a produzir seus efeitos ordinários.
41. Ante o exposto, rejeita-se a preliminar de legitimidade passiva ad causam de RÉGINES ROEDER, e, no mérito, nega-se provimento ao Recurso Especial do MPF; conhece-se dos Recursos Especiais de FAMOSSUL MÓVEIS S/A, de JOSÉ FELCHILCHER e da FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA e a eles se dá provimento para, reformando o Acórdão recorrido, julgar improcedente o pedido formulado em Ação Civil Pública, sem condenação do Autor em honorários advocatícios, no entanto.
42. É como voto.
VOTO-VISTA
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA REGINA HELENA COSTA:
Tratam-se de Recursos Especiais interpostos por FAMOSSUL MÓVEIS S/A, FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA e JOSÉ FELCHILCHER, todos réus em ação civil pública ambiental, e pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em face de acórdão prolatado pela 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
A ação civil pública foi ajuizada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA em face de José Felchilcher, proprietário da área por ocasião do dano ambiental, FATMA, órgão ambiental estadual, e Régines Roeder, servidor público do aludido órgão, decorrente de autuação promovida pelo autor por ilícitos ambientais, com o objetivo de ver declarada a nulidade do Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta n. 07/04, firmado entre José Felchilcher e FATMA, bem como recuperado totalmente o dano ambiental em questão, com a observância das exigências técnicas do IBAMA e, por fim, o pagamento de indenização em dinheiro, com destinação ao fundo previsto no art. 13, da Lei n. 7.347/85.
No curso da ação, foi pleiteada a inclusão de Famossul Móveis S/A no polo passivo da demanda, adquirente da área na qual se deu o dano ambiental, o que foi deferido pelo MM. Juízo de primeiro grau. Os pedidos principais foram julgados parcialmente procedentes, para condenar José Fechilcher a elaborar Projeto de Recuperação da Área Degradada (PRAD), com base no roteiro e orientações constantes no termo disponibilizado pelo IBAMA, devendo, ainda, ser recuperada a área de floresta nativa na extensão de 230 hectares, conforme situação existente antes da degradação; ao pagamento de indenização no valor de R$ 930.000,00 (novecentos e trinta mil reais), bem como para condenar FATMA e Famossul Móveis S/A às obrigações de não fazer, consistentes em não impedir, intervir ou prejudicar, de qualquer forma, a integral reparação dos danos ambientais baseada no PRAD (fls. 1405/1423e).
Tal decisão foi integrada pelo julgamento dos Embargos de Declaração opostos por Famossul Móveis S/A, os quais foram acolhidos para o fim de considerar nula a autorização de corte n. 005/003, emitida por FATMA, e indeferir o pedido de perda de objeto da ação em razão da homologação da transação penal ocorrida nos autos do Processo n. 2004.72.06.000556-7 (fls. 1439/1443e).
Por ocasião do julgamento dos recursos de apelação interpostos por todas as partes do processo, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento ao agravo retido de Famossul Móveis S/A, rejeitou as preliminares arguidas, deu parcial provimento aos recursos do MPF e do IBAMA para ampliar a condenação imposta à FATMA e à Famossul Móveis S/A, deu parcial provimento à apelação de José Felchilcher para reconhecer a possibilidade de abatimento do valor efetivamente pago da penalidade imposta por FATMA daquele devido ao IBAMA e negou provimento às apelações de FATMA e Famossul Móveis S/A.
Com amparo no art. 105, III, da Constituição da República, foram interpostos recursos especiais pleiteando o que se segue:
FATMA, com base na alínea a do aludido dispositivo constitucional aponta afronta ao art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, sob o fundamento de que somente o poluidor seria obrigado a reparar os danos ambientais, o que não se coaduna com o ato de expedição de licenças ambientais, por ela executado, e aos arts. 128 e 460, do Código de Processo Civil, porquanto a licença ambiental corresponderia a uma área de 90 hectares, enquanto o acórdão recorrido teria determinado a recuperação de 230 hectares (fls. 1800/1811e e 1837e).
