Homologação do acordo entre Samarco e governos estaduais favorece apenas a empresa…
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Acordo sobre a Lama da Samarco faz água…
O Ministério Público posicionou-se contra a homologação do acordo da União, governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. com as Mineradoras SAMARCO, VALE e BHP, nos autos da Ação Civil Pública promovida perante a Justiça Federal.
Firmado no dia 2 de março de 2016, o acordo prevê que a mineradora SAMARCO arque com o valor de R$ 4,4 bilhões, pelos próximos três anos, para atenuar as consequências do rompimento da barragem de rejeitos em Mariana (MG), ocorrido em novembro do ano passado. Após o período de três anos, novos cálculos deverão ser feitos para determinar quantias adicionais a serem desembolsadas pela Samarco.
Para ter validade, no entanto, o acordo precisa ser homologado pela Justiça. O Ministério Público, é ouvido, obrigatoriamente, antes da decisão judicial.
O MPF participou das primeiras reuniões entre as partes, porém decidiu se retirar da mesa por considerar que a proteção do patrimônio das empresas estava tendo prioridade em detrimento do meio ambiente e do interesse das populações afetadas pelo acidente.
Os ministérios públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo adotaram a mesma postura do MP federal e também não assinaram o documento.
As declarações dadas á imprensa não deixam dúvida da discórdia.
Segundo procurador da república Jorge Munhós de Souza, o acordo tem pontos positivos. Porém, o termo estabelece uma espécie de teto – uma “garantia máxima”, quando, na verdade, o documento deveria configurar um piso, uma “garantia mínima”.
“Ainda não há um diagnóstico preciso. Nós não sabemos o tamanho do dano. Como vamos definir limites de valores, se a demanda de reparação ainda é incerta?”, questiona Munhós de Souza.
Desconhecimento da funcionalidade da reparação do dano ambiental
O procurador tem razão. O acordo prevê limite de R$ 20 bilhões para medidas de reparação, visando obter um status quo ante – recuperar o estado anterior ao rompimento da barragem. Prevê o acordo, também, um teto de R$4 bilhões para medidas de compensação, a serem implementadas a partir da constatação de não se poder obter o estado anterior ao dano. O documento estabelece, também, tetos para os aportes anuais de recursos.
“Na visão do Ministério Público, os limites são injustificáveis, porque a obrigação das empresas é reparar integralmente o meio ambiente, independentemente do custo a ser empregado”, reiterou o procurador.
Nesse ponto, observa-se certo desconhecimento sobre a efetiva funcionalidade da reparação e da extensão da responsabilidade civil ambiental face ao dano ocasionado.
Não se trata de “indisponibilidade do bem ambiental” ou impedimento de se transacionar com o interesse público em causa.
De fato, há clara possibilidade jurídica de se chegar a um acordo para a reparação de um dano ambiental, com indenizações, mitigações e compensações, mescladas conforme o impacto e complexidade do dano. O bem em causa é algo absolutamente dinâmico e impossível de ser “congelado” por convicções ou entendimentos formais do texto da lei: o equilíbrio ambiental. O que a constituição protege é o “meio ambiente ecologicamente equilibrado” – e esse equilíbrio só se processa em termos dinâmicos, como nos ensina a física, a química, a biologia, a geografia, a engenharia, a sociologia, a arquitetura e o direito.
Assim, pode haver inserção do fator humano, social, econômico; de questões importantes como emprego e renda, etc…
No entanto, ainda que ocorra justa preocupação em evitar a extinção da atividade poluidora, uma vez adotadas as medidas de reparação e controle pertinentes – face ao risco de um dano social e econômico maior – ainda assim, não se pode em sede de acordo judicial, estabelecerem as partes condições limitadoras que resguardem unicamente a parte responsável pelo dano, em prejuízo do bem ambiental e vítimas – mormente quando não há elementos materiais, avaliações técnicas, informações fundamentadas, que permitam tais parâmetros.
É oportuno fazer um paralelo com o recente desastre de Kolontar, na Hungria (2012), provocado por um rompimento de barragem de rejeitos de uma grande mineradora e produtora de alumínio. Naquele rompimento, a lama vermelha atingiu pelo menos quinze cidades e vilas. Por óbvio que a empresa era a maior fonte de riqueza da região. No entanto, a implementação da lei de responsabilidade húngara, levou à liquidação da empresa poluidora.
A comparação é importante para que fique claro que, no limite da responsabilização, o limite para a indenização deve atingir, se for o caso, o esgotamento da atividade econômica do responsável e não a manutenção da atividade.
Outro problema apontado pelo Ministério Público foi a falta de participação das populações atingidas pelo desastre. A mesma crítica já havia sido feita pela organização não governamental (ONG) Justiça Global, que preparou denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA) em relação ao fato – julgado atentatório aos direitos humanos.
