Pode-se dizer que o deputado estadual paulista Adriano Diogo, do PT, é um multi-homem, do tipo que trata de um monte de assuntos ao mesmo tempo e com as mesmas garra e verve que só os que têm a certeza de estar do lado certo das coisas conseguem fazer.
Geólogo sanitarista, formado pela USP, desempenhou papel importante no movimento estudantil paulista durante a ditadura militar, na década de 70.
Exerceu quatro vezes mandato de vereador da cidade de São Paulo e, em 2003, assumiu a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, praticando uma gestão inovadora, com amplo envolvimento popular, que foi fundamental para implementar sete parques e mais de 30 praças no município.
Atualmente, Adriano Diogo preside a Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo. Além disso, já presidiu a Comissão de Defesa do Meio Ambiente e foi relator de importantes projetos, como o da Lei Específica da Guarapiranga e o da Lei de Cobrança pelo uso da água.
Nesta entrevista, concedida antes do primeiro turno das eleições, o deputado fala de financiamento de campanha e de como a classe política está desmoralizada. Leia, a seguir, trechos de entrevista concedida à Fernando Pinheiro Pedro para a TV Ambiente Legal (www.tvambientelegal.com.br).
Ambiente Legal – Como está hoje a Assembleia Legislativa de São Paulo?
Adriano Diogo: Ela está bem, mas podia estar melhor. Estou mais animado e feliz porque consegui aprovar aquele projeto de resolução criando a Comissão Estadual da Verdade, que tem o nome do Rubens Paiva, e isso me deu mais ânimo. A Assembleia é um lugar muito difícil. Estes dois primeiros anos desta legislatura tiveram certa renovação e oxigenação, mas, qual é o problema? Vivemos aquela conjuntura paralisante das eleições. O governo tem poucas iniciativas, não arrisca, não permite nenhuma CPI, nem as CPIs que os próprios integrantes da base governante propõem prosperam. O que me anima, por exemplo, é que esse vazio também gera a possibilidade de muitas iniciativas.
Ambiente Legal – A Comissão da Verdade e o trabalho escravo são o foco de sua atuação hoje. Como estão as atividades nestas áreas?
Adriano Diogo: Hoje, é minha atividade central, porque eu tenho uma visão que o modelo partidário se esgotou. Os partidos só têm uma agenda, que é a agenda eleitoral, e agenda eleitoral sem doutrina. Então, o vale-tudo está generalizado. É só política de aliança. Como não veio a reforma política, a sociedade percebe esse esgotamento -e sente a saturação. Eu acredito que a sociedade pleiteia uma nova forma de representação política. Teve a ditadura, a transição e o modelo da transição está praticamente esgotado, quase exaurido.
Ambiente Legal – O que o senhor acha do sistema atual de financiamento de campanha?
Adriano Diogo – O financiamento de campanha é um dos piores exemplos. É um modelo muito ruim. Acho isso a gênese do mal. Antigamente, o pai falava: “Você é meu melhor filho, o mais estudioso, e estudou Direito em Portugal, vai ser o político da família!”. Agora o pai fala: “Olha, filho, você que não dá para nada, que rouba o carro e que faz tudo de errado, você tem que ir para a política”.
Ambiente Legal – Como os ativistas dos direitos humanos vêem esses modelos?
Adriano Diogo – A questão dos direitos humanos vê a política de outro jeito. Ela não entra no pisa-pisa do pântano partidário, onde as divisões e os limites são muito confusos. A questão dos direitos humanos estabelece campos mais fundamentais, da origem do direito, do ordenamento político da sociedade, que permite que pessoas, embora de partidos diferentes, tenham orientações éticas comuns e possam conviver em conjunto fora dessa confusão partidária.
Ambiente Legal: Então não é mais uma questão partidária?
Adriano Diogo – Exato. Acho que os programas partidários não têm os limites muito claros. Eles estão muito parecidos, e não são parecidos porque são bons, mas porque são cópia de um carbono original muito ruim, e já foram tantas vezes copiados que as cópias são muito confusas, de má leitura.
Ambiente Legal – O senhor acha que nesse esgotamento da política partidária, que não dá mais respostas às demandas de direitos humanos e meio ambiente, também há um esgotamento da sociedade civil organizada e das ONGs, da militância e do ativismo?
Adriano Diogo – A jóia da coroa, que é o Poder Judiciário, de repente foi desnudada, e do pior jeito. As ONGs eram o nicho da alternativa política e da pureza. Eu acho que é uma confusão, mas essa confusão pode gerar um novo estado bom. É uma confusão que pode levar a uma crise. Nem digo que voltam os modelos autoritários. Se bem que essa crise econômica está muito forte na Europa. Ela baseia os modelos autoritários. No Brasil, eu acho que está chegando de uma forma diferente, mas tenho as minhas preocupações.
Ambiente Legal – Este é um ponto importante. Os partidos não atendem a essa nova demanda e à necessidade da mudança de discurso. Essa nova visão, ligada aos direitos humanos, e o perigo da retomada do radicalismo, como o senhor viu na Europa, estão refletindo muito no Brasil. São inquéritos que surgem do nada, escuta telefônica vulgarizada, bisbilhotice oficial e o que é pior, a volta da tortura e da ação violenta dos policiais, como se essas excrescências fossem ícones da proteção de uma democracia, quando na verdade significam uma perda. Como o senhor está vendo esse quadro hoje?