Famossul Móveis S/A, com base na alínea a do dispositivo constitucional em questão, aponta afronta aos arts. 128 e 460, do Código de Processo Civil; 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro; 2º, 3º, III e 53, da Lei n. 9.784/99; 76, da Lei n. 9.099/95; 27, da Lei n. 9.605/98; 76, da Lei n. 6.938/81; 18, 94, 101, 108 e 146, do Decreto n. 6.514/08 porquanto a condenação em questão teria sido extra petita, a anulação de termo de ajustamento de conduta representaria prejuízo a terceiro de boa-fé, a não ocorrência de dano ambiental nos termos delineados no acórdão recorrido, bem como a perda de objeto da presente ação, em razão da transação penal celebrada nos autos da Ação Penal n. 2004.72.06.000556-7, na qual houve a recomposição do dano ambiental, em respeito ao art. 76, da Lei n. 9.099/95, tendo sido adotado como parâmetro para a aferição do cumprimento do requisito, o TAC ora em análise (fls. 1681/1733e).
José Felchilcher, com base nas alíneas a e c, do mesmo dispositivo constitucional, aponta violação ao art. 515, § 4º, do Código de Processo Civil, por violação ao direito de defesa, acrescentando que teria promovido integralmente o cumprimento do TAC celebrado com FATMA, pleiteando, subsidiariamente, a aplicação do art. 8º, do Decreto n. 3.179/99, compensando-se a multa aplicada pelo IBAMA com aquele paga a FATMA (fls. 1839/1844e).
O Ministério Público Federal, com base na alínea a do dispositivo constitucional, alega negativa de vigência aos arts. 3º, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98 e 3º, IV e 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, porquanto a responsabilização das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, coautoras ou partícipes do mesmo fato, razão pela qual pleiteia a inclusão de Régines Roeder no polo passivo da condenação, tendo em vista a negligência no exercício de função pública (fls. 1848/1860e).
Iniciado o julgamento, o Excelentíssimo Senhor Relator rejeitou a preliminar de legitimidade passiva de Régines Roeder arguida pelo Ministério Público Federal e, no mérito, negou provimento ao recurso por ele interposto e deu provimento aos recursos dos demais corréus, para julgar improcedente o pedido formulado na ação civil pública, sem condenação em honorários advocatícios. Solicitei vista dos autos para examiná-los com maior detença.
Preliminarmente, acompanho o Relator quanto ao não cabimento do recurso especial interposto por José Felchilcher por insurgência fundamentada na alínea c do inciso III do art. 105, da Constituição da República, tendo em vista a ausência de demonstração do dissídio jurisprudencial, pois a deficiência em sua fundamentação inviabiliza a abertura da instância especial e atrai, por analogia, a incidência da orientação contida na Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.
No mesmo sentido, acompanho-o no que diz respeito ao indeferimento da pretensão veiculada pelo Ministério Público Federal, bem como por FATMA, de inclusão do servidor público do órgão ambiental estadual no polo passivo da condenação, nos termos expostos em seu voto, porquanto tal decisão não representa empecilho a eventual busca daquela instituição por direito de regresso que possa ter em face do servidor.
Em complemento, afasto as preliminares de nulidade suscitadas por FATMA, Famossul Móveis S/A e José Felchilcher.
Com efeito, no que tange às alegações de FATMA, de acordo com o entendimento firmado por esta Corte, é imprescindível o prequestionamento de todas as questões trazidas para permitir a abertura da instância especial, inclusive as questões de ordem pública.
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PREQUESTIONAMENTO. NECESSIDADE. PRECEDENTES. 1. A Corte Especial tem se posicionado no sentido de que, na instância especial, é necessário o cumprimento do requisito do prequestionamento das matérias de ordem pública. 2. Precedentes: AgRg nos EAg 1330346/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Corte Especial, DJe 20.2.2013; AgRg nos EREsp 1275750/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, Corte Especial, DJe 1.2.2013; AgRg nos EREsp 947.231/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe 10.5.2012; AgRg nos EREsp 999.342/SP, Rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, DJe 1º.2.2012; AgRg nos EDcl nos EAg 1127013/SP, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, DJe 23.11.2010. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EREsp 1253389/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/04/2013, DJe 02/05/2013, destaque meu).
No caso em tela, não é possível o conhecimento do apelo especial no ponto referente à alegação de que a licença concedida pelo órgão ambiental estadual corresponderia a área menor do que aquela efetivamente degradada pelo particular, razão pela qual sua condenação à recuperação da área total representaria decisão extra petita.
Ainda que se trate de questão de ordem pública, em face da ausência de prequestionamento da matéria pelo Tribunal de origem, circunstância que atrai o óbice da Súmula 282 do Colendo Supremo Tribunal Federal: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.
Nessa linha, os seguintes precedentes:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. REAJUSTE GERAL. LEIS 817/2004 E 822/2004. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. SÚMULA 85/STJ. PREQUESTIONAMENTO. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. INSTÂNCIA ESPECIAL. ANÁLISE PRÉVIA. NECESSIDADE.
