Por Alexandra Andrade e Maria Regina da Silva*
A longa e angustiante jornada na busca por justiça pela tragédia de Brumadinho ganhou um “capítulo” de esperança: nosso testemunho à Corte Regional de Munique, na Alemanha, no processo judicial contra a Tüv Süd, empresa de certificação alemã responsável por atestar a estabilidade da barragem B1 Mina Córrego do Feijão, que se rompeu em 25 de janeiro de 2019.
Na primeira audiência da ação judicial, em Munique, cidade onde localiza-se a sede da Tüv Süd, nós apresentamos o nosso apelo por Justiça, cobrando que a empresa seja responsabilizada pela emissão de declarações de estabilidade da barragem B1, de propriedade da mineradora Vale.
À corte alemã, nós reiteramos que não restam dúvidas de que a Tüv Süd, com uma “canetada”, contribuiu para que ocorresse a tragédia. Após os nossos depoimentos, o advogado-chefe da Tüv Süd, Florian Stork, chegou, inclusive, a manifestar arrependimento pelo que ocorreu em Brumadinho, embora não tenha reconhecido responsabilidades da empresa em relação ao rompimento.
Durante a audiência, que ocorreu em setembro deste ano, nós também homenageamos as 272 vítimas fatais da tragédia, expondo um banner com as fotos de cada ente querido que morreu soterrado pelo tsunami de rejeitos de minério de ferro. O mesmo banner foi exposto por nós em frente à sede da Tüv Süd, em Munique.
Há um conjunto de documentos e investigações que demonstra que a empresa de certificação alemã tem responsabilidade diante da tragédia ocorrida em Brumadinho. Podemos citar, por exemplo, os resultados de duas comissões parlamentares de inquérito sobre o caso — a da Câmara dos Deputados e outra da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (AL-MG), que apontam que funcionários da Tüv Süd sabiam que a barragem era “instável” e, portanto, poderia romper a qualquer momento.
Em suas conclusões, na página 576, o relatório da CPI da Câmara é claro: “Nota-se, mais uma vez, que os profissionais da Tüv Süd sabiam que a barragem era instável e, ainda assim, elaboraram documentos que certificaram a estabilidade da estrutura perante os órgãos estadual e federal de fiscalização e controle, falseando sua real situação”.
Segundo o relatório da CPI, a “não declaração de estabilidade provocaria, de imediato, a interdição de B1, nos termos das normas técnicas supracitadas, bem como da legislação ambiental. Nessa situação, as pessoas seriam retiradas do local até que fossem implementadas medidas visando à garantia de estabilidade da barragem, devendo ser mantida apenas a equipe de segurança de barragens com o fim de preservar a segurança da estrutura (artigo 16, § 4º, da Portaria DNPM nº 70.389/2017)”.
As investigações realizadas pela CPI da AL-MG também detalharam a responsabilidade da certificadora alemã na tragédia. Segundo o livro Opção pelo Risco: causas e consequências da tragédia de Brumadinho — a CPI da ALMG, entre os fatos que concorreram para o rompimento estão “a emissão de duas declarações de condição de estabilidade pela empresa Tüv Süd, em junho e em setembro de 2018, quando o baixíssimo fator de segurança da B1 indicava possibilidade real de ocorrer liquefação [processo que pode acontecer quando sedimentos sólidos começam a se comportar de modo fluido em razão da presença de água, podendo resultar em sobrecarga de uma barragem de mineração]” (página 49, capítulo 8).
Representando a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum), esta foi a primeira vez que nós testemunhamos em um tribunal sobre o rompimento da barragem da Vale. O processo judicial em Munique tem caráter indenizatório em favor de 183 familiares de vítimas e foi impetrado pelo escritório brasileiro Advocacia Garcez, em parceria com os advogados alemães Ruediger Helm, Ulrich Von Jeinsen e Lindner Rechtsanwälte.
Acreditamos que uma vitória na Corte Regional de Munique pode, inclusive, fortalecer a nossa luta por justiça no Brasil. Precisamos, ainda, superar os obstáculos que têm provocado atrasos na tramitação do processo criminal aberto em 2020 na Justiça do Estado de Minas Gerais contra 16 pessoas, dentre diretores e funcionários das empresas Vale e Tüv Süd, por homicídio doloso duplamente qualificado — 270 vezes —, e contra as duas companhias por crimes ambientais contra a fauna, a flora e a poluição. Esta ação judicial é resultado da denúncia apresentada pelo Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG).
Seguimos esperançosas, transformando o nosso luto pela perda de nossas 272 joias, como chamamos as vítimas fatais deste rompimento, em luta diária por justiça, encontro e memória. E nessa luta, adotamos diversas iniciativas, dentre elas o Projeto Legado de Brumadinho, que foi idealizado pela Avabrum para construir oportunidades de desenvolvimento da região, promover a cultura que ajuda a ressignificar a dor e, principalmente, defender a segurança no trabalho, que evita tragédias como a que vivenciamos.
*Alexandra Andrade é presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum), geógrafa, pós-graduada em gerenciamento de recursos hídricos e técnica em meio ambiente.
Maria Regina da Silva é integrante do Conselho Fiscal da diretoria da Avabrum e servente escolar da Secretaria Municipal de Educação de Brumadinho (MG).
Fonte: ConJur
Publicação Ambiente Legal, 28/12/2022
Edição: Ana Alves Alencar
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