Gangorra de liminares sobre entrevista de Lula provoca atrito entre ministros
Por Antonio Fernando Pinheiro Pedro*
Lewandowski concedeu uma liminar monocraticamente, teve sua decisão revista pela vice-presidência da Casa e, ainda assim, ousou restaurar a liminar cassada, sendo novamente derrubado pela presidência do STF. Esse pugilato procedimental ocorreu em poucos e tensos dias, na suprema côrte do país, em função de uma oportunista-e-também-inoportuna entrevista do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, solicitada pelo jornal Folha de São Paulo, em uma das mais vergonhosas articulações midiático-jurídicas da história do Brasil.
O intuito da entrevista, inegavelmente, era eleitoral, visava atingir a candidatura de Jair Bolsonaro e, em contrapartida, “turbinar” a campanha do PT, confundindo o líder preso com seu “poste” teleguiado. Patente que o fato jornalístico pretendido integraria uma estratégia extrema, que visava influir derradeiramente nas eleições presidenciais.
Não foi uma manobra única e nem a primeira, visando prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro. A Rede Globo de Televisão já havia tentado algo similar, na mesma semana, em relação a outro presidiário, igualmente autorizada por um magistrado federal e cassada pelo Tribunal Regional Federal.
A Globo pretendia entrevistar o sicário que atentou contra a vida de Bolsonaro (e que, ao que tudo indica, estava orientado a incriminar a vítima), e circular a matéria na última semana antes das eleições – a ideia da entrevista do barbudo, no mesmo período, portanto, seria uma espécie de “plano b” do establishment – que comanda ambos os canais de comunicação.
É certo que baixou o desespero no status quo, por conta da real possibilidade de vitória de Jair Bolsonaro, o outsider anti-petista, nas eleições presidenciais.
Já prevendo o veto no judiciário federal, tal qual ocorrera à Globo, a Folha resolveu agir diretamente no Supremo. Encontrou guarida na decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski, membro do chamado “Circuito do Frango com Polenta” – frequentado por Lula em São Bernardo do Campo, garantista de carteirinha, e indicado pelo ex-presidente petista à vaga na mais alta côrte do país.
Ante a vergonhosa, absurda, sintomática omissão do Ministério Público Federal, o Partido Novo tomou a iniciativa de recorrer da decisão à presidência do STF, ocupada interinamente por Luiz Fux, que CASSOU a liminar e proibiu a entrevista, remetendo o processo para julgamento em plenário.
Dias Toffoli não se encontrava em Brasília. Na verdade estava em viagem após ter deixado a presidência da República, que ocupara interinamente até a volta de Michel Temer de sua viagem à ONU. Portanto, ainda não reassumira de fato a presidência do Supremo. Lewandowski, no entanto, ao que tudo indica, imaginou que teria “guarida” para o restabelecimento da liminar e tornou a autorizar a entrevista. Fê-lo, na mesma semana, e em plena sexta-feira, enquanto a entrevistadora de Lula, jornalista Monica Bergamo, da Folha, voava para Curitiba…
Toffoli, no entanto, reassumiu a presidência do Tribunal e, ciente oficialmente da batalha de liminares, foi obrigado a agir.
Toffoli está sentindo na pele a pressão de todos os agentes políticos e institucionais, atentos ao péssimo comportamento da mídia e às escandalosas interações ocorridas, desta com a justiça, nesta campanha.
Após ouvir seu assessor militar, o General Fernando Azevedo, Toffoli não hesitou em impedir que o país entrasse em ebulição. Reiterou a decisão de Fux, cassando de novo a liminar que autorizava a entrevista, proibindo sua publicação.
Passado o fim de semana, tomado por protestos contra e a favor de Jair Bolsonaro (o verdadeiro alvo da guerra de liminares), na manhã da segunda-feira, 1 de outubro, os ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski se encontraram no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Toffoli havia acabado de proferir uma palestra sobre o 30º aniversário da Constituição Federal e trombou com Lewandowski, que também era palestrante no mesmo evento, na “Sala das Becas”, situada na ante-sala do auditório. A conversa entre os dois não foi nada amigável.
Toffoli tentou se antecipar e se dirigiu a Lewandowski para lamentar a guerra de liminares. Toffoli ponderou que levaria o caso ao plenário da Corte ainda naquela semana, para “resolver a situação”.
Foi quando o sangue de Lewandowski subiu. Com o rosto vermelho, disse a Toffoli que, se o caso fosse levado ao plenário, ele denunciaria “o desvio de poder que tomou conta do STF”. Lewandowski recomendou ao colega que “pensasse bem” antes de levar o processo a julgamento, porque ele não ficaria calado e, “depois de falar bastante”, deixaria o plenário “sem participar da votação”.
O Ministro Lewandowski proferiu, portanto, uma ameaça, ouvida pelos presentes, do outro lado da porta… relatada pela Revista Época.