1. As matérias pertinentes aos artigos 206 do Código Civil e 10 do Decreto 20.910/1932 não foram apreciadas pela instância judicante de origem, tampouco foram opostos embargos declaratórios para suprir eventual omissão, incidindo o óbice da Súmula 282/STF. Cumpre destacar que o requisito do prequestionamento é necessário até mesmo para as questões de ordem pública.
2. É firme a jurisprudência deste STJ no sentido de que, nos termos do disposto no art. 1º do Decreto 20.910/1932, o prazo prescricional para propositura de ação de qualquer natureza contra a Fazenda Pública é quinquenal.
3. Inexistindo manifestação expressa da Administração Pública negando o direito reclamado, não ocorre a prescrição do chamado fundo de direito, mas tão-somente das parcelas anteriores ao qüinqüênio que precedeu à propositura da ação, ficando caracterizada relação de trato sucessivo (Súmula 85 do STJ).
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 507161/AP, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/05/2014, DJe 27/05/2014, destaque meu).
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMENDA À INICIAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO A QUALQUER TEMPO NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. NECESSIDADE DE PREQUESTIONAMENTO PARA ANÁLISE NOS TRIBUNAIS SUPERIORES. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO POR ESTE STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Tendo em vista a natureza de ordem pública, o indeferimento da emenda inicial no tocante à prescrição intercorrente, não gera prejuízo a parte, motivo pelo qual, à luz do princípio pas de nullité sans grief, não há interesse recursal da recorrente quanto ao ponto.
2. “A jurisprudência do STJ se firmou no sentido de ser imprescindível o prequestionamento de todas as questões trazidas a esta Corte, mesmo as matérias de ordem pública, para ensejar o pronunciamento deste Tribunal em recurso especial” (AgRg no REsp 1.151.678/RS, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, DJe 10/06/2014).
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1458441/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/08/2014, DJe 25/08/2014, destaque meu).
Ainda, Famossul Móveis S/A suscita preliminar de nulidade no sentido de que o pedido da exordial, formulado pelo IBAMA, não abrangeria a possibilidade de se declarar a nulidade da Autorização de Corte 005/03, concedida por FATMA à Recorrente, o que permitiria recuperar apenas 140 hectares e não todos os 230 hectares, tal qual determinado na condenação. Todavia, tal alegação imbrica-se com o mérito, ou seja, diz respeito à própria extensão do objeto do Termo de Ajustamento de Conduta ora questionado, devendo ser analisada no momento oportuno, caso persista a pretensão.
Não conheço do aludido recurso quanto à apontada afronta ao art. 6º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que não cabe a análise, em sede de recurso especial, da matéria contida no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) – ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada – porquanto ostenta caráter constitucional, a teor do art. 5º, inciso XXXVI, CR (AgRg no AREsp 539.901/SP, 1ª T., Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 14.11.2014; AgRg no AREsp 448.536/SP, 1ª T., Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe de 02.10.2014; AgRg no REsp 1.312.477/DF, 2ª T., Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe de 25.03.2015; AgRg no AREsp 611.971/SP, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 11.02.2015).
Finalmente, afasto a alegação de nulidade, veiculada por José Felchilcher em seu recurso especial, em razão do indeferimento de prova testemunhal por ocasião da instrução da ação civil pública. Cumpre mencionar que o Tribunal de origem afastou a apontada nulidade por entender que a decisão foi fundamentada no art. 130, do Código de Processo Civil.
Nesse contexto, entendo não ter restado configurada a aludida nulidade, porquanto o pedido foi analisado nos limites dos poderes instrutórios do juiz, sendo importante mencionar que o Recorrente apresenta genericamente a necessidade de ouvida de testemunha por entender que os danos ambientais existiam previamente à sua aquisição da propriedade em questão, sem, contudo, impugnar os laudos periciais nos quais foi baseada a condenação (fl. 1840e).
Passo à análise do mérito.
O Ilustríssimo Relator deu provimento aos recursos especiais interpostos pelos réus, sob o fundamento de que a questão reparatória ambiental teria sido completamente resolvida por meio do Termo de Ajustamento de Conduta 07/04, bem como da transação penal, a qual contém expressa referência ao aludido termo.
Acrescenta que o ajuizamento da presente ação civil pública teria ocorrido posteriormente ao cumprimento das obrigações assumidas por meio daquele título, razão pela qual não poderia ter sido objeto de pedido de anulação, sem que fosse comprovado o correspondente inadimplemento da transação penal.
