Como todo ignorante, Trump é ousado, arrogante e… frágil
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro
Bem que a própria águia norte americana já havia tentado avisar o mundo: ela bicou, arranhou e atemorizou o então candidato Donald Trump, durante uma gravação da campanha eleitoral. Quem está no topo da cadeia alimentar identifica rapidamente o que é bom e o que é tóxico…
O desastre diplomático protagonizado por Trump com o presidente mexicano Nieto, revela surpreendente despreparo e expõe a ignorância do líder eleito para o mais importante posto de poder no mundo.
Recém-empossado, Donald Trump recebeu o telefonema de Peña Nieto, cuja visita aos EUA já estava inclusive agendada.
O registro do diálogo entre os chefes de Estado foi absolutamente espantoso.
Disse Trump a Peña Nieto, Presidente do México:
(…) “Não preciso dos mexicanos. Não preciso do México” (…), “nós vamos construir o muro e vocês pagarão por ele, queiram ou não queiram” (…) “você tem um bando de homens maus e não está fazendo o suficiente para detê-los. Acho que seus soldados estão assustados. Nossos militares não, então eu poderia enviá-los aí.”
A visita foi desmarcada, a relação diplomática azedou, a situação política dos mexicanos (e da colônia mexicana nos EUA), desestabilizou e a economia reagiu negativamente.
Urso na loja de cristais
Várias são as formas de expressar assertividade sem ofender. Esse princípio é básico para a boa convivência social e condição de civilidade.
No campo da diplomacia, da relação entre Estados Nacionais, esse procedimento é uma obrigação, até mesmo nas declarações de guerra – que necessariamente implicam delimitação do porquê e contra o quê se deve a ação bélica.
“Não há coisa mais espantosa que a ignorância em ação”, vaticinara Goethe, o pai da literatura alemã.
É o caso do escalafobético Donald Trump – um urso numa loja de cristais, cuja “sinceridade” revelou o ignorante que realmente é.
A atitude expôs várias chagas de preconceitos que acometem sua alma e deixou implícita sua fragilidade.
Ao que tudo indica, Trump, apesar de perseguir e conquistar obsessivamente a grandeza, permaneceu incrivelmente minúsculo (ao que tudo indica, em vários aspectos da vida…).
Trump está se revelando uma decepção.
Um ignorante dos símbolos e da história
Para quem havia prometido uma volta aos valores básicos do povo americano – e tive oportunidade de escrever isso em outro artigo – Trump esmagou o Grande Selo dos Estados Unidos, seja no anverso, o Brasão de Armas com a águia norte-americana segurando as treze flechas e o ramo de oliveira, seja no verso, a Piramide Inacabada com o Olho Que Tudo Vê.
Não há valor maior para os americanos que a união, a paz e a construção da ordem. Esse é o sentido do Grande Selo dos Estados Unidos, que deixa claro que a força está a serviço da fraternidade.
O diálogo travado por Trump com o presidente do país vizinho, um tradicional aliado dos EUA, parceiro comercial e terra matter de trinta e cinco milhões de cidadãos norte americanos – 11% da população do país que preside – não seria admitido sequer entre Davy Crockett e o General Sant’Anna nas portas do Forte Álamo, nos tempos da Guerra ocorrida entre México e EUA no Século XIX.
Aliás, foi a anexação dos estados mexicanos aos EUA o fator de precipitação da Guerra Civil entre Confederados e a União, pois o México havia abolido a escravidão nos territórios décadas antes da guerra, e os novos dirigentes locais insistiram em reverter a conquista, causando a celeuma com Washington.
O outro ponto dos atritos históricos entre México e EUA, no Século XIX estava na famosa doutrina Monroe, pela qual os americanos entendiam que seus valores republicanos deveriam ser propagados por toda a américa, livrando o continente do domínio europeu – sendo que os líderes do Partido Democrata entendiam que isso poderia se dar ainda que fosse pelas armas, e os abolicionistas, modernistas, Whigs e Soilers Livres, entendiam que a implementação da doutrina se daria pelo exemplo, jamais pelas armas.
Essa base libertária e abolicionista dos Whigs e ex-Soilers livres forma o GOP, o Partido Republicano dos EUA, ao qual pertence Donald Trump.
Porém, ao que tudo indica, não apenas Trump, como os demais membros de seu governo, são absolutamente ignorantes a respeito dos símbolos e da história americana.
Nenhuma experiência adquirida
Mas a ignorância de Trump contida no diálogo referido neste artigo, transcende a história. Trump revela não ter adquirido experiência ou conhecimento de como funciona o mecanismo de combate ao crime organizado internacional em toda a América Latina.
Houvesse acompanhado a evolução do comportamento dos governos americanos no combate ao narco-tráfico, Trump veria que a responsabilidade pelos “bad hombres” não é exclusiva do México. Muito menos os “bad hombres” pertencem ao Presidente Nieto ou representam toda a população mexicana – vítima da criminalidade tanto quanto o povo norte americano.
Há uma demanda de consumo não controlada nos EUA e uma interrelação capilar entre criminosos colombianos, bolivianos, venezuelanos, panamenhos, mexicanos porto-riquenhos e norte-americanos, financiados por estes últimos.
Não por outro motivo os EUA adotaram a política de aliança e apoio mútuo com a Colômbia – segundo alguns, uma intervenção branca em um Estado que não mais exercia soberania territorial.
Os EUA investiram bilhões de dólares em projetos militares, treinamento e apoio logístico, armamentos, programas sociais e de saúde, reurbanização e alteração de matrizes econômicas na Colômbia. Esse esforço resultou na consolidação do moderno estado colombiano, na afirmação do regime democrático, na recuperação da economia, na pacificação territorial e no melhor equacionamento do combate ao narcotráfico.
Agora, imagine se, ao invés de agir de forma proativa, Reagan, Bush, Clinton e Obama houvessem telefonado aos presidentes colombianos para dizer “você tem um bando de homens maus e não está fazendo o suficiente para detê-los. Acho que seus soldados estão assustados. Nossos militares não, então eu poderia enviá-los aí.”
E agora vem a grande ironia…
Justamente por não dizê-lo, os líderes americanos que antecederam Trump, fizeram exatamente isso, sem ferir a honra e a soberania do país, dentro das regras da diplomacia.
Justamente por dizê-lo, o ignorante Trump rasgou todas as possibilidades de fazê-lo em prazo razoável, sem gerar uma guerra…
Arrogância custará caro…
Como vaticina Esopo, “os sábios falam pouco e dizem muito; os ignorantes falam muito e dizem pouco”.
Todo ignorante é ousado. Quando a ousadia é acompanhada da “sinceridade”, o ignorante se revela e toda a sua fraqueza fica exposta à sanha dos inimigos. É o caso de Trump.
O Departamento de Estado dos EUA , hoje nas mãos de um empresário diletante, terá muita dificuldade de repor a diplomacia nos trilhos do governo. Até lá, o isolamento internacional do presidente norte-americano crescerá, vertiginosamente.
Afinal, quem mais (além dos ingleses subservientes), irá tolerar manter diálogo com um fanfarrão disposto a mostrar seus míseros dotes pessoais compensando-os com a ostentação da força do país que ocasionalmente preside?…
Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional (Paris), membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, Vice-Presidente Jurídico da API – Associação Paulista de Imprensa. É Editor-Chefe do Portal Ambiente Legal e responsável pelo blog The Eagle View.