Os dois se afastaram um do outro, contrariados, e o evento seguiu. incluso com o almoço, que correu em clima cordial, como mostra a foto abaixo…
O fato é que a ameaça de Ricardo Lewandowski a Dias Toffoli, ainda que proferida “no calor do debate”, não pode ficar sem a devida apuração.
Ao dizer que, se o presidente do STF levasse o caso da entrevista de Lula a plenário, ele denunciaria o “desvio de poder que tomou conta do STF”, o Ministro Lewandowski externou de público um fato que afeta a República e que, portanto, merece integral esclarecimento, senão pelo próprio STF, pelo Senado Federal.
Há um fundo que transcende o atrito interpessoal nessa questão. Fux tomou decisão contrária à de Lewandowski como Vice-Presidente do STF. Porém, o ministro escreveu nova decisão, por meio da qual reiterou o que tinha dito na primeira, porém com críticas duras dirigidas não só a Fux como também a Toffoli.
Para Lewandowski, os dois dirigentes “arquitetaram tudo”. Ele explica: as suspensões de liminares, pelo regimento interno, demandam pedido encaminhado ao Presidente do STF. Com efeito, o Presidente é Toffoli, que estava ausente, em viagem a São Paulo. Nesse caso, o pedido foi encaminhado para a relatoria do vice-presidente, Ministro Luiz Fux. Acontece, porém, que Fux também estava fora de Brasília. Pergunta Lewandowski: por que, então, estando nas mesmas condições, Fux poderia decidir e Toffoli, não?
A resposta foge do campo regimental e transfere-se para a política interna no Tribunal. Toffoli, por ser presidente do STF abriria um conflito pessoal com um colega ideologicamente afinado e, portanto, parece ter permitido que Fux atuasse, como seu vice, por ser de ideologicamente diferenciado. Nenhum dos dois irá admitir o fato, e de fato não admitiram. Porém, o conflito pessoal terminou ocorrendo, pois Lewandowki apelidou a decisão de Fux como “teratológica”, “inusitada” e “inadequada” – extrapolando completamente o vernáculo inter pares vigente no Poder Judiciário.
No entender de Lewandowski, a banalização do expediente acarretará a perda de poder de decisão monocrática dos ministros da Côrte. Afinal, estes poderiam ver suas decisões derrubadas por um colega, sendo que, entre os integrantes do tribunal, “não há qualquer hierarquia jurisdicional”.
Lewandowski entendeu, ainda, que esse tipo de decisão não precisaria ser levado para julgamento em plenário, e cobrou de Toffoli, como presidente, que derrubasse a decisão de Fux – o que não ocorreu.
Lula está preso desde abril, em decorrência da condenação pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região no processo sobre o tríplex no Guarujá (SP). No dia 1º de setembro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) barrou a candidatura de Lula com base na Lei da Ficha Limpa, que impede réus condenados pela segunda instância de concorrer. Mesmo assim, sem que haja uma decisão à altura do Tribunal Eleitoral e uma providência séria do Ministério Público Eleitoral, o Partido dos Trabalhadores vem distribuindo a torto e à direito, santinhos dos seus candidatos constando o retrato de Lula no número 13, ao invés de neles constarem a foto de seu candidato cítrico, Fernando Haddad…
É nesse clima, de papéis trocados, que se pretendia trazer a público uma entrevista do encarcerado líder, às vésperas das eleições…
A questão posta, por óbvio, não é a possibilidade de se entrevistar presos. Isso diz respeito á liberdade de expressão e à liberdade de imprensa – a primeira abrange inclusive presos e a segunda transcende a condição da fonte – se presa ou em liberdade. Assim, o problema não está no direito à se obter entrevista e, sim, à conveniência e oportunidade desta – face ao período eleitoral, e essa conveniência, de ordem judiciária, tem, sim, previsão no ordenamento que disciplina o regime prisional. Mas o conflito entre ativismos de toda ordem, aberto no STF, desviou completamente o foco da questão.
Uma coisa é certa, o acúmulo de ineditismos, ocorrente nesta que já se tornou conhecida como a pior judicatura da história do judiciário, só revela o banquete pantagruélico ocorrente no “Supremo Inferno”, que está a arder na cúpula do Poder Judiciário do Brasil.
Há duas campanhas políticas em curso no Brasil: a eleitoral e a judicial. A primeira expressa a democracia, a segunda a judicializa.
Estamos nos estertores da moribunda “Nova República” e sua claudicante Constituição de 1988. Portanto, não serão as eleições que impedirão o desenrolar das crises até que se encontre uma ruptura que nos leve, democraticamente, a uma nova ordem… livre de picuinhas togadas.
Veja também – A Crise Moral na Grande Imprensa – Entrevista com Pinheiro Pedro
*Antonio Fernando Pinheiro Pedro é advogado (USP), jornalista e consultor ambiental. Sócio diretor do escritório Pinheiro Pedro Advogados. Integrante do Green Economy Task Force da Câmara de Comércio Internacional, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB e Vice-Presidente da Associação Paulista de Imprensa – API. É Editor – Chefe do Portal Ambiente Legal, do Mural Eletrônico DAZIBAO e responsável pelo blog The Eagle View.