Registro que, contrariamente ao entendimento esposado pelo Senhor Relator, não vislumbro, em tese, a impossibilidade jurídica de se pleitear a nulidade de termo de ajustamento de conduta, na via judicial, sempre que se tratar de título insuficiente à devida proteção ambiental.
Todavia, da análise do acórdão recorrido, verifica-se que, embora tenha sido pleiteada a declaração de nulidade do Termo de Ajustamento de Conduta em questão, tal pedido não foi deferido pelo Juízo de primeiro grau, nem tampouco pelo Tribunal de origem, mesmo porque, em relação a tal omissão não houve impugnação do autor perante o segundo grau.
Assim, mostra-se incongruente a coexistência das obrigações impostas aos réus por meio da celebração do TAC entre José Felchilcher e FATMA, com aquelas determinadas pelo Tribunal de origem, por entender insuficiente a proteção ambiental conferida naquele título.
Cumpre mencionar que, por ocasião da apresentação do voto pelo Ministro Relator na sessão de 15.09.2016, o representante do Ministério Público Federal assim se manifestou:
O SR. ALCIDES MARTINS (SUBPROCURADOR):
Sustentação oral pela parte recorrente Ministério Público Federal.
(…)
A questão posta no recurso especial manejado pelos recorrentes, já nominados por Vossa Excelência, sapientíssimo Presidente, faz-me lembrar, e faço uma autocrítica no que tange à atuação do MPF, primeiro grau e na 4ª Região, talvez o excesso de zelo e a preocupação com o Meio Ambiente, fizeram-no manejar esse recurso especial, enfim, em que supõe a existência de violação da lei, que não constatei, prima facie, porque, na verdade, em 2004, vejam Vossas Excelências, houve um Terno de Ajustamento de Conduta, e houve, inclusive, reparação do dano pelos seus causadores. Então me causa alguma perplexidade que haja pendente um recurso especial e que esta Corte se debruce sobre ele a esta altura, 12 (doze anos) depois, porque, enfim, foi manejado lá na base, então, este recurso especial.
A primeira perplexidade, portanto, seria em relação à questão da legitimidade recursal alegada pelo MPF na Região, que, a meu juízo, deve ser superada, como observado nesta instância pela colega Subprocuradora-Geral prolatora do parecer.
À segunda nota, já referi, que é a questão da reparação do dano. Por que alegar violação à lei, recorrer a esta Corte de uniformização da Justiça do direito nacional, se já houve a reparação do dano?
Acrescente-se que, do exame do julgamento dos Embargos de Declaração em primeiro grau (fls. 1439/1443e) extrai-se que o aludido TAC envolve parte da área objeto de transação penal realizada nos autos do Processo n. 2004.72.06.000556-7, não havendo notícia de rescisão do respectivo julgado.
Por esses fundamentos, concordo com o Senhor Relator pela conclusão.
Nesse contexto, diante da reforma da condenação em questão, restam prejudicadas as demais pretensões veiculadas por meio dos recursos especiais, as quais se relacionam à responsabilidade dos corréus, ao cumprimento das condenações anteriormente impostas, bem como à anulação da Autorização de Corte determinada pelo MM. Juízo de primeiro grau.
Isto posto, acompanho o Excelentíssimo Senhor Relator, para rejeitar as preliminares de legitimidade e nulidade suscitadas e, no mérito, conhecer e negar provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal, conhecer parcialmente dos recursos especiais de José Felchilcher, Famossul Móveis S/A e FATMA e, na parte conhecida, dar-lhes provimento para julgar improcedente a ação civil pública, restando prejudicadas as demais pretensões.
Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 18, da Lei n. 7.347/85.
É o voto.