Adriano Diogo – São dois movimentos colidentes. Por um lado, a população melhora a sua renda familiar e começa a estudar -e uma juventude inteira passa a ter futuro pela frente e, naturalmente, quer ter um protagonismo e uma participação na história. Nos dias de hoje, todos os partidos são de centro, um pouquinho para a direita ou um pouquinho para a esquerda. Esse centrismo, forçado e exagerado, faz com que a sociedade se desiluda. Na medida em que o país cresce, que as pessoas estudam e tem uma expectativa, elas se deparam com uma elite do país, que só repete modelos superados, autoritários, e não oferece para essas novas gerações nenhum protagonismo, esperança ou expectativa. Quando a coisa chega nesse ponto, começa a ficar perigoso, porque quem vai querer entrar em um partido político hoje? Quem é que vai querer se candidatar a um cargo eletivo, a uma Câmara Municipal, a uma prefeitura que não esteja dentro dessa máquina organizada?
Ambiente Legal – Pois é…
Adriano Diogo – Só quem está lá dentro sabe que os caminhos dos labirintos são muito difíceis. Quando a política se torna um corpo estranho para a sociedade, qual é a pauta principal da sociedade? Nós não queremos o voto obrigatório. Como se o problema fosse o voto obrigatório, e porque o voto obrigatório? A rejeição ao voto obrigatório é a rejeição da atividade política. Isso é perigoso, porque quando em um país, quando a sociedade, principalmente as novas gerações, acham que a política é um estorvo e não serve para nada, ou melhor, serve para tudo, tudo que é errado, é uma coisa perigosa.
Ambiente Legal – E o radicalismo domina nessas horas.
Adriano Diogo – Exatamente. E o pior é quando a Justiça deixa de ser Justiça e fica desmoralizada. Aí, é o perigo maior, o perigo das instituições.Toda vez que eu vou a uma festa de aniversário de criança e alguém me reconhece e fala: “Deputado…”, já dá aquele mal-estar, as mães recolhem as crianças para descobrir aonde está o deputado. Estou falando isso em tom de piada, mas é sério. Eu procuro sempre um modelo de sobrevivência dentro da política que me identifique mais com o cidadão normal e comum, porque eu acho que a política tem que ser feita por aí mesmo, porque a política é uma atividade como outra qualquer, tal como a dos advogados, onde todo mundo tenta fazer o melhor e o cidadão comum acredita. A sociedade hoje tem um mote e um discurso que as instituições não fazem essa leitura, o Poder Judiciário está no tempo da válvula e a moçada, no tempo do chip.
Ambiente Legal – Pegando este gancho e trazendo para a nossa área, a do meio ambiente, o senhor foi secretário do Verde e praticamente remontou aquela secretaria. Como o senhor vê hoje a quase absoluta falta de rumo na área ambiental na cidade de São Paulo? O senhor é testemunha da luta que é para aplicar um estudo de impacto ambiental com a construção de um shopping center. Se pensarmos que em Nova York há anos ninguém faz nada sem ter um estudo desses em cada quarteirão, nós ainda estamos efetivamente no início do século 20. Como é que o senhor tem visto essa luta ambiental nos dias de hoje?
Adriano Diogo – Esta luta ambiental virou religião, e religião de floresta. Você querer tratar uma cidade, como a cidade de São Paulo, Rio de Janeiro ou Campinas com legislação de floresta, não dá.
Ambiente Legal – Isto esta arraigado no corpo funcional das agências ambientais, no município de São Paulo é uma coisa impressionante, o senhor melhor do que ninguém sabe disso.
Adriano Diogo – A gente precisa entender isso dentro de uma visão cultural. A questão ambiental é um capítulo da contracultura. Se você não entender que a sociedade não vai se transformar em ambientalista, nem pelo modelo do purgatório nem pelo modelo biológico, você terá um problema de visão. Como nasceu o movimento ambientalista? Depois da Segunda Guerra Mundial, depois do caos, dos dois modelos da bipolaridade falida da Guerra Fria, veio a terceira via, que era a via ambiental, que queria construir uma nova sociedade, com novos protocolos. Porém, no Brasil, virou aquela coisa religiosa.
Ambiente Legal – Xamanismo político…
Adriano Diogo – É mística. Você vive em numa cidade em que a questão ambiental passa pelo transporte, pela forma de convivência da sociedade. Não adianta você querer impor modelos que não coincidem com a dinâmica, o processo e o avanço dessa civilização.
Ambiente Legal – A questão ambiental hoje está no tráfego da cidade, no metrô, na relação terrível com o solo contaminado das cidades, que precisa ter uma destinação correta e não tem. Isso é muito mais importante que esse museu de grandes novidades que a gente tem observado aí. Até na Rio+20, estava todo mundo falando coisas que na ECO-92 já achávamos que deveria ter sido dito antes. Agora, 20 anos depois, se vê um repeteco de lições de moral para quem não fez a própria lição de casa. Estamos sendo dominados pela apatia e hipocrisia discursiva?
Adriano Diogo – É o que eu tento dizer. Veja o fenômeno da limpeza do lôdo e do lago da Aclimação. Depois que o vertedouro rompeu e o lago ficou exposto, precisou encher de água de novo para ele ser reaproveitado. Com esse monte de nome bonito que tem na Aclimação: Turmalina e Pedra Azul – e o lago com aquele monte de alga verde, em processo de eutrofia. Hoje estamos vivendo um processo de alternativa de comunicação aqui na TV Ambiente Legal. Quando você abre o jornal, não sabe se é o do dia ou da semana passada. É sempre jornal velho e é por isso que as pessoas acreditam nessa nova forma de fazer comunicação.