Lançado como “grande sacada” esportiva (tem bola no nome e no formato), Fuleco, o tatu-bola mascote da Copa Mundial de Futebol 2014, é um espécime em extinção.
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
UM FÓSSIL VIVO, EM EXTINÇÃO
Nosso tatu-bola, faz parte de uma extensa lista de animais silvestres brasileiros em risco de extinção.
Originário da região da caatinga, no nordeste brasileiro, o tatu-bola é classificado no Livro Vermelho do ICMBio, como espécime vulnerável.
O tatu é um fóssil vivo, um animal com raízes na pré-história, cuja perda do habitat natural constitui o principal vetor do processo de extinção em que se encontra.
Alvo frequente do tráfico ilegal de animais protegidos, o tatu também é vítima da caça predatória. Sua carne é saborosa e rica em proteínas, considerada iguaria tradicional em várias regiões.
PODE A NOTORIEDADE SALVAR O TATU?
Em 2012, em uma votação popular estimulada, o tatu-bola foi escolhido como mascote da Copa do Mundo de Futebol 2014, que o Brasil sediará.
Também, por voto popular, o tatu recebeu o polêmico nome de “Fuleco” ,que até hoje sofre críticas.
De fato, o apelido, embora sufragado por muitos, não ganhou ainda simpatia generalizada entre os brasileiros.
Os organizadores do espetáculo esportivo acreditam que o mascote, como espécie ameaçada, pode sensibilizar a opinião pública sobre a importância do meio ambiente e da ecologia.
GOLS PODERIAM SALVAR O HABITAT DO TATU
Com a proximidade do evento futebolístico, um grupo de cientistas nordestinos, coordenados pelo biólogo Enrico Bernard, do Laboratório de Ciência Aplicada à Conservação da Biodiversidade da Universidade Federal de Pernambuco, lançaram um desafio à FIFA: que seja destinado 1 mil hectares de caatinga como área protegida, a cada gol marcado na Copa do Mundo.
O desafio , constante de um artigo, foi publicado na revista científica Biotrópica,
De fato, bilhões de dólares foram e serão gastos pelo Brasil na organização do evento. Outros tantos bilhões são e serão auferidos apropriados pela FIFA e demais atores econômicos que investiram no evento, computados o espetáculo principal, o turismo, transporte, diversão e os souvenires , em especial os fabricados com a imagem do mascote.
Ora, se aceito o desafio, o valor correspondente à implantação de uma unidade de conservação destinada à preservação do habitat natural do tatu-bola, significaria uma pequena porcentagem do total a ser arrecadado. O resultado, no entanto, significaria enorme ganho para a causa ambiental.
A idéia é destinar cerca de 1.500 km2 de área protegida de caatinga, levando em conta um número provável de 150 gols marcados durante a competição mundial de futebol.
ALGO ALÉM DO USO PREDATÓRIO DE UMA IMAGEM
Entrevistado pela reportagem do jornal O Estado de São Paulo, ao responder se a FIFA atenderia ao desafio, Enrico Bernard afirmou: “Espero que sim, afinal a escolha de um mascote simboliza um comprometimento de quem o escolheu com uma causa. Ao escolherem o tatu-bola e ao batizarem-no com um nome cuja origem deixa claro a fusão futebol + ecologia, a FIFA sinalizou que pretendia abordar este tipo de questão nesta Copa. “
Enrico acredita também, na grande oportunidade dessa escolha arremeter para um novo padrão de legado ambiental para as Copas, já que somente são divulgados e esperados legados na área econômica, da mobilidade urbana e de cultura.
O otimismo do cientista, no entanto, é sintoma da absoluta falta de imaginação, previsão, capacitação, interesse político, consciência social, planejamento engajado e gestão interdisciplinar envolvendo o binômio esporte-ambiente na relação custo-benefício do evento Copa do Mundo para o meio ambiente brasileiro.
Um desafio pouco divulgado, “descoberto” por uma parcela mais adiantada da mídia nacional, permaneceria enrustida nas páginas de uma Revista Acadêmica, e, apesar de levada ao conhecimento das autoridades, poderá continuar reduzida a um registro ocasional sem resultado prático.
MAIS UMA CONTRADIÇÃO ENTRE MUITAS OUTRAS
A péssima situação em que se encontra o habitat natural e a falta de políticas públicas para a preservação da espécie do tatu-bola – o anfitrião da Copa, revela o mundo de contradições entre discurso e efetividade que ora acomete o Brasil.
O governo brasileiro deveria ter hasteado a bandeira ecológica no panteão do futebol, atrelando a responsabilidade pela preservação do meio ambiente à paixão esportiva do brasileiro. Mas, vergonhosamente, não o fez, e sequer disso cogitou.
Apesar de toda a pompa e circunstância com que autoridades e dirigentes da FIFA se aboletaram a organizar eventos, workshops, cerimônias de instalação de comitês de sustentabilidade, educação, infraestrutura, etc…etc… o fato é que nem uma única campanha educativa, de cidadania, de sustentabilidade, de preservação ambiental, foi implementada, mensurada ou relatada pela organização conjunta da Copa do Mundo.
Sequer a fabricação dos souvenires, sob controle estrito da FIFA e autorizada mediante licença, resultou em ganho estrutural para as regiões nordeste ou centro-oeste brasileiras, onde ocorre a concentração da espécie do tatu-bola. Os produtos são quase todos confeccionados na CHINA…
Teremos Copa, dizem as autoridades. Porém, não teremos qualquer benefício efetivo e mensurável que preserve o mascote da Copa.
Fontes:
http://blogs.estadao.com.br/herton-escobar/cientistas-lancam-desafio-a-fifa-salvar-o-tatu-bola-da-extincao/
http://www.icmbio.gov.br/portal/biodiversidade/fauna-brasileira/lista-especies/1430-tatu-bola-tolypeutes-tricinctus
Contribuiu Ana Alencar
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado(USP), sócio-diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Consultor ambiental, com consultorias prestadas ao Banco Mundial, IFC, PNUD, UNICRI, Caixa Econômica Federal, Ministério de Minas e Energia, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, DNIT, Governos Estaduais e municípios. É integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Grupo Técnico de Sustentabilidade e Gestão de Resíduos Sólidos da CNC e membro das Comissões de Direito Ambiental do IAB e de Infraestrutura da OAB/SP. Jornalista, é Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal, Editor da Revista Eletrônica DAZIBAO e editor do Blog The Eagle View.