Por Fábio Pugliesi
Diferentes setores sociais reivindicam uma reforma, a fim de conferir maior racionalidade ao sistema tributário.
A experiência demonstra que as alterações na legislação tributária têm tido um caráter de incrementar a arrecadação, distanciando-se da justiça tributária.
Assim, tributar ainda mais o consumo equivale a penalizar e, em especial, a CPMF é isso. Ignoram-se novas bases de tributação, o que se pretende abordar em outra oportunidade.
Sob esta perspectiva, faz-se necessário abordar o papel da moeda.
O artigo 164, parágrafo 1. da CF, confere rigidez constitucional à disposição normativa que veda ao Banco Central do Brasil conceder empréstimos ao Tesouro Nacional, com isso a Casa da Moeda (órgão a que se atribui a impressão de papel-moeda no Brasil) passa a ser uma dependência do Banco Central, autarquia a que se faculta também a compra e venda de títulos de emissão do Tesouro Nacional, com o objetivo econômico de regular a oferta de moeda ou a taxa de juros.
A moeda constitui, em nossa economia, o bem que é usado como meio de troca, em razão da possibilidade de ser trocado por outros bens.
Assim, atribui-se essa função ao bem que exprime o valor dos outros e esta função de medida é relevante quando serve para comparar os valores de um mesmo bem ou de diversos bens em diferentes períodos de tempo, inclusive para cálculo de juros.
Em agosto de 1971, os EUA abandonaram formalmente a convertibilidade em ouro e acabaram com os acordos de Bretton Woods. Assim os EUA deixaram de converter dólares noutros valores – ouro, ienes, marcos ou outra divisa internacional – a uma taxa de câmbio oficialmente fixada.
Esse sistema autorreferente, após esta política do EUA, eliminou as restrições à “livre” troca de moedas e a relação entre as moedas não observam mais qualquer parâmetro.
Assiste-se a aceleração da globalização financeira que atribui às variações macroeconômicas o papel determinante neste processo. Por exemplo, quando se diz que o Brasil melhorou sua balança de pagamentos com um ajuste fiscal recessivo e aumento dos juros, provocando até uma valorização do real em relação ao dólar norte-americano, decorre de uma menor necessidade de importação de bens, aumento da exportação e atração de moeda estrangeira que, convertida em reais, proporcionam uma melhor remuneração, simples assim, mas as consequências no cotidiano comprometem a integração social.
A visão que privilegia a moeda enquanto reserva de valor preconiza, assim, uma atitude em que os países devem garantir a conversibilidade da moeda nacional em outra e efetuar cortes nos gastos públicos.
Tributa-se, ao invés de emitir moeda, flexibilizando os pressupostos clássicos da tributação ligada à representação política no parlamento.
Admite-se, por questões de praticabilidade, o que se constituiria em um princípio difuso no ordenamento, autorizar ao Poder Legislativo à utilização de técnicas simplicadoras na lei tributária, como presunções ou ficções, por meio das quais busca-se evitar a investigação exaustiva do caso isolado, com o que se busca reduzir os custos na aplicação da lei.
A CPMF, então, nem se preocupa com a justiça, tributa-se e pronto basta haver uma movimentação financeira, deixando à Administração Pública grande margem de discricionariedade, dificilmente controlável pela sociedade, e também livre do controle pelo Ministério Público, dado que o Supremo Tribunal Federal não lhe reconhece legitimidade ativa para defender os contribuintes.
Desta forma, limita-se a aplicabilidade de outros princípios limitantes do poder de tributar, como por exemplo, os da igualdade tributária (artigo 150, inciso II da CF) e da capacidade contributiva (artigo 145, parágrafo 1. da CF) ao juiz.
Afinal, o dever de dar moeda ao Estado, que caracteriza o tributo, em virtude da política monetária no contexto global ao privilegiar papel da moeda como reserva de valor, em vista do já exposto, dificulta o dever do contribuinte de cumprir a obrigação tributária, cabe, portanto, considerar isto em nome do princípio da capacidade contributiva e do não confisco.
Não se trata de tema de fácil abordagem que requer pesquisas de caráter multidisciplinar, mas permite intuir que a tributação refere-se a um grupo dirigente que passa para segundo plano o papel do Poder Legislativo.
Fábio Pugliesi é advogado, formado pela USP, Membro do Instituto dos Advogados do Estado de Santa Catarina (IASC). Doutor em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), Mestre em Direito Financeiro e Econômico (USP), Especializado em Administração (FGV-SP), autor do livro “Contribuinte e Administração Tributária na Globalização” (Juruá) e professor em cursos de graduação e pós-graduação.
Artigo originalmente públicado em Direito Financeiro e Tributário