Segundo a advogada da Justiça Global, Alexandra Montgomery, comunidades indígenas também foram prejudicadas pelo desastre. No entanto, em relação aos índios, há a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a qual lhes garante o direito à consulta livre e prévia sobre qualquer medida tomada pelos governos, que as afete diretamente.
Há, também, uma outra questão essencial não abordada no acordo. O documento não cita, em qualquer parágrafo, a questão relativa à responsabilidade solidária do Poder Público pelo desastre – em especial o Estado de Minas Gerais.
Entende, com razão, o Ministério Público que ainda que haja um poluidor responsável direto, remanesce a corresponsabilidade do Poder Público por não ter tomado as medidas necessárias visando prevenir ou impedir a ocorrência do dano. Ressalte-se que, no caso em tela, evidências não faltam de omissão da administração ambiental face à atividade de risco da SAMARCO.
Um acordo com muitos donos…
O acordo é inovador, porém essa inovação carrega ríscos intrínsecos de desvio de finalidade.
Pelo documento assinado, os valores estipulados deverão ser repassados pela Samarco a uma fundação privada responsável por gerir 39 projetos ao longo de 15 anos. Essa fundação seria composta por gestores ambientais indicados pela mineradora. Caso a Samarco não faça os repasses, suas acionistas, Vale e BHP, devem assumir os compromissos.
Haverá a criação de um comitê inter federativo, composto por representantes do Poder Público, que teria a função de fiscalizar a fundação, e de um conselho consultivo, com 17 membros, para ouvir as populações atingidas e recomendar o atendimento de suas demandas. O MPF teria três representantes no conselho, e os ministérios públicos de Minas Gerais e Espírito Santo, dois.
Há um velho ditado: “cachorro com muitos donos…morre de fome”. O mesmo poderá ocorrer com o “acordo com muitos donos” assinado pelas partes.
Assim, patente que a criação de vários conselhos e comitês constitui ação absolutamente desaconselhável – seja do ponto de vista de política ambiental, seja no de governança, seja principalmente no que tange ao dever do Estado (e do judiciário) controlar e monitorar a efetividade da reparação dos danos.
O Ministério Público Federal já informou que não participará da estrutura de governança acordada e isso fragiliza todo o acerto ocorrido – pois o MP é parte essencial na administração fundacional e elemento integrante de qualquer acordo judicial relativo à tutela de interesses difusos envolvidos no dano ambiental.
Efetividade zero…
Em entrevista à Agência Brasil, o procurador-geral do Espírito Santo, Rodrigo Rabello, ressaltou a importância de se chegar a um acordo. “A conciliação é a melhor forma de solucionar conflitos. Ela é muito mais breve do que a espera pela tramitação de uma ação. Se o processo tivesse seu curso normal, certamente demoraria mais do que cinco anos para ser concluído. Com o acordo, as medidas são implementadas imediatamente”, afirmou.
Para o Procurador da República Jorge Munhós, a posição do MPF não impede que o acordo seja cumprido entre as partes. “As empresas não podem usar o argumento de que estamos contribuindo para a lentidão da reparação. Elas são livres para implementar o acordo com a União e os estados. Aliás, as medidas de reparação já deviam ter começado. E o Poder Público, mesmo sem intervenção judicial, tem mecanismos para exigir de qualquer particular as ações necessárias para satisfação dos interesse públicos.”
Porém, a posição do Ministério Público prejudica, sim, a efetivação do acordo judicial. Seja por conta do regramento jurídico atinente á Ação Civil Pública e ao regime de responsabilidades previsto na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, seja no que tange à conveniência de se assinar um acordo que… pode nada acordar – pois que deixará inúmeras “pontas soltas”, causando insegurança jurídica.
Caso o acordo seja homologado, a ação civil pública promovida pela AGU e Fazendas estaduais mineira e capixaba será suspensa, até que as medidas sejam implementadas, quando então poderá ser extinta.
Além de ser contra a homologação, o MPF já prepara outra ação civil pública para buscar garantias adicionais, por exemplo uma indenização por danos morais e patrimoniais coletivos.
A ideia extremamente feliz da ação civil pública da AGU, assim, termina como tantas outras ações do governo federal e demais governos estaduais no Brasil: com0 um tiro n’água…
Significa dizer: enquanto as instâncias brigam entre si, na esfera pública, os poluidores, na esfera privada, metem os pés pelas mãos e continuam chafurdando na lama que produziram por conta de sua péssima governança corporativa.
Quem sofre, é a população, os contribuintes que sustentam toda essa máquina que não os atende em nenhuma hipótese…
Fonte:
https://www.ambientelegal.com.br/desastre-ambiental-de-mariana-um-palpite-feliz-e-a-reacao-federal/
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/74094/mpf+e+contra+homologacao+de+acordo+entre+samarco+e+governos+estaduais.shtml
https://www.ambientelegal.com.br/governanca-corporativa-para-vomitar/
https://www.ambientelegal.com.br/a-lama-da-samarco-e-a-lama-do-brasil/
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. É Editor- Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.
.