Tecnologia e inteligência podem fazer o trânsito fluir melhor em São Paulo
Por Vitor Lillo
80% da população latino-americana vive em centros urbanos, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). A alta densidade populacional traz a reboque, entre vários problemas, a piora na fluidez do trânsito, resultante do aumento no número de veículos nas vias, um dos problemas crônicos de São Paulo.
A maior metrópole da América Latina, com 11 milhões de habitantes, tem uma frota de veículos estimada em 7,5 mi, segundo dados oficiais. O número é contestado pelo urbanista e consultor Flamínio Fichmann, que estima o número de veículos em 4,8 milhões. A disparidade entre os números se explica, segundo ele, porque “os dados consideram veículos que não estão mais em operação”.
Na opinião do professor de Engenharia de Transportes Percival Bisca, da Universidade de Campinas (UNICAMP), outro agravante para a gestão do trânsito na metrópole é a infraestrutura viária. “São Paulo tem uma infraestrutura insuficiente. Há mais veículos querendo circular do que o espaço comporta”.
Já o catedrático João Cucci Neto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, aponta a má qualidade do transporte coletivo como agravante: “Incentivar as pessoas a usarem mais o transporte público hoje, infelizmente, não é uma opção porque o sistema não é da melhor qualidade”.
Soluções inteligentes
Além das obras viárias e de mobilidade urbana, a solução – ou pelo menos a minimização – do problema do trânsito em uma metrópole como São Paulo exige ações inteligentes de menor custo e impacto ambiental. E a principal aliada nessa questão é a tecnologia. “Ela é tão importante que existe uma expressão chamada IPS [Sistema de Transporte Inteligente, em inglês]. São quatro elementos que se integram nos deslocamentos em áreas urbanas: a via, o homem, o ambiente e o veículo”, explica Cucci Neto.
Uma dessas ações envolve os semáforos, 6.156 em todo o município, de acordo com a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Desse total, 3.823 deles possuem controle eletrônico, cuja variação do tempo de cada cor é regulada de acordo com o período do dia. Já os semáforos inteligentes, com variação de tempo regulada em tempo real pela intensidade do fluxo de veículos, totalizam 1.633, apenas 27% do sistema.
Percival Bisca considera o número baixo para a cidade: “É preciso investir mais nesses semáforos e colocá-los para funcionar, pois muitos estão inoperantes”. Para Flamínio Fichmann, o mais adequado seria investir em semáforos com controle de fluxo feito por câmeras. “Nos semáforos inteligentes em geral a medição é feita por sensor de movimento; mas existem os que operam por câmeras que são muito mais precisos.”
João Cucci Neto argumenta que existe um “mito” sobre os semáforos inteligentes. “Eles ajudam, mas numa cidade como São Paulo, onde a demanda é maior que a oferta, o ganho não é tão sentido pela população quanto para os técnicos. Por exemplo, em uma avenida como a Rebouças, os semáforos vão ajudar a passar mais automóveis, mas a Rebouças não vai ficar mais livre”, sustenta.
Dar mais “liberdade” às vias é outra ação necessária. Isso passa pela restrição de estacionamento em vias e avenidas de grande fluxo. Tome-se como exemplo uma rua com movimento de 800 veículos por hora. Se as vagas de estacionamento, que comportam até 500 veículos, fossem interditadas em horários de pico (das 7h às 10h, e das 17h às 20h), a rua passaria a comportar 9.600 carros a mais.
Em São Paulo, a Secretaria Municipal de Transportes (SMT) através da CET realizou alterações às regras de estacionamento nas regiões dos Jardins, Consolação, Vila Olímpia, Itaim e Brooklin, segundo informa a companhia em nota. “As cidades precisam adotar uma política nesse sentido. As vias devem servir prioritariamente à circulação de veículos”, afirma Fichmann.
Tirar os veículos irregulares das vias públicas também é outra medida importante. Estimativas apontam que, só na capital paulista mais de um milhão de veículos trafegam ilegalmente. A mais grave consequência disso é que esses veículos, muito deles sem licenciamento ou em péssimo estado de conservação, ignoram os rodízios de veículos, agravando o problema da demanda.
“É preciso que se façam mais blitz para retirar os carros ilegais em circulação. Também é necessário mudar a legislação no sentido de facilitar a ida dos carros abandonados e ilegais para leilão ou desmanche, mas esse já é um assunto de competência do governo estadual”, propõe Flamínio
Pagar para rodar: Pedágio urbano é a solução?
Se seguirmos a lógica do início dessa reportagem de que quanto maior é o crescimento da cidade em tamanho e população, maior é o número de veículos e por consequência os congestionamentos, a solução mais óbvia – e inteligente – seria tirar os carros de circulação. E aí entra o pedágio urbano.
“Não há como fazer muito pelo trânsito da cidade, além de limitar a demanda. Com a instalação do pedágio urbano em uma área como o centro expandido de São Paulo, você além de tirar os veículos nas ruas, você dá mais espaço para os ônibus circularem e até aumentar a velocidade, melhorando o serviço de transporte coletivo e desestimulando as pessoas a usarem o carro”, defende Percival Bisca.
Já Flamínio Fichmann sugere substituir o pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotivos (IPVA) por uma taxa em que os motoristas paguem por quilômetro rodado. Iniciativa semelhante é feita em Santiago, no Chile. “O controle pode ser feito por instalação de chip ligado à telefonia celular (simples e barato) ou instalar um sistema de câmeras que identifique a placa do veículo”.
Haveria apenas uma “pedra” nesse caminho: a opinião pública. “Eu acredito que é o caso de mostrar para a população os benefícios da medida. Em Estocolmo, antes de implantarem o pedágio urbano, fizeram um teste por seis meses e depois realizaram um plebiscito entre os moradores. A aprovação foi esmagadora”, relata Bisca.
João Cucci Neto recebe a proposta com reservas: “pedágio urbano é uma forma de reduzir parte da demanda, mas, nos lugares onde ele foi aplicado, nenhum deles correspondeu a essa realidade”, afirma. Para o professor, antes de tudo, é importante oferecer uma alternativa de transporte para a população: “do contrário, você vai penalizar os que têm automóveis e os que não têm”.
Mais que inteligência, é necessário atitude do Poder Público, sob o risco do trânsito da “cidade que nunca para” entrar em ponto morto. “Se quiser administrar os problemas há várias alternativas. Mas para se resolver o problema é preciso tomar medidas drásticas. O prefeito que as adotar, certamente será reeleito, pela transformação que isso gerará no trânsito da cidade”, sustenta Flamínio Fichmann.