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL. PRELIMINAR SUSCITADA PELO MPF DE LEGITIMIDADE PASSIVA DO SERVIDOR DA FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA REJEITADA, EM VIRTUDE DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO VOLITIVA (OTTO GIERKE), ALBERGADA PELO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. TERMO DE COMPROMISSO E AJUSTE DE CONDUTA 07/04, CELEBRADO ENTRE O RÉU JOSÉ FELCHILCHER E A AUTARQUIA AMBIENTAL FATMA, DO ESTADO DE SANTA CATARINA/SC. TRANSAÇÃO PENAL POSTERIORMENTE FIRMADA, QUE VALIDOU O TAC. ACP AJUIZADA SOBRE OS FATOS SOLUCIONADOS EM COMPOSIÇÃO NA LIDE PENAL. PELA INCIDÊNCIA DO DIREITO PENAL REPARADOR, FORAM RESOLVIDAS INTEGRALMENTE AS QUESTÕES AMBIENTAIS OBJETO DA PRESENTE ACP, QUE, POR ESSE MOTIVO, CARECE DE JUSTA CAUSA, POIS, PELO PRINCÍPIO ARISTOTÉLICO DA NÃO CONTRADIÇÃO OU DO TERCEIRO EXCLUÍDO (TERTIUM NON DATUR) , DUAS AFIRMAÇÕES CONTRADITÓRIAS (VALE O TAC E NÃO VALE O TAC) NÃO PODEM SER VERDADEIRAS AO MESMO TEMPO, INEXISTINDO UMA TERCEIRA POSSIBILIDADE DE CONCILIAÇÃO LÓGICA. PARECER DO MPF PELO NÃO CONHECIMENTO DOS APELOS RAROS DO MPF, DA FATMA E DE JOSÉ FELCHILCHER E PELO DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL DE FAMOSSUL MÓVEIS S/A. RECURSO ESPECIAL DO MPF DESPROVIDO, RECURSOS ESPECIAIS DE FAMOSSUL MÓVEIS S/A, DE JOSÉ FELCHILCHER E DA FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA PROVIDOS PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA, SEM CONDENAÇÃO DO AUTOR EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Recurso Especial do MPF. De acordo com a tradicional doutrina da Organização Administrativa, é dizer, a Teoria da Imputação Volitiva, formulada pelo jurista alemão OTTO GIERKE, os atos praticados pelos Agentes Públicos são imputáveis à entidade pública que o alberga, o que consubstancia, na espécie, a legitimidade passiva da FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA e não a do Servidor RÉGINES ROEDER. Ademais, quando o Agente Público passou a tomar parte no enredo, isto é, subscrevendo o Termo de Ajustamento de Conduta-TAC, o dano ambiental já havia ocorrido, razão pela qual não se lhe pode atribuir o rótulo de poluidor.
2. Recursos Especiais de FAMOSSUL MÓVEIS S/A, de JOSÉ FELCHILCHER e da FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA. Solucionada a demanda ambiental a partir Direito Penal Reparador, por meio de ato pronto e produzindo efeitos – representado pelo instituto da Transação Penal da Lei 9.099/95, personificação exata da segunda velocidade do Direito Penal (JESÚS MARIA SÍLVA SÁNCHEZ) –, não há justa causa para o ajuizamento de ACP pelo IBAMA, por estar completamente esvaziada a pretensão desconstitutiva do TAC entre a FATMA e JOSÉ FELCHILCHER, inclusive com a reparação do dano ocorrido.
3. Assim, de acordo com as conclusões fáticas das Instâncias Ordinárias, para além do Termo de Ajustamento de Conduta celebrado em 24.5.2004 entre o causador do dano ambiental, JOSÉ FELCHILCHER, e a FATMA (fls. 117/120) – acordo esse que já havia promovido o acertamento das questões ambientais –, foi realizada Transação Penal em 3.6.2004 sobre os mesmos fatos narrados na presente ACP (fls. 338/339), reparados os danos adequadamente.
4. Como consequência, o cotejo entre a homologação da Transação Penal proposta pelo MPF e a pretensão veiculada pelo IBAMA na presente ACP permite ao julgador inferir que não poderia ser emitido juízo de procedibilidade da Ação Civil Pública, tendo em vista a ocorrência de solução pacificada do alegado dano ao meio ambiente, processada no âmbito da Ação Penal.
5. Parecer do MPF pelo não conhecimento dos Apelos Raros do MPF, da FATMA e de JOSÉ FELCHILCHER e pelo desprovimento do Recurso Especial de FAMOSSUL MÓVEIS S/A. Recurso Especial do MPF desprovido; Recursos Especiais de FAMOSSUL MÓVEIS S/A, de JOSÉ FELCHILCHER e da FUNDAÇÃO AMPARO DO MEIO AMBIENTE-FATMA providos para julgar improcedente o pedido na Ação Civil Pública, sem condenação do autor em honorários advocatícios.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Regina Helena Costa, por unanimidade, negar provimento ao Recurso Especial do Ministério Público Federal e dar provimento aos Recursos Especiais de José Felchilcher, Fundação Amparo do Meio Ambiente Fatma e Famossul Móveis S/A, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina (Presidente), Regina Helena Costa (voto-vista) e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília/DF, 08 de novembro de 2016 (Data do Julgamento).