A triste figura do ministro Dias Toffoli em um processo contaminado, e o seu voto de quatro horas
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
O STF está julgando se órgãos de controle podem repassar dados fiscais e bancários sigilosos, sem autorização judicial, ao Ministério Público, em caso de suspeita de crimes complexos, como é o caso de corrupção e lavagem de dinheiro.
O julgamento tem relevância jurídica, mas foi poluído pela repercussão política da interseção produzida pelo Senador da República Flávio Bolsonaro, em função de investigação que estaria sofrendo por conta do caso conhecido como “rachadinha” – prática imputada ao seu gabinete em legislatura passada, e de vários outros deputados na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Nesta interseção entre o seu caso, atual, e o caso em julgamento – um antigo conflito sobre cruzamento de dados de CPMF com a Receita Federal de um posto de gasolina em Piracicaba-SP, tratou o referido Senador de solicitar pronunciamento do STF também para a hipótese do vazamento do relatório do COAF, alegando ser inconstitucional o repasse de dados sigilosos do órgão de controle financeiro para o Ministério Público do Rio sem autorização judicial.
Delimitada a interseção entre casos improváveis, surpreendentemente, o Ministro Relator Dias Toffoli determinou a suspensão não apenas do caso do senador, como também de centenas de milhares de investigações envolvendo os dados do COAF – incluindo procedimentos que envolveriam familiares dos ministros da côrte, requisitando, de quebra, o envio dos dados ao seu gabinete – voltando atrás nessa requisição ante o extremo mal estar provocado com a medida.
Iniciado o julgamento, neste último dia 20 de novembro de 2019, em um voto pouco claro e com pouco mais de 4 horas de duração, Dias Toffoli, que também é presidente do STF, proferiu voto admitindo que órgãos como Receita Federal e o Coaf – hoje transformado em UIF – Unidade de Inteligência Financeira, sob jurisdição do Banco Central, podem enviar informações ao Ministério Público sem necessitar de autorização judicial – como aliás ocorrera no caso Flávio Bolsonaro. Porém, entendeu o magistrado que esses dados não poderão ser usados como prova e não poderão ser produzidos a partir de requisição do Ministério Público, sem que tenham de fato constatado, antes, alguma irregularidade.
Foi um voto pigmeu, pequeno ante a magnitude da questão e lotado de armadilhas neurolinguísticas – diga-se sintomáticas… arrastado por mais de quatro horas, tudo para também arrastar para sessões seguintes o julgamento, cujos efeitos poderão devolver o Brasil ao reino da corrupção e do crime organizado.
O esforço teatral do Ministro Toffoli, de estender um voto adrede preparado em 64 laudas, entremeando-o de considerandos que dispenderam longas horas de atenção e paciência dos demais julgadores e… de todo o Brasil, fez-me lembrar o filme estrelado pelo grande ator James Stewart – “Mr Smith goes to Washington”, em que o novato Mr. Smith pronunciava um histórico discurso – de mais de 24 horas, no Congresso Americano, em defesa da honestidade e do patriotismo.
A lembrança, no entanto, parou na referência. A começar da evidente necessidade demonstrada por Toffoli, de pressurosamente cobrir, com seu voto, a retaguarda de poderosos politicamente expostos de ontem e hoje.
De fato, a performance do Dr. Tóffoli não passou de um pastelão farsesco. Como se nada houvesse mudado, de fato terminou mudando.
Independente do que virá nesse julgamento, dos restantes julgadores supremos – esperando que nenhum desses resolva seguir o relator na maratona verbal, tornou-se claro que a farsa conspurcará, mais ainda, a imagem da pior judicatura da história do judiciário brasileiro.
Todos nós, cidadãos, estamos inseridos nesse drama em forma de processo. Diante de nós, abriu-se uma encruzilhada: entre a defesa do Brasil ou a defesa de cada um tratar de defender os seus…CONTRA o Brasil.
De resto, é preciso anotar que a sensação que até agora sobra… é a de profunda decepção. ♂♂♂
Nota:
Sobre o voto de Toffoli e o teor do processo:
https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/11/20/voto-de-toffoli-passa-de-4h-e-forca-stf-a-adiar-decisao-sobre-coaf-e-flavio.htm
* Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View”. Foi integrante da equipe que elaborou o plano de transição da gestão ambiental para o governo Bolsonaro.
Fonte: The Eagle View